“O meu bairro fechou para hostel”

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“O meu bairro fechou para hostel”

O alojamento local tem vindo a crescer com a chegada dos turistas. As ilhas do Porto são as mais afetadas com este negócio, o #infomedia falou com Fernanda Santos e Quitéria Neves que contam a perspetiva como moradoras.  

[Texto de Ana Fernandes  e Vanessa Sousa]

Na tarde de sol do dia 20 de maio ouve-se a música alta do rádio como é habitual na rua de São Vítor, na freguesia do Bonfim, no Porto. Fernanda é a mais recente vizinha, mudou-se há seis anos para a ilha do Galo Preto. Viúva há cinco anos, sentada na cadeira branca de plástico, encostada à porta de casa, recorda dos tempos que viveu com o seu falecido marido.

Em agosto de 2018, a ilha em que Dona Fernanda morava, juntamente com os seus filhos e o marido, a ilha do Mourão, localizada também na rua de S. Vítor, foi transformada num “hostel de luxo” com vista para o rio Douro. “O meu bairro fechou para hostel” são cada vez mais as ilhas que estão a ser vendidas e renovadas para esse efeito, obrigando os moradores a mudarem de habituação à força. Como foi o caso de Fernanda, que aos 70 anos de idade, viu a sua vida mudar de um momento para o outro “eu sabia que ia ser despejada” – sublinha – “e eu nem esperei, nem exigi nada, peguei nas minhas coisas e vim-me embora”.

O meu bairro fechou para hostel, morei lá 50 anos”

Quem passa pela avenida de São Vítor vê as inúmeras portas que vão aparecendo, intercaladas com as habitações. O grande portão, com um tom preto e já com um ar desgastado, quase passa despercebido. É nesta rua que se encontra uma das 1130 ilhas existentes na Invicta. As roupas estendidas nos varais acompanham o corredor e ao fundo, destaca-se a escada encostada ao muro. Quem entra pelo corredor da ilha, já é habitual subi-la e ver a vista para o Douro. Conta ao #infomedia que quando se mudou para a ilha do Galo Preto a renda aumentou consideravelmente “eu pagava 50€ por mês, desde que vim para aqui, pago 250€”, e das dificuldades que isso arrecadou, uma vez que vive da reforma do marido “fome não passo, mas tem de se controlar o dinheiro, porque também não tenho muito”. No entanto, a moradora esclarece que houve outros vizinhos que tiveram direito a uma casa num bairro social e dinheiro por parte do senhorio para saírem da habitação.

Eu estava mesmo a necessitar porque tinha de sair de lá, nem pensei duas vezes quando esta casa ficou livre”.

Ilhas do Porto

As “ilhas” no Porto são um tipo de habitação operária típica do século XIX, constituída por edifícios unifamiliares no centro da cidade.
“Foram também a resposta à necessidade de albergar uma população de origem rural que se deslocou para o Porto numa cidade em processo de urbanização emergente e com problemas graves de alojamento.”

Associação Comercial do Porto

(In)Sustentabilidade na Cidade do Porto

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE-2020), em 2019, o alojamento local teve um crescimento de 15%. Os lucros aumentaram 20,6% em 2019, para mais de 377 milhões de euros. 

O baixo custo das propriedades e do arrendamento de longa duração e as baixas taxas de juro constituíram um estímulo para os investidores privados encontrarem no alojamento local uma oportunidade de negócio. Outra mudança importante foi a alteração na legislação do alojamento local em 2014. Houve assim uma oportunidade de negócio no setor do imobiliário.  

O alojamento local é um modelo de negócio que encontrou nas plataformas online o fator crucial e uma procura global.

Gerou alguns efeitos secundários, como o exemplo da não renovação de contratos de arrendamento, os despejos, o desenraizamento associado à ocupação temporária por novos públicos, estes fatores tiveram impacto na estrutura sociodemográfica e cultura pré-existente, gerando assim a gentrificação. 

Esta começou por ser apenas associada ao setor imobiliário, mas acabou por criar uma relação com outros setores, como o comércio.   

Gentrificação
 ʒẽtrifikɐˈsɐ̃w̃

– Processo de transformação e valorização imobiliária de uma zona urbana, que acarreta a substituição do tecido socioeconómico existente (geralmente constituído por populações envelhecidas e com pouco poder de compra, comércio tradicional, etc.) por outro mais abastado e sem condutas de pertença ao lugar.

Alguns proprietários e investidores, consideram que o alojamento turístico é um investimento mais rentável e seguro, na medida em que há uma maior instabilidade no regime de arrendamento habitacional de longo prazo.

Quando o meu senhorio nos mandou sair de lá, ele sabia que ia ficar a lucrar com a venda da ilha para alojamento local”, relata Fernanda.

Com o olhar vago, relembra que neste momento o hostel encontra-se fechado pela falta de turistas. Os proprietários de alojamentos locais voltaram ao arrendamento tradicional como alternativa à falta de turismo, tentando contrariar a crise económica provocada pela COVID-19. 

Em 2015, a Câmara Municipal do Porto verificou que 10.000 pessoas vivem em ilhas, algumas delas com más condições de habitabilidade. Em Campanhã encontra-se a freguesia com um maior número de ilhas, cerca de 233, o Centro Histórico com 176 e Paranhos com 155. A União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos, contam com apenas 75.