Pandemia não demoveu estudantes portugueses de fazer ERASMUS
- Ana Luísa Capelo
- 28/12/2020
- Atualidade Geração Z Internacional Viagens
Em 2020, houve menos mobilidade académica em ERASMUS. Ainda assim, apesar das restrições pandémicas, mais de 1500 estudantes portugueses rumaram ao estrangeiro. Maria Sampaio, Eduardo Simões e Renata Andrade fazem parte desse universo particular que os desafiou a sair do lugar conforto.
[Texto de: Ana Luísa Capelo, Catarina Preda, Inês Conde, Inês Gonçalves, Maria João Pereira]
No ano em que o mundo luta para ultrapassar a pandemia da COVID-19, há ainda alguns estudantes que, independentemente, das restrições sanitárias e fronteiriças, decidem aceitar o desafio de estudar fora do país de origem.
Maria Sampaio, Eduardo Simões e Renata Andrade foram três dos estudantes que rumaram a outros países. Medo, ansiedade, um regresso inesperado e uma experiência inesquecível são alguns dos elementos que fazem agora parte da bagagem da experiência destes jovens estudantes que decidiram embarcar no programa de mobilidade académica European Region Action Scheme for the Mobility of University Students, conhecido como ERASMUS. Esta iniciativa europeia visa apoiar e incentivar a educação e formação dos jovens graças à facilitação da mobilidade em território europeu para fins académicos.
O programa já apoiou milhares de jovens portugueses. A implementação do ERASMUS remonta a 1987, quando Franck Biancheri lhe atribuiu a denominação de AEGEE Europe. Ao longo dos anos, várias foram as vezes que o seu nome foi alterado, mas a génese do projeto manteve-se sempre. Em 2007, surge a versão mais atual pelo Programa de Aprendizagem Permanente que, em 2013, alicerça de vez o programa ERASMUS.
Orçamento Português para ERASMUS No contexto português, o financiamento deste projeto concentra 285 milhões de euros que são distribuídos pelas várias áreas de atuação educacional, nomeadamente, o Ensino Superior concentrou a maior fatia deste orçamento, um total de 48%, correspondente a cerca de 137 milhões. Seguiu-se o Ensino Escolar, 25%, o Ensino e Formação Profissional, 23%, e a Educação de Adultos que beneficiou de 4% deste montante disponibilizado durante seis anos. (Fonte: Agência Nacional Erasmus – Educação e Formação). |
Como seria de esperar, o impacto da atual situação pandémica fez-se sentir também na mobilidade estudantil promovida por esta iniciativa da UE (União Europeia). Em setembro de 2019, mais de 5 mil estudantes portugueses partiram para estudar num país europeu e a tendência seria que o número fosse crescendo, uma vez que, cada vez mais, este programa é divulgado e aclamado. Todavia, no período homólogo de 2020, este número decresceu em cerca de 70%, sendo que apenas 1.509 estudantes entraram no programa.
Número de estudantes portugueses que participaram no programa ERASMUS
Maria Sampaio: do Porto para Budapeste
Foi em agosto de 2020 que a portuense Maria Sampaio, estudante de comunicação empresarial no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP), embarcou para a Hungria, onde frequenta a Óbuda University em Budapeste. Escolheu a capital deste país como a sua nova casa porque “há dois anos” esteve em Budapeste, “desde aí, sempre tive vontade de vir de ERASMUS para cá”.
A sua partida para o leste europeu esteve envolta em indecisão e receio. Ainda que, numa primeira fase, ficasse feliz por alcançar o seu objetivo de estudar fora do país de origem, rapidamente “começaram a surgir certas preocupações relativamente à COVID-19″, confessa. “Foi cerca de um mês a dizer que não vinha, mas, como a situação na Hungria não estava muito má e os estabelecimentos continuavam abertos, tomei a decisão de vir na mesma. Sempre pensei: se não estiver bem vou embora”, recorda.
À semelhança de Portugal, a Hungria também implementou várias medidas restritivas adjacentes ao estado de emergência declarado até fevereiro de 2021. Com uma segunda vaga a alcançar números recordes de infetados e um sistema de saúde frágil – um dos piores da UE, segundo o Hungary Country Health Profile 2017 da Comissão Europeia -, o primeiro-ministro agiu e impôs, por exemplo, no dia 1 de setembro, o encerramento das fronteiras. “Para entrar na Hungria tem de possuir uma autorização da polícia e um motivo legítimo”, enquadra a estudante de comunicação empresarial, que adverte, ainda que “por causa disso” não esteve “com ninguém” da família, “nem amigos”, desde que foi para a Hungria.
Numa fase inicial, Maria refere que, em Budapeste, não havia a obrigatoriedade do uso de máscara e que as medidas não eram extremas. Porém, em novembro, foram implementadas regras de segurança e higiene mais restritivas, de forma a combater os níveis elevados de casos positivos. Para além de existir “um horário apenas para as pessoas com idade superior a 65 anos irem ao supermercado”, também “os restaurantes, cafés e bares estão todos fechados”, acrescenta Maria.
