“Os produtos bio são muitas vezes publicidade enganosa”, diz Paula Sobral

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“Os produtos bio são muitas vezes publicidade enganosa”, diz Paula Sobral

[Maria João Leal Pereira e Marta Bacelar]

Paula Sobral é fundadora e atual presidente da Associação Portuguesa do Lixo Marinho (APLM), investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e professora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Especialista em microplásticos desde 2008, aborda os problemas causados pelos componentes tóxicos em produtos cosméticos e de higiene pessoal. O lixo marinho é uma das suas principais preocupações. 

Começamos pela morfologia. Como é que os microplásticos podem ser classificados?

Os microplásticos podem ser classificados de várias maneiras. Películas, Filamentos, Espumas, Microesferas e Fibras.

Pioneira em Portugal a aperceber-se dos problemas dos microplásticos, como se deu a evolução do consumo de plástico?

A evolução do consumo de plástico surge desde meados do século XX. O plástico aparece com um material extraordinário. De facto, é. É um material com propriedades incríveis, que permite uma grande versatilidade de aplicações. Portanto, rapidamente transformou as nossas vidas. Isso tornou-se um material preferido face a muitos outros que foram sendo substituídos, em todas as aplicações, desde as coisas mais corriqueiras, no caso doméstico, e da pesca, por exemplo. Todos os materiais que existiam anteriormente ao plástico, muitos deles, pelo menos em algumas aplicações, foram sendo substituídos. Com vantagens em termos de custos, visto que é um material barato e muito durável, resistente… contrariamente a outros materiais que se usavam antigamente. Portanto, isto explica muito bem o seu uso generalizado no mundo inteiro e a procura gerou uma produção com um crescimento exponencial. Se bem que, atualmente, alguns países estão mais contidos na sua produção, as economias emergentes, nomeadamente da Ásia, são os grandes produtores mundiais de plástico da China. Não vemos a maneira de isto acabar, pelo contrário…  

Os microplásticos são o principal conteúdo da investigação de Paula Sobral, porque são mais fáceis de serem ingeridos por animais marinhos. Falando especificamente de produtos cosméticos, como é que vão parar ao mar?

Através da água das lavagens da casa de banho. Aplicamos os cosméticos, lavamos a cara e quando a lavamos, a água transporta todas as partículas existentes que são muito muito pequenas e, por isso, não são retidas nas estações de tratamento de águas residuais. Normalmente nas economias desenvolvidas, de alto rendimento, existem subsistemas de saneamento que transportam as águas residuais domésticas e industriais para as estações de tratamento de águas residuais onde elas são tratadas e, posteriormente, expelidas que vão até ao meio recetor. Normalmente são os rios ou o próprio oceano, diretamente. Essas águas já não têm uma grande quantidade de poluentes e outras substâncias que, em regra geral, existem nas águas residuais. Mas, estas partículas são tão pequenas, que não são retidas porque as estações não são desenhadas para reter partículas muito pequenas, senão ficavam entupidas. Portanto, não existe, ainda, uma maneira de remover eficientemente partículas tão pequenas. 

Assim sendo, quais as substâncias presentes em produtos cosméticos que mais poluem?

Esta é uma pergunta muito difícil de responder. Creio que ninguém o consegue fazer com grande propriedade. Isto porque, na lista de ingredientes, quando está o polietileno, nós temos a certeza. Quando não está e, por sua vez, estão outros, por exemplo, acropulino, ou seja, outros temas que não são tão vulgares, é muito difícil. Há muitas outras formas de plástico sem ser a partícula. Há o plástico líquido. Ou seja, há uma grande gama de compostos, com nomes bastante complexos, que realmente só grandes especialistas de química é que poderão, eventualmente, detetar. No entanto, existe um site – Beat de Micro Bead – que resultou de uma campanha contra as microesferas nos produtos de higiene e cuidado pessoal. Este projeto dura há alguns anos e a ideia era, precisamente, que as pessoas identificassem os ingredientes e incentivá-las, assim, a não comprar.

