Portugal: “a estrutura física não está adaptada para pessoas com deficiência”

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Portugal: “a estrutura física não está adaptada para pessoas com deficiência”

[Por Catarina Preda e Inês Conde]

Uma em cada dez são pessoas com deficiência (PCD), fazendo delas uma minoria. Apesar de serem protegidas por guias sobre os seus direitos nem sempre os mesmos são colocados em prática, contribuindo para um mundo desigual.

Em Portugal utiliza-se a expressão “PCD” para falar sobre uma pessoa com deficiência, já há países a integrar uma nova expressão —Diversidade funcional— um termo que engloba um maior grupo de pessoas e que não acarreta a conotação negativa que a palavra “deficiente” ganhou durante os anos. Contudo Portugal ainda não adotou a expressão, estando ainda numa fase de transição.

Ser cadeirante em Portugal

Ser cadeirante ou uma pessoa utilizador de cadeira de rodas é, para a maioria da população visto como algo inferior, que deve ser olhado com pena e ainda que deve definir estas pessoas, invalidando-as de poderem ser parte do “normal”.

Um estudo da Universidade do Minho mostra que o norte litoral de Portugal apresenta mais condições de acessibilidade. Contudo esta acessibilidade pode não estar a ser aplicada da melhor forma. Quantas vezes nos deparamos com elevadores mal posicionados? Que estão à distância de 5 degraus ou que estão fora de serviço durante anos? Existem os meios e são aplicados, falta haver mais rigor com a forma como são posicionados e se de facto servem a função que deviam, sem excluir nenhum elemento da sociedade.

Manuela Oliveira explica que o conceito de “normal” provém de uma sociedade capacitista, que é “a discriminação para pessoas com deficiência”.

Manuela Oliveira
Foto cedida pela entrevistada

Com isto os acessos são limitados, “a estrutura física não está adaptada para pessoas com deficiência, independentemente de serem utilizadores de cadeira de rodas ou simplesmente, terem dificuldades a moverem-se. Não são dadas a estas pessoas a mesma credibilidade, as mesmas oportunidades e os mesmos direitos.”. 

A arquiteta completou a licenciatura pela Universidade do Minho e, aos 26 anos, acredita ser possível alterar conceitos e reprogramar mentalidades de forma a criar possibilidades.Viu a sua vida alterada aos 2 anos de idade, após um acidente de viação, mas afirma que “a única coisa que eu não faço é andar, de resto eu faço tudo!”

Uma pessoa com deficiência (PCD) é indicada como alguém com dificuldades a longo prazo ao nível físico, mental, intelectual ou sensorial. Por outro lado, uma pessoa com mobilidade reduzida (PMR) é aquela que têm dificuldades de movimentação, podendo ser definitiva ou temporária. É também de evidenciar que uma PMR pode não ter dificuldade de locomoção como por exemplo os lactantes, idosos ou crianças de colo.

Um dos maiores obstáculos para Manuela é a exclusão da sua independência, especialmente quando lhe são fornecidos os meios mas por outro lado, a chegada a estes é difícil, como por exemplo, a “simples” ação de aceder a um elevador. Ele está lá de forma a auxiliar PCD e PMR mas fechado ou trancado torna-o ineficaz, entrando aqui a diferença entre ser acessível e ser inclusivo. 

Segundo o Observatório de Deficiência e Direitos Humanos, em 2018  pessoas com deficiência grave enfrentavam maior risco de pobreza ou de exclusão social (32,8% vs. 34,7%), em Portugal e na maioria dos outros países da União Europeia.

População residente em Portugal com deficiência
Fonte: INE/PORDATA

Catarina Oliveira ou @especierarasobrerodas no Instagram, tem 32 anos e é licenciada em Ciências da Nutrição e Alimentação, pela Universidade do Porto.

Catarina Oliveira
Foto cedida pela entrevistada.

Tem experiência em diferentes áreas, como a hotelaria, promoção de eventos, Dj e é também embaixadora da Associação Salvador.

Mas é no Instagram onde “muda mentalidades” diariamente. A sua biografia fala por si quando explica que “por cada vez que pensares que o meu maior desejo é voltar a andar, constrói uma rampa. Agradeço”

Partilha ainda aspetos que deveriam ser mudados na sociedade, de forma a fomentar a inclusão e desconstruir o capacitismo.

