O Taekwondo no limite do contacto

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O Taekwondo no limite do contacto
[Texto de Beatriz Santos, Diana Fonseca, Marco Campos e Miguel Valdoleiros]

O Taekwondo foi mais uma das modalidades desportivas que mais sofreram com as restrições da pandemia Covid-19. Os mestres Pedro Póvoa, do Boavista Futebol Clube, José Monteiro, do ginásio Maximus, e o atleta Júlio Ferreira, do Sporting Clube de Braga, testemunharam a nova realidade desta arte marcial.

Resistir à pandemia da Covid-19 tem sido o desafio de uma prática que até agora dependia do contacto físico. A aplicação das novas medidas de segurança, impostas pela Direção Geral de Saúde (DGS), forçou o cancelamento das competições e a reestruturação dos treinos de Taekwondo em Portugal, logo no início do mês de março. A incerteza do regresso à modalidade pela obrigatoriedade de confinamento ditaram um horizonte incerto para esta prática que é considerada modalidade olímpica desde 2000.

Quando se fala de Taekwondo pensa-se numa modalidade de combate com contacto físico direto. De origem sul-coreana e com características semelhantes a outras artes marciais, como o Karaté e o Judo, o Taekwondo viu-se obrigado, face à nova realidade pandémica, a adotar uma nova “metodologia didática” [uma nova maneira de ensinar a modalidade através da plataforma Zoom], como refere José Monteiro, mestre no ginásio Maximus, situado na cidade da Maia, no distrito do Porto.

Segundo Pedro Póvoa, ex-atleta olímpico e atual treinador do Boavista Futebol Clube, a modalidade “consegue adaptar-se à pandemia porque há várias formas que se podem ensinar, como a preparação física e técnica”. 

Pedro Póvoa treinador de Taekwondo no Boavista F.C – fotografia cedida pelo entrevistado

No início do confinamento obrigatório, decretado pelo governo a 18 de março de 2020, José Monteiro admite ter tomado a iniciativa de fechar o estabelecimento onde ensina. Também Pedro Póvoa refere que a “direção [do Boavista FC] tinha decidido fechar as instalações”, preocupando-se em prosseguir com as aulas em formato online durante cerca de dois meses.

Face a uma paragem forçada, os treinadores de Taekwondo tentaram procurar alternativas para que os atletas não ficassem prejudicados. 

O mestre Monteiro conta como prosseguiu o ensino: “comecei a fazer planeamentos e enviava para eles [os alunos] fazerem, mas nunca tinha a certeza se estavam a executar bem os exercícios”. Face a esta dúvida, decidiu optar pela plataforma de videoconferência Zoom para tentar encurtar a distância.

“Essa foi uma das melhores adaptações que nós tivemos e conseguimos animar um bocadinho as crianças e os atletas em casa.” – José Monteiro, treinador de Taekwondo no ginásio Maximus

José Monteiro, treinador de Taekwondo no ginásio Maximus – fotografia de Beatriz Santos

Na perspetiva de Pedro Póvoa, a recetividade às aulas online foi diferente. Alguns atletas e professores não foram tão recetivos à nova pedagogia, tendo em conta que houve treinadores que preferiram conservar os valores tradicionais do desporto, pois para eles, o ensino remoto não se enquadra com a filosofia taekwondista. Mesmo assim, para o ex-atleta, o modo online permitiu “aprender outras vertentes como poomsae” um padrão de movimentos individuais de defesa e ataque”.

Já o atleta de Taekwondo do Sporting Clube de Braga, Júlio Ferreira, garante que “na parte de combate é óbvio que falta muita coisa ao treinar em casa”: a estratégia, a tática e a reação são advertências ao desenvolvimento”. Para ele, “é difícil manter o ritmo apesar de poder evoluir a resistência e a força”.

Júlio Ferreira, atleta de Taekwondo do S.C Braga – fotografia cedida pelo entrevistado

Na altura de desconfinar e regressar aos ginásios, os espaços adaptaram-se às necessidades de higiene e de segurança. José Monteiro explica quais os procedimentos adotados: “fechamos uma sala de aula de grupo para dar espaço aos equipamentos; dividimos a nossa sala em quatro metros quadrados por aluno e temos álcool-gel em todo lado”, além de que, “é tudo desinfetado”. Depois, quando “acaba uma aula, temos de sair durante quinze minutos para a funcionária vir desinfetar [a sala]”.

As principais advertências à prática da modalidade

A pandemia Covid-19 é uma preocupação real e uma modalidade como o Taekwondo precisa de contornar os obstáculos relacionados com a distância física a que o vírus obriga.

A falta de presença dos atletas gerou complicações, tanto nos profissionais como nos amadores. 

O taekwondista Júlio Ferreira afirma que durante a paragem [entre março e setembro] não soube gerir muito bem os treinos, “principalmente numa modalidade em que é impossível não haver contacto físico”, reflete. 

Em entrevista, os jovens atletas do ginásio Maximus referem certas dificuldades que sentiram durante os treinos. “A época de pandemia atrasou o meu desenvolvimento, visto que engordei e para a competição não me tem ajudado muito”, declara Inês Silva, de 17 anos, cinturão negro de 1º dan [grau de especialização em Taekwondo]. 

Já André Fontinha, atleta de 13 anos, “estava habituado a treinar todos os dias”, no Maximus e admite não ter sido tão fácil fazer os exercícios em contexto doméstico, devido à necessidade de espaço, material e exercício de grupo.

Na mesma linha de raciocínio, João Monteiro, de 18 anos, realça a falta de concentração nas tarefas propostas pelo treinador. E também Matilde Ferreira, 15 anos, cinturão vermelho e preto (poom), confirma uma lenta adaptação às restrições da pandemia.

