Para além do consumo: A realidade dos pequenos impérios de prata
- Vicente Oliveira Ribeiro
- 20/01/2023
- #Social Atualidade
Na vida de muitos utilizadores de droga, o primeiro contacto com as substâncias deu-se ainda em idade jovem. Passado décadas, a informação e as respostas de apoio multiplicam-se, mas os velhos problemas perduram. Paulo e Rui contam-nos a sua história.
Abre-se o portão das traseiras do “covil”. Para quem entra pela primeira vez, é difícil associar o pequeno anexo do edifício antigo e discreto a uma “cova de feras” ou um “lugar onde se acolhem malfeitores”, tal como alega o seu apelido. Afinal, este pequeno espaço, localizado na freguesia de Moreira, na Maia, serve uma função completamente diferente.
É aqui que, semanalmente, os voluntários da Associação de Intervenção Comunitária Trata-me por Tu preparam a sua atividade principal. Nas “rondas” ou “giros de rua”, os voluntários distribuem comida e roupa, desde as ruas de Ramalde, até aos bairros da Pasteleira e do Aleixo, na cidade do Porto. A intervenção desta associação surge direcionada a pessoas inseridas em situações de vulnerabilidade, incidindo principalmente nas pessoas em situação de sem abrigo e pessoas que utilizam de drogas e outras substâncias.
Mas a preparação da ronda começa horas antes da saída da carrinha. São centenas de sandes e bolos a contar, separar e dividir, juntamente com os sumos, fruta e iogurtes que constituem os cerca de 110 sacos de comida – ou kits – disponibilizados por ronda. Ao mesmo tempo, os voluntários aquecem o café e o leite achocolatado, distribuem a sopa em dezenas de tigelas descartáveis e enchem os garrafões com água e sumo. A roupa também é separada e selecionada: camisolas, casacos, calças e calçado de todos os tamanhos, reservados por pedido.
Todo este esforço, revela Julieta Teixeira, só é possível graças a vários donativos, de pessoas ou instituições. “A verdade é que há muitas associações sem fins lucrativos que só sobrevivem de doações ou ajudas próprias”, afirma a voluntária da associação. “Se não fosse por estas associações pequenas, como a nossa, eles não iriam ter nada”.
Pouco a pouco, a mala da Renault Kangoo vai-se enchendo com vários sacos e caixas amontoadas até ao último espaço disponível. Momentos antes da hora de saída, os voluntários vestem os seus coletes refletores e fazem-se à estrada. Do mesmo modo que levam o símbolo da associação nas costas, carregam consigo uma grande responsabilidade.
“Limparam tudo”
Ao chegar a Ramalde, chegam notícias em primeira mão. “Limparam tudo. A polícia está a limpar tudo”, afirma um dos utentes, ainda a aproximar-se da carrinha. Visivelmente irritado, garante que não foi previamente notificado, e por isso, ficou sem os seus pertences. As “operações de limpeza” levadas a cabo pela autoridade e a autarquia não são uma novidade para estas pessoas. Agora, acabam de ver os seus bens confiscados, entre os quais o seu próprio abrigo, roupa e cobertores, em pleno inverno.
Distribuem-se os kits, as sopas e os cafés. A primeira paragem, em Ramalde, é relativamente calma quando comparada com as restantes. A familiaridade e confiança entre os voluntários e os utentes cria oportunidade para alguma conversa. Para Cláudia Ribeiro, esta “relação terapêutica de proximidade” demonstra-se como um instrumento valioso na ação de intervenção social.
“Estas pessoas estão massacradas com a questão da discriminação, afastamento e isolamento social”, explica a presidente da associação, “e é neste tipo de grupos que estas pessoas encontram alguém com quem podem conversar fora do contexto habitual do consumo e da rua”.
A conversa chega ao fim e os voluntários dirigem-se ao seu próximo destino. Um pouco adiante, algures na freguesia de São Nicolau, encontro-me com Paulo – nome fictício – e sentamo-nos na berma da estrada. Mesmo à nossa frente, ergue-se um imponente edifício de cinco andares, já atrás de nós, emerge a ponte que serve de abrigo para Paulo e outras pessoas. A nossa conversa desenrola-se sobre a nuvem de fumo do seu cigarro, que segura com as suas mãos manchadas.