Há 5 anos atrás a nutricionista teve uma infeção na medula, a qual se chama mielite transversa, “portanto desloco-me de cadeira de rodas, sou hoje em dia uma pessoa com deficiência motora. Foi uma adaptação diferente, durante 27 anos andei e agora à 5 que não ando, mas já consigo ter uma vida ativa e independente.”

A independência é um aspeto que todos os PCD merecem ter, contudo as condições físicas do nosso país excluem estes membros da sociedade. Não só pela cobertura mediática que este assunto tem, como também ao acesso a locais públicos, condições das estradas entre muitos outros aspetos.

“A nível pessoal, como utilizadora de cadeira de rodas manual, porque as cadeiras de rodas elétricas enfrentam mais obstáculos, por serem mais pesadas, eu consigo ter ajuda a aceder a mais locais.” Explica a jovem, mas mesmo assim ainda há:

Para além disto existe ainda o aspeto como as pessoas normalmente abordam os PCD no dia-a-dia, que “muitas vezes têm a mania de me infantilizar, de me oferecerem ajuda, sendo que muitas vezes eu não preciso, contudo impõem-na” como se Catarina e as pessoas com deficiência não pudessem recusar, “e isso é discriminação”. A jovem deixa ainda o exemplo prático de:

 “se eu estivesse de pé cheia de sacos de compras e me oferecessem ajuda e eu recusava, a pessoa não me ia obrigar a aceitar a ajuda. Mas só por estar numa cadeira de rodas forçam-me a aceitar essa ajuda.”

No que diz respeito à forma como os media abordam temas relacionados com a diversidade funcional, Catarina explica que:

Refere ainda que os filmes ou novelas incluem utilizadores de cadeira de rodas, muitas das vezes para castigar a pessoa malvada do enredo, ou ficam com uma paralisia “mas com muita fisioterapia, conseguem andar no final” o que distorce a realidade desta comunidade.

Geralmente uma pessoa com deficiência é vista como incapaz de ter uma vida “normal” e ativa, tendo que, muitas vezes, provar ser capaz de desenvolver e demonstrar capacidades e habilidades para a sua própria inclusão. Para isto ser possível, é necessário existir acessibilidade. E o que é a acessibilidade? é proporcionar acessos: à vida em sociedade, ao transporte e comunicação, salvaguardando a sua segurança e autonomia.

“Eu de facto pertenço a duas minorias, às mulheres e às mulheres com deficiência.” Contudo, como a sua deficiência surgiu em adulta, mesmo dentro de uma minoria é privilegiada porque “já sabia quem era a Catarina mulher, em relacionamentos, no mercado de trabalho, ou seja, eu já sabia de todas as minhas potencialidades e agora tive que as adaptar. Mas uma mulher que nasça com uma deficiência, pode efetivamente ser ainda mais vulnerável do que um homem que nasça com uma deficiência”. Com isto vinca que “uma mulher com deficiência é uma mulher duplamente vulnerável.”

Para além disso, as queixas diárias de descriminação, recebidas em 2019 pelo  INR (Instituto Nacional para a Reabilitação) mostram que, apesar da pequena diferença, as mulheres são o maior alvo. (40,24% são homens e 54,35% são mulheres). 

Toda a ajuda é necessária

De forma a auxiliar todos os PCD, foram criadas associações com o objetivo de promover e defender os interesses das pessoas com deficiência em Portugal. 

A Associação Portuguesa de Deficientes (APD) é uma organização de pessoas com deficiência, constituída e gerida por pessoas com deficiência. Esta procura incutir questões relativas à deficiência nos direitos dos cidadãos e pretende todas as PCD independentemente das suas causas e origens.

Também a Associação Salvador auxilia os PCD na área da deficiência motora. Têm como missão promover a integração e melhorar o quotidiano destas pessoas. Catarina como embaixadora da zona Norte salvaguarda que a associação trabalha por todo o país e apoiam PCD na área do emprego, na criação de currículos e integração no mercado de trabalho. A associação têm também programas com empresas na forma de as tornar mais acessíveis e um grande projeto chamado “Ação Qualidade de Vida”.

Os aliados à tecnologia criaram também aplicações para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, de maneira a incutir a inclusão social e diminuir assimetrias.

