Paulo Batista: das brincadeiras de rua a morador na Travessa de Miraflor

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Paulo Batista: das brincadeiras de rua a morador na Travessa de Miraflor

O vimaranense Paulo Batista é hoje um dos principais guardiões da Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda, onde mora, apoia no bar e, ao sábado, ajuda no lanche do grupo MK Dance. Mais do que uma coletividade circunstancial, Paulo encontrou aqui um porto de abrigo.

Paulo Batista tem 49 anos, é natural de Guimarães, e hoje mora na Travessa de Miraflor, em Campanhã. Faz parte da Associação Recreativa Os Malmequeres da Noêda onde trabalha no bar. O atual presidente da associação, Filipe Lourenço, confidencia que ele é uma ajuda fundamental na manutenção desta coletividade.

Além desse trabalho, Paulo auxilia, aos sábados de manhã, o grupo de crianças e jovens que ensaiam na sede da associação e que fazem parte do grupo de dança MK Dance, preparando-lhes o lanche. Embora goste muito desses momentos de partilha com “a canalha”, como carinhosamente os chama, por vezes custa-lhe “levantar tão cedo ao fim de semana”, graceja. Ainda assim, afirma que este compromisso o faz sentir bem e útil. 

São muitas as experiências que tem vivenciado com a associação, nomeadamente as festas de São João, as sardinhadas e os festejos das vitórias do Futebol Clube do Porto (FCP), clube de grande adesão na cidade, e que são passados em conjunto com os associados de Os Malmequeres da Noêda, coletividade fundada em julho de 1952.

Paulo afirma que Campanhã é “praticamente uma Sé do Porto” — referindo-se ao culto dos adeptos em relação ao FCP— e que, por serem quase todos portistas, “tornam-se quase uma família”. Ressalva que a pandemia interrompeu abruptamente estes momentos de convívio. 

São muitas as amizades que o trabalho no bar lhe permitiu estreitar, embora já conhecesse algumas pessoas “de vista”, por ter passado pelo Porto quando cumpriu o serviço militar. Conheceu a associação nessa altura porque, segundo conta, “era o único sítio onde podia estar até de madrugada”, quando perdia o comboio de regresso a casa. 

Desafiado a partilhar um pouco do seu percurso pessoal até residir em Campanhã, Paulo relembra a sua infância, que diz ter sido “bonita”, e de “convívio entre crianças na rua”, com brincadeiras como “jogar ao espeto, jogar ao pião, às escondidas”. Constata o quão diferente foi da realidade atual. Mais tarde, saiu de Guimarães após o fim de um relacionamento. Passou fugazmente por Aveiro, mas não se identificou com a cidade.

Em 2009, viria a fixar-se em Campanhã pelas referências que já tinha desse lugar.  Esteve “um ano e meio a viver na rua”, até a segurança social lhe atribuir um quarto por, aproximadamente, três anos, narra hesitante. Posteriormente, por motivos que Paulo desconhece, perdeu esse apoio e viu-se obrigado a regressar à rua, de onde foi resgatado pelo atual presidente da Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda, daí a gratidão que os une. 

 Trabalhou no restaurante «Adega A viela», situado na Travessa de Miraflor. O presidente Filipe convidou Paulo a trabalhar no bar e auxilia no que é necessário quotidianamente.  

Feliz, Paulo esboça um sorriso ao partilhar que os laços criados lhe permitiram refazer a vida depois de oito anos separado, pois encontrou uma namorada, com quem está há 8 anos. 

“Campanhã era muito diferente do que é agora”, comenta, nostálgico, referindo as diferenças entre a realidade dos seus tempos de tropa e a atualidade. Porém, não é necessário recuar tanto tempo para constatar a mudança. Relata que, há dez anos, “Campanhã era um lugar com vida”, tinha “espaços de diversão noturna”, o que “permitia a promoção do negócio”.

Campanhã era um lugar com vida”, tinha “espaços de diversão noturna”, o que “permitia a promoção do negócio”.

Por outro lado, admite que existiam muitas “confusões” derivadas dessa dinâmica noturna. Atualmente, Paulo considera que Campanhã é um “dormitório” e que a partir das 21:30 deixa de haver movimento nas ruas. “Campanhã está um pouco esquecida” porque as pessoas adquiriram outros hábitos, constata. 

“Campanhã está um pouco esquecida”

Num constante cruzamento entre passado e presente, no desfiar da conversa, recua ainda mais, remontando aos tempos de tropa e aos relatos que hoje ouve. “Antigamente a associação tinha mais sócios e atividades como teatro, folclore, dança e equipas de bilhar”, afirma, o que promovia o convívio intergeracional, em que os avós levavam os netos para a associação.

Assim, promovia-se um sentido de pertença que se tem desvanecido com o tempo, reconhece. Apesar disso, sabe o esforço que a atual direção tem feito para manter a associação ativa e o espírito corporativo. 

Para ele esta associação “faz bem à comunidade”, mas defende que deveria ser mais valorizada.

“De vez em quando fazemos uma tachada de feijoada e distribuirmos por quem precisa”, diz ter sugerido em conversa com o presidente da associação.  Por outro lado, afirma que tal só será possível se existir maior envolvimento e compreensão entre a associação e os moradores, por exemplo em ocasiões de eventos noturnos como a karaoke, em que é inevitável o ruído.

 Assinala, também, a relevância de espaços como o Mira para a dinamização do lugar. Os eventos promovidos pelo Espaço Mira são chamariz de pessoas para Campanhã, refere. Conclui, recordando a importância da participação de todos os moradores em atividades promovidas pela associação e pelo Espaço Mira. 

*Este artigo faz parte da série “Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda”.