“Tudo começou quando a minha mãe começou a vender droga”
Paulo sempre viveu naquele que descreve como um “ambiente desconfortável”. Natural do Porto, cresceu na Rua Escura, em Miragaia, numa “zona de droga”. Desde cedo que viu o tráfico acontecer dentro de portas da sua própria casa, praticado pela sua própria mãe, “uma das principais traficantes da rua escura do Porto”. Para Paulo, foi ali que tudo começou.
Quando tinha 12 anos, Paulo foi violado e molestado. Ao apontar para a sua cicatriz na barriga, conta como essa experiência traumática fez com que abandonasse a sua “ideia de deus” e fizesse “um pacto com o diabo”. Passou grande parte da sua adolescência em colégios internos e voltou para casa aos 17 anos, idade a partir da qual começou a seguir os passos da mãe no tráfico da droga, um caminho que o levaria a cumprir, no total, 18 anos de prisão, por vários crimes.
Paulo recorda que o seu primeiro contacto com a droga aconteceu através de uma brincadeira. Ao deparar-se com sete traficantes da sua idade “a dar passas na prata [utilizada para fumar cocaína]” dentro da sua própria casa, viu-se encostado à parede com uma faca. “Vais ter que dar umas passas também”, ordenaram os jovens traficantes, e Paulo assim cumpriu. “Foi a minha morte, gostei”, assume. “Na altura, pensava que tinha que fumar para estar integrado num grupo”.
Até hoje, Paulo nunca deixou definitivamente de consumir, mesmo apesar de ter “largado a droga” várias vezes “a frio”, sem qualquer recurso a medicação no processo de desintoxicação. “Eu fumo droga porque gosto. A sensação é inexplicável, é como estar nas nuvens”. Para Paulo, a droga não só representa “um pequeno pormenor” da sua vida, como simultaneamente uma oportunidade para “socializar e conviver” com os seus amigos.
Mas a vida da não deixa de ser “uma luta” para todos aqueles que vivem na rua. Apesar de já se ter afastado do consumo várias vezes, Paulo explica que a vida longe das drogas torna-se facilmente insustentável: “Na droga arranjo dinheiro facilmente. Basta ir ao bairro: vendo pratas, kits, canecos, arranjo logo dinheiro. Se eu estiver fora da droga, nada disto acontecia, não conseguia arranjar dinheiro, não conseguia arranjar uma vida, não conseguia nada”.
Contudo, apesar da sensação inexplicável do consumo, não esconde o seu arrependimento: “Sempre me arrependo do vício, apesar de gostar de droga arrependo-me, não vale a pena”.
Mas a droga não impede Paulo de viver com alguma dignidade. “Hoje vivo numa tenda, na rua, mas aqui sou feliz”, considera. “O facto de andar na droga não quer dizer que eu seja um porco, isso não tem nada a ver. Sou capaz de andar melhor vestido e de comer melhor do que quando andava em casa”. Se antes Paulo vivia “à base do diabo”, hoje encara a vida de uma perspetiva diferente: “Agora pratico o bem, isto é o karma: praticas o bem e recebes o bem, é como tudo na vida”.
O perfil da pessoa que utiliza drogas
Cláudia Ribeiro é enfermeira de formação. Presidente e voluntária da Trata-me por Tu, também participa no projeto “Rotas com Vida” da Norte Vida – Associação para a Promoção da Saúde. Inserida numa equipa de redução de riscos e minimização de danos, Cláudia trabalha com pessoas em situação de vulnerabilidade nas ruas da Cidade do Porto, entre as quais pessoas em situação de sem abrigo, pessoas que utilizam drogas – como a cocaína e heroína – e trabalhadoras sexuais.
“Temos muitos mais homens do que mulheres a consumir, embora reparamos que o número de mulheres tem vindo a aumentar”, entende Cláudia, que aponta para a condição de mendicidade entre a maioria das pessoas relacionadas com o consumo. Segundo a enfermeira, no “meio” do consumo, a mulher é maioritariamente trabalhadora sexual, uma vez que é nessa prática que encontram “mais facilidade para conseguir dinheiro para o consumo, ou até mesmo o consumo direto”.
