Parasurfing: Um mar de oportunidades e ondas que mudam vidas

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Parasurfing: Um mar de oportunidades e ondas que mudam vidas

[Texto de Guilherme Caroço]

O surf adaptado, ou parasurfing é um desporto com cada vez mais adeptos e procura. A iniciativa de alguns entusiastas em levar pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida a praticar este desporto tem sido um enorme aliado, proporcionando maiores oportunidades.

Os benefícios da prática do surf adaptado, ou parasurfing, segundo a nova terminologia, são de diferentes tipos: psicológicos, físicos e sociais. O #infomedia apurou todas estas dimensões benéficas através do depoimento dos entrevistados. Das competências físicas, como a  exploração dos limites articulares e o controlo dos movimentos, são duas dificuldades que são retrabalhadas dentro e fora de água. Já as competências psicológicas e sociais são o domínio dos gestos que conduz à autoconfiança, a diminuição de pontos de ansiedade e stress, e ainda, o aumento da comunicação, que, por sua vez, melhora a autonomia e integração social. A prática desportiva regular, assegura conquistas pessoais e promove uma maior autovalorização, possibilita o equilíbrio da personalidade e um desenvolvimento do carácter.

Depois, as barreiras e limitações físico-mentais não são elementos que impossibilitam a prática de parasurfing, indica Sara Malhoa, psicóloga desportiva nas Unidades de Apoio ao Alto Rendimento (UAARE), uma entidade do Ministério da Educação.  “Conseguem superar-se, ir mais além e singrar no desporto, na modalidade que gostam. Devidamente adaptados conseguem ter o máximo sucesso”, explica. 

Para Tomás Freitas, a experiência de vivenciar o mar e a natureza são alicerces fundamentais para o seu equilíbrio. “O surf deu-me aquele apoio psicológico para passar certas dificuldades e ajudou-me bastante, acabei por ganhar o gosto, ganhei o “bichinho” pelo surf”, confessa o atleta de alto rendimento de parasurfing no Surf Clube de Viana

O surf adaptado permite que os praticantes reforcem a autoconfiança. “Quando não estava no surf eu era pior, era uma pessoa muito introvertida, mas o surf deu-me outro lado”, adianta Tomás. 

O surf adaptado nasceu para dar autoestima, oferecer novos caminhos às pessoas.”

– Manuel Rui Silva


A “boa onda” que o surf transmite aos seus praticantes rapidamente transfigura-se para outras ações da vida rotineira, os problemas tornam-se relativos e quase nada parece uma dor de cabeça. “Eu quando venho da água sinto-me muito mais relaxado, consigo relativizar muito mais os problemas, existem limites, mas os limites ficam maiores, é um desporto em que se aprende a ter paciência e levamos essa paciência para outras áreas da nossa vida”, admite Hugo Madruga, atleta de parasurfing no Surf Clube de Viana e professor de educação física em Monção.

O conceito de surf terapia- terapia através do contacto com o mar e a natureza- trabalha vários níveis da personalidade dos indivíduos que praticam surf adaptado, onde é trabalhada a responsabilidade, os níveis de concentração, o respeito pelo outro e a perceção das dificuldades dos companheiros. Cada um surfa à sua maneira e todos têm o seu espaço. Para os mais jovens, existe uma dimensão maior que é a educação através do mar. “Uma componente que tento sempre levar para as aulas de parasurfing é a educação através do mar, relacionar com outras disciplinas que os mais jovens têm na escola, de relacionar as ondas com a física, a nossa costa litoral com a geografia, o oceano, as marés e as luas”, enumera Manuel Rui Silva, professor de educação física e coordenador do projeto de parasurfing no desporto escolar na Escola Secundária Inês de Castro.

“A noção de superação é incrível.”

– Sara Malhoa

Inclusão Social: Surf de todos e para todos

A essência desportiva é vista como uma ferramenta de socialização, um local de interações entre vários indivíduos com o objetivo de integração social. Através do desporto adaptado, os praticantes exploram os seus limites e capacidades, extrapolando as barreiras impostas, muitas das vezes, pela sociedade. “O desporto adaptado pode ter esse fator de inclusão, agarra pessoas que à partida tem limitações, mas são também exemplo para as pessoas que não possuem limitações aparentes”, refere Hugo Madruga. Na praia, os olhares de quem vê à distância esta prática adaptada mudam constantemente, pois à primeira vista existe um: “olhar diferente e discriminatório”, adianta Hugo. Mas, após verem as capacidades e as potencialidades dos atletas de parasurfing: “o olhar vai sendo desmontado.”, sublinha.

Ao surfar, os atletas sentem-se mais respeitados, partilham valores e aprendem com o mar a inclusão na comunidade surfista local e, apesar de não se conhecerem pessoalmente, cumprimentam-se e sabem quem são. 