No entanto, os próprios estabelecimentos refletiram adversidades.

“Houve desistências, mas também houve entradas”, indica Pedro Póvoa, ex-atleta olímpico de Taekwondo e treinador do Boavista Futebol Clube.

“Reduzimos logo o fluxo normal para 50 por cento”, informa o mestre José Monteiro, indicando que: “foi uma das nossas atitudes de protocolo para proteção de todos os utentes de ginásios”.

Contudo, o nível de assiduidade e de prática foi limitado em 60 por cento. “É muito significativo para nós, não só a nível sentimental”, desabafa, acrescentando que sentem falta dos alunos, “mas também perder 60 por cento da receita de um espaço destes torna-se um bocado difícil”. 

O valor do Taekwondo

A Federação Portuguesa de Taekwondo é formada por 19 associações que dirigem 140 escolas desta modalidade em todo o país. A sua introdução foi em 1974 pelo grão-mestre David Chung Sun Yong no Sporting Clube de Portugal.

Atualmente, esta Federação é membro do Comité Olímpico de Portugal e o Taekwondo está no programa desportivo dos Jogos da Lusofonia que, em 2009, realizou a segunda edição em Lisboa. Pedro Póvoa é o primeiro taekwondista português a representar o país nos Jogos Olímpicos.

Sendo o Taekwondo uma arte marcial oriental, a sua cultura foca-se, não só na parte prática, mas também no estado de espírito, diferenciando-se da prática de modalidades desportivas que surgiram no Ocidente, como o futebol, desporto com grande adesão em Portugal.

Ambos os treinadores da arte marcial tentam transmitir uma série de valores e de princípios aos alunos, que estão consagrados pela Federação Portuguesa de Taekwondo.

Dentro da modalidade, existem cinco princípios que, segundo José Monteiro, “estão muito bem definidos”: a honestidade, a integridade, a perseverança, o auto-domínio e o espírito indomável. São estes os alicerces desta prática de autodefesa.

Além disso, Póvoa tenta passar a mensagem de união: “somos uma família, todos somos importantes, desde o mais pequeno ao mais adulto”. No entanto, tenta ainda transmitir outros valores aos praticantes [de Taekwondo]: “O valor é não desistir no meio da pandemia, estarmos unidos e falarmos uns com os outros sobre os problemas e adaptarmos a este tipo de treino.”

Para além de ser uma modalidade que se adequa a toda a família, é também inclusiva a todos os géneros. A ex-atleta Liliana Damas, de 19 anos, acredita que “se fores bom, as pessoas não estão a olhar para o teu género”. 

Liliana Damas, 19 anos – ex-atleta de Taekwondo, fotografia cedida pela entrevistada

Outro aspeto do Taekwondo e que afeta diretamente os praticantes são as restrições a nível físico. As pesagens são um ponto importante tanto para quem treina, como para quem compete. A antiga taekwondista diz que é uma situação complicada “porque o nosso corpo pede-nos um peso e o desporto pede-nos um peso mais abaixo”.

De momento, Liliana Damas não pratica devido a “uma rotura de ligamento cruzado no joelho”. Encontra-se a recuperar da operação e espera que a sua paragem seja temporária. Mesmo assim, está a par da nova realidade da prática de taekwondo: “sei que os treinos são mais restritos, que tentam manter os mesmos pares, manter as distâncias sociais, o que é muito complicado num desporto que é de tanto contacto”. No entanto, na opinião da ex-taekwondista, é preferível esta dinâmica às aulas online: “estar a treinar à frente do treinador e da equipa é melhor e é mais motivador”, explica. 

A perspetiva da modalidade a nível nacional 

“A principal diferença do taekwondo internacional para o nacional são os apoios e a qualidade” vinca Júlio Ferreira. Para além das dificuldades sentidas nas competições internacionais, o atleta aponta que a nível nacional “a evolução não é assim tão grande quanto poderia ser”. Este profissional considera que Portugal tem atletas que conseguem bons resultados a nível internacional. Porém, devido à falta de apoios das federações, não são aproveitados da melhor forma. 

Esta falta de apoios a nível nacional, como declara Póvoa, deve-se também ao facto de a modalidade não ser ainda considerada “uma utilidade pública desportiva”. Para José Monteiro, o Taekwondo está dividido a nível de dirigismo em Portugal (porque atualmente existem duas federações que não colaboram entre si, dividindo assim as equipas de Taekwondo por federação. Deste modo dificulta o espirito de união que a modalidade pede) e afirma também que “está a passar por uma fase crítica devido a problemas financeiros” que agravaram devido à covid-19. O compromisso nacional não é homogéneo.

A Federação Portuguesa de Taekwondo deixou a modalidade perder a função de utilidade pública e consequentemente a perda de oportunidade de realizar competições nacionais e internacionais. Deste modo foi criada a Federação Portugal Taekwondo para resolver esses problemas, em 2018.

“O Taekwondo não tem contratos programa com o estado, ou seja não existe dinheiro ou verbas estatais para este tipo de compromissos, o Taekwondo é uma associação de clubes sem apoio do estado a nível financeiro”, afirma Pedro Póvoa

Na visão de Júlio Ferreira, os atletas portugueses com quem esteve são mais “particulares em relação aos atletas estrangeiros”, os nacionais são mais táticos e inteligentes, uma vez que os de fora preocupam-se mais com o físico e a competição.

De forma geral, Pedro Póvoa reflete que “a nível mundial [o taekwondo] é um desporto que une muitas pessoas, mas que a nível nacional é algo que ainda está a passar uma crise”. Porém, ressalva, “o Taekwondo está rico em termos de treinadores e a nível de ensino”, o que poderá garantir a sobrevivência da modalidade, mesmo em tempos exigentes de pandemia.