Muitos dos utentes adultos da equipa de redução de riscos de Cláudia começaram o seu consumo de drogas com apenas 12 ou 13 anos. “São 20 ou até 30 anos de consumo, é muito tempo, mesmo com períodos de abstinência”, considera. As razões por detrás do consumo são várias: perda de familiares, desemprego, marginalização, problemas de saúde mental ou até a pertença a grupos onde o consumo e o tráfico eram “a prática comum”.
Cláudia também realça que existem diferentes relações de dependência ao consumo. “Há pessoas que consomem e que continuam a ter uma vida “normal”, um designado “consumo funcional”. O problema surge quando as pessoas que consomem perdem a “retaguarda social” necessária para equilibrar a sua vida.
Segundo o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), o uso problemático de droga ocorre quando “o uso da droga provoca problemas a nível da saúde física e mental, das relações familiares, escolares, problemas no emprego e possíveis problemas com a justiça”. Já a dependência ao consumo manifesta-se quando “o uso é excessivo e contínuo apesar da pessoa ter sérios problemas; encontra-se psicológica e fisicamente dependente da substância.”
“Em relação ao consumo abusivo, muitos deles consomem por via endovenosa”, diretamente na veia do utilizador, explica a enfermeira. Ao longo dos anos, os efeitos pejorativos das drogas no corpo manifestam-se progressivamente: “A dificuldade de encontrarem veias para picar aumenta, os acessos vão diminuindo qualidade e a ansiedade de estar a ressacar e ter que consumir também dificulta o próprio ato de consumo”.
É por essa razão que Cláudia considera as repostas de apoio ao consumo como a sala de consumo assistido tão importantes, ao assegurarem um “sítio protegido, com material limpo, a tranquilidade que precisam e o material necessário para um consumo seguro.”
“A zona mais policiada da cidade”
No Bairro da Pasteleira, os ânimos são notavelmente diferentes. Logo à chegada, uma fila começa a formar-se enquanto os voluntários instalam-se no local. Apesar de algumas insistências, as indicações são claras, só pode ser entregue um kit por pessoa. Ultimamente, a inquietação e a fome têm sido maiores, notam os voluntários. As consequências do aumento do custo de vida não se manifestam somente na casa dos portugueses, mas também nas ruas, também aqui.
Dezenas de utentes aguardam pela sua refeição e por mais alguma coisa que possam levar, quer seja para si, para a família ou até para os seus companheiros. Alguns trazem os seus próprios sacos, outros as suas garrafas de plástico. Uns pedem somente pelo seu kit ou uma bebida quente, enquanto muitos pedem por tudo aquilo a que têm direito. Os sacos de roupa e cobertores são entregues e os voluntários tomam nota dos novos pedidos a serem distribuídos na próxima ronda. Num espaço de meia hora, esvaziam-se os sacos que carregavam a centena de kits, juntamente com as cafeteiras e as duas grandes arcas térmicas, antes completas com dezenas de sopas.
O momento de ir embora chega quando há pouco mais para entregar. Alguns utentes chegam tarde demais. Sem mais comida na carrinha, resta-lhes agora aguardar por um discreto ato de generosidade daqueles que nesta noite tiveram a chance de comer, atos que, por vezes, acontecem.
Nesta noite não houve presença policial no bairro, mas isto não significa que ela não é habitual. No ano passado, foram 1700 as operações policiais executadas nos bairros de Pinheiro Torres e Pasteleira, que no total resultaram em 405 detenções e na apreensão de 40 mil doses de estupefaciente, divulgou o comissário Eduardo Silva à agência de notícias Lusa. Já este ano, no dia 6 de janeiro, uma operação policial desmantelou um “acampamento de droga” nas proximidades do bairro da Pasteleira.
Inserida no debate em relação ao problema do tráfico e do consumo droga na cidade do Porto, começa-se a sentir a pressão crescente sobre a recente sala de consumo assistido, situada nas proximidades do bairro da Pasteleira.