Recentemente, implementaram o “recolher obrigatório a partir das 20h”, conta a estudante, que considera ser “a parte mais complicada”. “Queremos estar com as pessoas, conviver, e, normalmente, o horário mais comum para o fazer é à noite”, reflete. Considera que “já tomaram todo o tipo de medidas”, porém, nota, “deveriam tê-lo feito mais cedo – na primeira vaga os números foram baixíssimos e, agora, subiram abruptamente! Deveriam ter prevenido mais”.
Ainda assim, reconhece que “sinceramente, não poderia estar mais agradecida de estar cá [Budapeste], não há nenhum ponto negativo em fazer ERASMUS”. “Aquilo que vivemos é tão enriquecedor que tudo o resto é relativizado”, explica. A portuense considera que “para estudantes, [Budapeste] é uma cidade perfeita” e, de facto, este é um dos países que os estudantes portugueses mais escolhem para fazer ERASMUS (Fonte: Agência Nacional Erasmus – Educação e Formação). Para além de se localizar estrategicamente no centro da Europa, o que facilita a deslocação dos visitantes a novos lugares, a capital húngara também tem um baixo custo de vida, algo que se ressente, por exemplo, no custo de aluguer de uma habitação (Fonte: Numbeo).
Para além disso, o ensino também é diferente, algo que, automaticamente, influencia bastantes jovens quando chega a altura de tomar uma decisão. A estudante de comunicação descreve a forma de ensino das universidades húngaras como sendo “muito prático” e admite que, a maioria dos alunos, procuram isso quando se inscrevem nesta experiência. Afinal “para a vida que se leva em ERASMUS e para o propósito do programa, acho que [método mais prático] é uma ótima forma de manter os estudantes motivados, caso contrário estariam sempre a faltar, certamente”.
Para ela, há uma forma bastante fácil de resumir esta iniciativa europeia: “A palavra que me vem à cabeça quando penso em nesta experiência é só uma: desenvolvimento pessoal”.
Eduardo Simões: de Viseu para Talín
Eduardo Simões, 20 anos, relata que a sua experiência no programa de mobilidade ERASMUS durante a pandemia, foi semelhante à de Maria Sampaio. O jovem, natural de Viseu e estudante de Design de interiores na Escola Superior de Artes e Design (ESAD), em Matosinhos, no distrito do Porto, ingressou nesta aventura no dia 12 de Agosto de 2020, tornando-se aluno na Estonian Academy of Arts (EKA), na capital da Estónia, Talín.
A lista de locais escolhidos por estudantes portugueses para estudar é extensa, mas há países que, ano após ano, aparecem regularmente entre os mais escolhidos, nomeadamente, Espanha ou Itália. A Estónia revela-se uma opção menos óbvia enquadrando-se em 28.º no ranking geral de países escolhidos pelos portugueses. O próprio estudante admitiu que este local não era a sua primeira opção, mas que não perdeu a motivação e foi em “busca de tentar compreender um pouco melhor o design escandinavo”.
Em 2020, a tabela inverteu-se. O país mais escolhido foi a Polónia, deixando para trás Espanha, em segundo lugar, e Itália, na quinta posição. Estes foram dois dos países mais afetados pela pandemia, ambos com uma primeira vaga estrondosa e sistemas nacionais de saúde que colapsaram com o alto número de internamentos. Países que, à semelhança da Estónia, antes do vírus, não estariam entre as primeiras opções dos estudantes ascenderam na preferência.
Na altura em que o estudante de design começou a organizar a sua partida, a situação pandémica ainda estava numa fase embrionária. “Quando se começou a falar mais sobre o vírus, já tinha tudo tratado, estava apenas à espera de receber o e-mail a confirmar que tinha sido aceite”. Acrescenta que “houve preocupação da minha parte em saber como tudo se iria desenrolar, mas a faculdade onde estou aqui na Estónia não colocou muitos entraves à aceitação de alunos internacionais”.
Apesar de o estado de emergência na Estónia ter sido implementado a 17 de maio de 2020, o estudante refere que embarcou nesta aventura por considerar que seria uma grande oportunidade para si, quer a nível académico ou pessoal. Quando chegou ao seu destino, admitiu sentir “que tinha viajado para outra dimensão”, ao contrário do que já acontecia em Portugal, os estabelecimentos ainda se mantinham abertos e o confinamento não era obrigatório. Refere ainda que, numa fase inicial, todos andavam sem máscara e tinham livre acesso a espaços fechados.
As medidas implementadas pela Estónia não se centraram no encerramento dos serviços não essenciais. Apesar de também encerrarem estabelecimentos de ensino e banirem ajuntamentos em eventos desportivos e culturais, procederam também ao controlo das fronteiras com verificações do estado de saúde dos passageiros. Tudo isto sem nunca implementar a obrigatoriedade de usar máscara: está assegurado na constituição estónia que não se pode obrigar nenhum cidadão a nada, ou seja, o governo apenas aconselha o uso.