A aplicação brasileira Biomob tem como missão a acessibilidade e inclusão. Este projeto surgiu da necessidade dos seus criadores, em obter informações de locais e eventos acessíveis e também notícias acerca da comunidade.

Existe também o Wheelmap, sendo este um mapa mundi online onde temos a possibilidade de explorar e identificar locais acessíveis a cadeira de rodas. Desenvolvido por uma organização sem fins lucrativos alemã. Este sistema é acessível para todos e é simples, o que não exige um enorme conhecimento tecnológico. Consiste em adicionar locais públicos e classificá-los como um “semáforo”: verde para acessível, amarelo para acesso restrito e vermelho para sem acesso a cadeira de rodas.

A Associação Salvador criou também a app +Acesso, que permite também classificar os “espaços a nível de acessibilidades, partilhar bons exemplos e denunciar aqueles que não reúnem condições de acesso”. Estas ferramentas evitam e transformam situações como fazer compras, atravessar a estrada e ter local de estacionamento para pessoas com deficiência e/ou condicionadas na sua mobilidade em episódios mais simples.

Inclusão: mudanças a ter

Melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência vem de como educamos a população. Os media são, para além de propagadores de informação, plataformas que servem para elevar as vozes de minorias. 

Contudo Catarina e Manuela partilham da mesma opinião, ao referirem que os media abordam de forma muito superficial, a situação dos PCD, ou voltam a história para a “pena”. Isto alimenta as barreiras sociais entre pessoas deficientes e pessoas não deficientes, invalidando-as. 

Manuela relata uma história de uma senhora que a abordou no supermercado e perguntou “o que lhe aconteceu? Como se estivesse no direito de o fazer ou que tivesse a obrigação de lhe responder”. Esta mentalidade é movida essencialmente pelo capacitismo, quando alguém vê outra pessoa numa cadeira de rodas tem a tendência a pedir desculpa.

A arquiteta pede assim, para que ajam sempre que virem situações semelhantes, que eduquem as pessoas quanto a estas situações, porque são casos de discriminação. Por vezes Manuela encobre a sua tristeza perante a situação com o humor, “uma vez disse que foi um tubarão que comeu a perna e é por isso que preciso de andar de cadeira de rodas.” 

Porém é preciso também a atenção na construção de rampas de acesso, muitas destas são colocadas com entrada e saída para ruas muito movimentadas, ou em lugares de estacionamento, que podem congestionar a passagem. 

A mesma situação ocorre com os elevadores em edifícios, principalmente de locais públicos ou então, o caso mais recente que está a circular nas redes sociais. Nuno de Carvalho tentou entrar num tribunal, contudo a entrada do edifício possuía um degrau que impossibilitava a acessibilidade.

Apesar de pessoas como Nuno e Catarina, que tentam quebrar os estigmas que a sociedade deposita em PCD, ainda existem as típicas publicações de “eu estava a ter um dia mau e lembrei-me de ti e agora já estou muito mais animado, isto é, como se dissesse que a minha vida é tão miserável que fez melhorar o dia daquela pessoa.” Expõem Catarina Oliveira.

Muitos de nós já partilhamos imagens que tinham uma pessoa de cadeira de rodas e com a frase “Esta pessoa anda de cadeira de rodas, mas conseguiu acabar um curso” ou “Esta pessoa tem uma deficiência, então não aches que a tua vida é má.” Estes comentários apenas existem para criar uma barreira ainda mais distinta, não para ajudar na inclusão.

Publicação no Instagram de Catarina Oliveira

A nutricionista explica que, antes de ser um utilizador de cadeira de rodas, partilhava estes comentários ou imagens, mas que foi entendendo a “estupidez” que acarretavam, assim como os seus seguidores que, diariamente lhe enviam mensagens a dizer “eu também já partilhei isso e agora entendo o problema.”

Existe um enorme mundo de mudanças que todos nós deveríamos adotar, contudo podemos simplesmente resumir com a palavra “inclusão”. Se todos agirmos de forma ativa na luta pelos direitos de todos os cidadãos, de forma a promover a igualdade, estamos a ajudar. 

Num Portugal capacitista, a diversidade marca cada vez mais o seu posicionamento. A falta de informação e de preparação da sociedade é um reflexo da necessidade de mudança.

Catarina Preda

Editora e colaboradora do #infomedia. Natural de Santa Maria da Feira, comunicadora desde sempre e (quase) jornalista por opção.