O relato de um motorista de pesados, a história de quem anda cá e lá

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O relato de um motorista de pesados, a história de quem anda cá e lá
Fotografia cedida pelo entrevistado

[Texto: Débora de Sousa]

O ano é conturbado para muitos e, em tempos de pandemia, fala-se daqueles que estão na linha da frente. Antero Sousa é um deles. Tem 53 anos, natural de Vila Nova de Gaia é motorista de pesados de mercadorias há mais de 20 anos. 

Desde o início da pandemia, nunca deixou de trabalhar. Sente que tem uma grande responsabilidade e assume-a: garantir a sustentabilidade dos supermercados. Diariamente transporta alimentos, peças de automóveis, folhetos publicitários de superfícies comerciais, pasta de papel, cartão, cabos e bobinas. “Tudo o que for necessário” assegura.

Admite conhecer mapas e cidades melhor que alguns GPS. Aliás tem um mas é raro fazer-lhe uso. Quando ainda não havia GPS conta que descobria as cidades com mapas, que, por vezes, eram livros com 300 páginas que tinha de unir como um puzzle. Guarda-os a todos com muito carinho e afirma que não sabe se um dia precisará deles. Quando os mapas não ajudavam, fazia-se à estrada e “quem tem boca vai a Roma, ia perguntando às pessoas e lá chegava”. 

São várias as histórias que tem para contar e inúmeras as lições que delas podemos retirar. Desde se enganar e conduzir em sentido contrário, em Inglaterra, na primeira viagem que fez ao país em 1998; de cozinhar na beira da estrada, até aprender francês sozinho pela necessidade  comunicar nas tantas vezes que conduziu até várias cidades francesas.

  Quando era jovem Antero não aprendeu a falar línguas estrangeiras. Hoje fala francês, percebe inglês e domina espanhol. Aprendeu por necessidade e acredita ser uma ferramenta valiosa que leva sempre consigo para o camião. “Agora tenho 2 filhas emigradas no sul de França e saber falar e isso ajuda-me muito quando vou lá”.

  Percorreu a Europa de fio a pavio. Dormiu muitas vezes na beira da estrada, “dentro da lata” como se refere ao camião. Conheceu Paris, Manchester, Zurique, Liverpool, Marselha, Génova e muitas outras cidades. “Conheço o Luxemburgo como a palma da minha mão. Em 2004 recebi uma proposta de trabalho para lá mas a minha esposa não aceitou deixar o país”.

  Depois desta proposta já surgiram muitas outras, algumas bastante aliciantes como ir para a Grécia com um autocarro de turismo, “poderia ganhar o triplo” acrescenta. Antero não aceita estas propostas para não se afastar da família.  “Eu já sou avô e não sei como. Não vi as minhas filhas crescer e não quero que isso aconteça com os meus netos.”

Estar longe da família é, sem dúvida, o maior sacrifício para este motorista de pesados. E nas condições excecionais em que vivemos continua a ser necessária essa distância, com a agravante de um regresso incerto. Antero cumpre as recomendações da Direção Geral de Saúde mas diz que todo o cuidado pode ser pouco . Sobretudo agora que a solidão de andar na estrada é maior. Tem amigos de profissão que dormem no camião há dois meses com medo de contaminar as famílias, algo que também chegou a ponderar fazer, para proteger a família.

  Na sua opinião a paragem da economia portuguesa teria efeitos devastadores para o funcionamento do país e a sobrevivência da maioria das famílias. Contudo agora é Antero que precisa de abrandar. Devido ao ritmo frenético, a que a pandemia exige,  vai gozar uns dias de folga.

  Neste testemunho Antero recorda cidades como Madrid e Barcelona onde sempre se habituou a ver multidões, mas que agora estão desertas.

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