Pessoalmente, Eduardo afirma que “nenhuma das medidas tomadas” até então afetaram a sua rotina. Refere que apenas as limitações à vida noturna, como a proibição de consumo de álcool a partir da meia-noite e, agora, nesta fase mais avançada, o fecho obrigatório dos restaurantes e bares às 22h, se tornam obstáculos à experiência que pretendia obter com os convívios festivos que ocorriam em tempos não atípicos, devido à COVID- 19.
O jovem estudante considera esta experiência extremamente benéfica: “Vimos para um país diferente, uma cultura diferente, um método de ensino diferente. Isso, só por si, acho que melhora um pouco a nossa capacidade de adaptação” refere. Aconselha ainda todos os estudantes a “não colocarem muitos obstáculos neste processo, tentem procurar um sítio que gostem pela faculdade, o país é só um acréscimo”.
A importância de ser Erasmus
O programa, para além de promover uma experiência de ensino diferente a todos que se inscrevem, é também uma forte contribuição para a Estratégia Europa 2020 que tem como principais áreas de intervenção o aumento das oportunidades de emprego, a equidade e a inclusão social dos habitantes do espaço europeu. Para além disso, impulsiona ainda o objetivo da Estratégia da União Europeia, face à juventude, e que passa pela promoção da internacionalização, pelo incentivo ao conhecimento e o aumento da empregabilidade.
O facto de jovens de diferentes países europeus estudarem em universidades da rede ERASMUS promove encontros e sinergias únicas que ajudam a fortalecer os laços e o espírito europeu. Os encontros reforçam a criação de redes de contacto, ao mesmo tempo que se promove a tolerância cultural e a partilha de experiências. Todo este convívio torna-se mais complexo em contexto pandémico, uma vez que os contactos são dificultados e os encontros limitados. Nesse contexto, temas como a ansiedade, depressão e stress de jovens estudantes tem estado em cima da mesa como um cenário amplificado. Para isso, contribuíram quer o confinamento obrigatório, quer o isolamento profilático.
Renata Andrade: um regresso inesperado
Renata Andrade tem 21 anos e é licenciada em Ciências da Comunicação na ULP (Universidade Lusófona do Porto) e não esconde o quão “dura” foi a curta experiência de fazer ERASMUS fora do seu lugar conforto. O contexto pandémico trouxe dificuldades acrescidas e inesperadas. Foi ao completar a sua dupla licenciatura em marketing que decidiu vivenciar a experiência ERASMUS, escolhendo a capital da Eslovénia, para estudar na Universidade de Liubliana, na Faculdade de Ciências Sociais. Para esta estudante de marketing, a experiência não durou muito tempo.
Esteve cerca de um mês e meio na Eslovénia e confessa que “não correspondeu de todo à expectativa”. O coronavírus tornou-se um entrave, privando a jovem do convívio com outros estudantes de ERASMUS e, até mesmo, com cidadãos, algo que poderia tornar a viagem, 100% autêntica, por estar a absorver a cultura e conhecer o espírito do país. Ao invés, a jovem ficou retida no quarto durante a maior parte da viagem.
Além disso, durante o mês que durou a sua estadia em Liubliana, esteve sob o recolher obrigatório imposto e não teve nenhuma aula presencial. Revelou ter sido “complicado” habituar-se a este método de ensino à distância pois, “por muito que uma pessoa perceba inglês, estar a assistir a um professor numa sala a dar aulas a outras pessoas, com máscara e em inglês é muito complicado”, reflete apontando este como um dos motivos que também impulsionou o seu regresso.
A somar, o cenário piorou quando as expectativas da estudante de que o ensino seria menos exigente do que em Portugal caíram por terra. “Na semana de apresentação das cadeiras já estavam a dizer que na semana seguinte teria de entregar um trabalho de dois mil caracteres e que todas as semanas ia ser assim, para todas as cadeiras”, conta.
A estudante considera, que como a situação em que vivemos é bastante “imprevisível” e que, apesar de tudo, não alteraria a sua escolha, “dizer que escolheria outro país devido à pandemia é um bocado relativo, porque nunca se sabe, por todo o mundo estão a ser implementadas medidas restritivas por causa da pandemia”.
Segundo dados lançados pelo Parlamento Europeu, mais de 165 mil jovens por toda a Europa viram os seus programas ERASMUS afetados pela pandemia. Deste número, cerca de 41 mil acabaram mesmo por não conseguir embarcar na experiência devido aos projetos de mobilidade serem cancelados. Ainda assim, a UE afirma estar a mobilizar os meias necessários para conseguir apoiar os estudantes que, de uma forma ou outra, estão a passar por complicações durante o processo de intercâmbio.
Salienta que não aconselha a realização desta experiência, por exemplo, no próximo semestre, já que existe a possibilidade de ter de retornar ao país natal ou até de confinar, ocasionando uma vivência mais pobre da mesma, tal como se sucedeu com ela. “A experiência teria sido incrível se não fosse a pandemia, o vírus foi o motivo de eu regressar a Portugal, caso contrário, não teria voltado tão cedo”, remata.