É, de facto, útil para compradores?

No princípio foi difícil pela variedade imensa de produtos que existe, por isso, era difícil comprimir informação de todos os produtos. Mas, hoje em dia sim. A sede é na Holanda mas claro que o projeto é Europeu, já que se estendeu a vários países. 

A Associação Portuguesa do Lixo Marinho acompanha este projeto? 

Sim, agora sim. Enviamos algumas fotografias dos produtos de forma a contribuir. Neste momento, têm no site uma lista de nomes dos ingredientes. Os nomes mais complicados. Poderão ser vistas. Se tiverem esta lista convosco quando forem ao supermercado ou a outras lojas mais dedicadas a produtos cosméticos, podem verificar se há algum daqueles ingredientes presentes no produto escolhido. Mas desde já digo que será muito difícil não encontrar nenhum destes compostos. 

Porquê? 

Como disse, uma coisa são as partículas que até algumas se vêem, embora sejam muito pequenas. Outra coisa é o tipo de material que nós não conseguimos ver, por exemplo, o plástico líquido. 

No caso da maquilhagem, mais concretamente das purpurinas, é mais fácil de identificar porque são ligeiramente maiores, brilham… portanto estas não são necessárias identificar porque são, em regra geral, artificiais. Exceto quando dizem que são minerais uma vez que normalmente são outros compostos naturais que não têm estes impactos. Portanto, existe esta distinção. 

Os produtos bio resolvem o problema?

Eu não conheço bem estes produtos. Claro que se a embalagem é em papel e não em plástico, já é um progresso. Agora, se resolve? Não. O que poderia vir resolver é a fonte, ou seja, não introduzir plásticos nos produtos. Tudo o resto são facelifts que fazem aos produtos para que eles pareçam mais ecológicos e mais enquadrados naquela que é, agora, a lógica das coisas bio. Muitas vezes, até há uma boa intenção, claro, mas não resolve. Melhora, mas continua a ser mau. Se não fizerem mais nada ao produto, estamos só a falar da embalagem…  

Aqui é de referir a publicidade enganosa. Levar o consumidor a achar que está a comprar uma coisa muito ecológica em que lê desde logo “bio”. Ok, mas na verdade não se sabe o que quer dizer. Também há muitos microplásticos. Portanto, isto representa uma confusão enorme para o consumidor. Não existe uma informação que seja fácil entender pelo consumidor que normalmente é leigo nestas matérias. 

Existem diversos problemas relacionados ao uso de substâncias tóxicas na indústria de cosméticos. A falta de fiscalização será aqui também um fator importante?

Creio que não. A indústria dos cosméticos é muito fiscalizada. A não ser que sejam produtos vindos de outros países, por exemplo, da China. Países onde não há controle de qualidade. Quando não existe este controle, estamos sujeitos a tudo. Portanto, os países que não fazem controle de qualidade sobre os seus produtos e que os exportam e, na verdade, importam sujeitam-se a que existam nesses produtos componentes tóxicos. 

Claro que é de referir que estão controladas… até um ponto. Há um ponto a partir do qual não se pode controlar. 

Qual é esse ponto?

Há muitos compostos que nunca foram ensaiados do ponto de vista da sua toxicidade. Isto acontece muito com os plásticos visto que têm muitos aditivos, que, um número conservativo, são 1000 compostos diferentes em que nesta amostra só se podem ensaiar cinco. Portanto, os outros continuam a ser usados e nós não sabemos verdadeiramente os perigos. Muitas vezes os produtos tóxicos de produtos de primeira geração, os primeiros que a indústria produziu para adicionar, são mais tóxicos do que produtos posteriores que já são mais modernos, que são produtos de segunda e terceira geração. A indústria, de certa maneira, tem interesse em que os seus produtos não sejam classificados como elevada toxicidade. Portanto, também investem nessa investigação para tentarem fazer produtos cada vez menos tóxicos.