Atualmente, a sociedade está mais voltada para a “equidade”, focada em  fornecer a cada pessoa o que “necessitam para atingir determinado patamar”, constata Sara Malhoa. As modalidades desportivas têm adaptado os moldes e estão disponíveis para que os praticantes se sintam mais integrados, visto que estão sensibilizadas para se adaptar de acordo com a limitação dos participantes. “A sociedade está mais predisposta a aceitar, a colaborar e participar com pessoas que possuem alguma dificuldade, conseguimos perceber que todos possuem uma dificuldade, todos nós temos um défice”, acrescenta Sara Malhoa. 

“Sinto que sou mais respeitado na praia ao surfar.”

– Hugo Madruga – 

Foto cedida pelo entrevistado, Hugo Madruga

Há sobretudo uma “onda” de inclusão e as novas gerações estão sensibilizadas para rejeitarem estigmas nas limitações dos colegas. Além disso, as escolas têm  um papel fundamental na construção da inclusão. O Comité Paralímpico de Portugal, juntamente com algumas escolas públicas, criou um projeto chamado “I´m Possible”. O projeto sensibiliza a adaptação de atividades desportivas e educativas para alunos com limitações, com a participação de alunos regulares. “Realizamos jogos de futebol para alunos cegos, e os alunos que conseguem ver, colocamos-lhes uma venda e experienciam na pele como é que os colegas carentes de visão se sentem”, relembra Sara Malhoa. 

Mas existe um longo caminho a percorrer, apesar dos projetos que visam a integração da população mais jovem. Após o ensino secundário, são muito poucos os estudantes com mobilidade reduzida, ou com deficiência, que conseguem frequentar o ensino superior, e aqueles que o conseguem fazer, não têm grandes oportunidades no mercado de trabalho, pois “não existem projetos que os tornem autossustentáveis”, refere Manuel Rui Silva.

Dados estatísticos: Pessoas com incapacidade(s) em Portugal

De acordo com os últimos dados disponíveis, com base nos Censos de 2011, em Portugal existem cerca de 1.792.719 milhões de pessoas com pelo menos uma limitação. Entre estas limitações, está a visão, audição, memória, andar, tomar banho, vestir-se sozinho, compreender os outros ou fazer-se compreender. Existem mais de 920 mil pessoas que possuem dificuldade em ver, 533 mil pessoas com dificuldades em ouvir, 980 mil pessoas com dificuldade em andar, 655 mil pessoas com dificuldade em memorizar, 471 mil pessoas que não conseguem tomar banho ou vestir-se e 399 mil pessoas que não conseguem compreender os outros ou fazer-se compreender.

Dados quantitativos com base nos Censos 2011
Fonte: INE (Censos 2011)

O surf e o desporto adaptado em Portugal

A Associação Portuguesa de Surf Adaptado, ou SURFaddict, foi fundada em 2012, tendo sido criada num projeto anterior chamado Estado Líquido em 2009. A equipa da associação tem o objetivo de tornar o surf numa modalidade desportiva para todos que nenhuma limitação ou impedimento possa afastar as pessoas de sentirem as ondas. A “onda” de inclusão deste projeto pretende afastar os estigmas, tornar menos percetível a barreira da exclusão e proporcionar uma boa saúde física e mental aos seus atletas. 

Logotipo da Associação Portuguesa de Surf Adaptado

Este género de iniciativas tem vindo a aumentar em Portugal. A Câmara Municipal de Viana do Castelo e a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) têm igualmente um projeto denominado “Desportos Náuticos para Todos”, em vigor desde 2013, que incentiva a prática de natação, vela, surf, remo e canoagem para pessoas com deficiência, incapacidade ou necessidades educativas especiais. Mesmo o desporto escolar nas escolas públicas têm iniciativas que visam cada vez mais a prática desportiva adaptada.

“O investimento do estado no desporto adaptado é diminuto”

– Sara Malhoa

Apesar de os objetivos europeus subirem todos os anos no desporto adaptado, o grande “motor” destas iniciativas é o financiamento e que é escasso. “O financiamento é mínimo, os atletas precisam cada vez mais de provar pelas suas qualificações que conseguem estar ao nível de merecerem um apoio e incentivo. O facto de começarem a treinar e as coisas correrem bem não é suficiente, precisam de provar com resultados”, constata Sara Malhoa. Inclusive, o desporto escolar adaptado é feito através da “boa vontade” dos professores e dos encarregados de educação, pois não existem infraestruturas suficientes para dar resposta a toda a população. “O sonho é dar resposta, existe o problema dos transportes, não temos esse tipo de infraestruturas. Muitas das vezes são os professores com as suas carrinhas e com as autorizações dos encarregados de educação que conseguem que o projeto ande para a frente”, afirma Manuel Rui Silva. 

Com uma fatia orçamental muito reduzida os atletas do desporto adaptado de alto rendimento, para conseguirem um apoio maior, têm de obter um bom resultado nas competições. Se as coisas não correrem da melhor maneira e não ficarem no primeiro terço da tabela, ficam com a bolsa reduzida. 

 Por causa da bolsa reduzida e um orçamento escasso, os atletas ficam assoberbados por barreiras que impossibilitam a continuidade dos projetos que integram e o seu seguimento no desporto.  

Guilherme Caroço

Guilherme Caroço, 21 anos. Sou colaborador na editoria de saúde na plataforma #Infomedia.