Segundo os dados do relatório trimestral de execução do Programa de Consumo Vigiado do Porto, a pequena sala de consumo assistido do Porto registou em média 82 consumos diários no seu primeiro trimestre. Este projeto-piloto, em fase de avaliação durante um ano, surge como uma “medida de redução de riscos” e visa essencialmente “reduzir as mortes por overdose, a incidência das doenças infeciosas e a promoção da cidadania e integração das pessoas que usam drogas na rede formal de serviços”, aponta o relatório.
Junta-se ainda ao consumo assistido os atos de enfermagem, consultas médicas, atendimentos de apoio psicológico e de apoio social, que também acontecem neste estabelecimento com apenas 90 metros quadrados.
Ao entrar na sala de consumo com Cláudia, somos calorosamente recebidos por Rui Salvador. Entusiasmado, Rui guia-nos pelos estreitos corredores da sala de consumo e as suas diferentes divisões, e explica-nos um pouco sobre a sua função no local onde todos precisam da sua ajuda.
“Eu estou aqui para reduzir os riscos, eu não estou a dizer para não consumir”
Rui Salvador tem 50 anos. Formado na área de redução de riscos, explica a sua função enquanto Par/Educador de Pares na sala de consumo assistido: uma pessoa com a experiência e contacto com o consumo de substâncias, neste caso de drogas, que estabelece a ponte entre o indivíduo que procura ajuda e os serviços de apoio. “É praticamente cuidar do outro, é isso que é um Par”, considera Rui. “Pessoalmente, não gosto de usar a palavra educador. É “um Par”, porque sem um outro eu não sou Par, preciso sempre do outro”.
Para Rui, o seu perfil e experiência passada motivaram-no a cumprir a sua função enquanto Par. “A experiência que tenho do fumo, da injeção e a vivência de 10 anos que vivi na rua permitiu-me compreender a vida destas pessoas que continuam em condição de sem abrigo.”
O primeiro contacto que Rui teve com a droga ocorreu quando tinha 18 anos, ao experienciar haxixe. “Sinceramente, os efeitos no momento não foram grande coisa, foi mais a questão de poder dizer: Eu fumei droga”. Pouco tempo depois, Rui começou os seus primeiros consumos de heroína durante a “fase mais problemática” da droga em Portugal, no final dos anos oitenta. “Não havia informação absolutamente nenhuma entre os consumidores naquela época”, recorda-se Rui, ao estabelecer uma comparação entre o desconhecimento sobre as drogas na altura com o vírus da imunodeficiência humana (VIH).
“Passou-se um ano, e depois dos consumos de heroína, fui apresentado á cocaína”. Rui afirma que “via tudo como uma brincadeira”. Enquanto consumidor, lembra-se que desejava a combinação das duas drogas: “uma sem a outra não me dava o prazer que eu queria”.
O consumo de Rui abriu-lhe as oportunidades do tráfico de droga. “O tráfico favoreceu-me. Permitiu, por exemplo que não tivesse necessidade de andar a roubar ou a pedir”. Apesar de Rui admitir que foi o tráfico que facilitou o seu consumo durante 20 anos, acredita que foi essa mesma facilidade que o fez chegar ao ponto de não ter mais saúde para consumir: “É muito doloroso quando não tens mais vias de consumo e exterminas o teu corpo, perdes muito da tua autonomia, perdes a tua dignidade”.
“Foi ai que terminei os meus consumos, fartei-me mesmo de droga”. Enquanto Par, Rui consegue lidar naturalmente com a drogas quando assiste diretamente o consumo, mas não esconde a sua tristeza ao lidar com as recaídas dos seus utentes. “Eu estou aqui para reduzir os riscos, eu não estou a dizer para não consumir”, afirma Rui, mas entende aquilo que a entrada de novos utentes e uma consequente recaída significa.
Rui explica que “sempre que há uma recaída, a primeira vontade é o suicídio”, mas agora reconhece que as recaídas são importantes, nomeadamente o seu período de reflexão, no qual o consumidor “coloca nas suas mãos a decisão de querer viver ou não”.
Refletindo agora sobre o seu passado, Rui conta que teve muita sorte ao longo da sua vida e admite inclusivamente que gostou da sua vida na droga. “Fui consumidor durante 20 anos, consumi de todas as maneiras, não apanhei nenhuma doença e sempre tive a vida que quis. Eu só tenho a agradecer”.
“Temos que falar das substâncias”
Os casos de overdoses por consumo de drogas têm aumentado significativamente em Portugal. Segundo o Relatório Anual sobre a Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependências, elaborado pelo SICAD, no ano de 2021 as overdoses atingiram os valores mais altos dos últimos 12 anos: foi registado um amento de 45% em comparação com o ano atípico de 2020, impactado pela pandemia de COVID-19.
Já o estudo da Comissão Europeia “Flash Eurobarometer – Impact of drugs on communities”, publicado em fevereiro de 2022, calcula que cerca de três quartos dos portugueses encaram a presença da droga na sua comunidade com um problema. A facilidade de acesso a substâncias ilícitas, o consumo em lugares públicos – nomeadamente de canábis – juntamente com a pobreza e o desemprego associados ao consumo são alguns dos problemas identificados pelo estudo europeu no território português.
Apesar de Portugal ter feiro um “caminho espetacular” na sua política de descriminalização do consumo, Cláudia acredita que ainda é preciso que a sociedade esteja disposta a discutir abertamente o “tema tabu” do consumo de drogas e outras substâncias: “Temos que falar das substâncias, dos riscos, como é que podemos prevenir, quais são os fatores que promovem o refúgio no consumo de uma substância”, nomeia a enfermeira, “é preciso falar-se sobre estes assuntos, mas não se fala”.
A “sensibilização e desmistificação do consumo” é um dos temas mais importantes para Cláudia. O trabalho das instituições onde exerce funções – como é o caso da Trata-me Por Tu – nem sempre é aceite e apoiado pela comunidade local onde atua, mas clarifica que o seu grande objetivo passa por “tentar reduzir os danos, quer para a pessoa que consome, quer para população onde os consumidores estão inseridos”.
Sendo que muitos hábitos de consumo abusivo desenvolvem-se na ainda na adolescência, entende que é preciso consciencializar os mais jovens sobre a realidade do consumo. “Porque não levar pessoas que têm historial de consumo de substâncias a irem falar aos mais jovens, e falar sem paninhos quentes e sem flores?”.
Quando dizem que as pessoas estão nas rua “porque querem”, isso não é verdade, garante Cláudia. “Ninguém está na rua porque quer, ninguém toma banhos de chuva ou passa dias sem comer por escolha”, explica a enfermeira, que destaca as dificuldades sentidas por aqueles que desejam sair da rua: “O ato de sair é muito complexo. Na rua criam-se dinâmicas e objetivos diferentes completamente diferentes”, que por vezes podem ser incompatíveis com as “soluções de acolhimento” existentes.
Para a enfermeira, é necessário um maior investimento na área da intervenção social: respostas intermédias, trabalho em rede, respostas de acolhimento mais flexíveis, uma maior resposta na área da saúde mental e a criação de comunidades abertas. A “formação e sensibilização das forças policiais” para “lidar com o consumo de uma forma mais digna e adequada” também é encarada como uma prioridade, “porque as forças de autoridade são um aliado de peso para lidar com esta situação, que não vai acabar”.
A abordagem correta passa por “fazê-los perceber que são pessoas com direitos, e que ninguém tem o direito de lhes dizer que não conseguem o que quer que seja”. A mensagem que a enfermeira pretende transmitir aos seus utentes diariamente é clara: “Vocês não podem permitir que ninguém vos diga que vocês não são dignos, que não são capazes ou que não vão conseguir, porque isso depende de vocês”.
Nota de autor: Sou voluntário na Trata-me por Tu desde 2020. Realizei este trabalho consciente enquanto jornalista, mas o distanciamento das pessoas e da sua condição não foram sempre possíveis no decorrer desta peça. Contudo, foi essencialmente através da relação de proximidade que guardo com as fontes da reportagem que foi possível assumir um acordo de confiança para contar para a sua história.