Portugal e lista de países Europeus dos quais a dor fica em espera

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Portugal e lista de países Europeus dos quais a dor fica em espera

Após veto presidencial, Portugal continua a fazer parte da lista de países europeus dos quais a eutanásia ativa ainda é considerada crime. Apesar da dura realidade, o diploma não é novidade no país à beira-mar plantado.

[Texto por Diogo de Sousa]

Nove meses foi o espaço de tempo entre o envio ao Tribunal Constitucional da primeira proposta de lei, e a decisão do atual veto presidencial. Numa primeira análise feita em fevereiro deste mesmo ano, o Presidente da República considerou que o primeiro diploma recorria a “conceitos excessivamente indeterminados”. Agora, numa nota publicada a 29 de novembro, no site oficial da Presidência da República portuguesa, sobre o decreto da descriminalização à morte medicamente assistida que envolve o suicídio medicamente assistido e a eutanásia, o presidente pediu, pela segunda vez, clarificações ao parlamento português.

Na causa do veto, afirmou existirem contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida. No documento, deixava-se de considerar exigível a existência de “doença fatal” para ser concebido a morte medicamente assistida, alargando amplamente essa possibilidade à existência de “doença incurável, mesmo se não fatal, e, noutra ainda a doença grave”. Concebe agora ao parlamento português a sua retificação bem como a votação. O Presidente apelou ainda aos deputados pedindo que respondessem a esta alteração, defendendo ser uma “mudança considerável de ponderação dos valores e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa.” Na nota presidencial ainda consta que esta é uma “objeção feita a esta segunda versão do diploma, e não alude ao processo que antecedeu a elaboração da primeira versão”.

Fonte: Dicionário de Português-Português da Porto Editora e Ordem dos Médicos (Simplificado por Diogo de Sousa)

Após este ato presidencial, Portugal continua assim a fazer parte da lista de países europeus dos quais a eutanásia passiva é legal, permanecendo assim ao lado de Itália, Suíça, França, Suécia, Alemanha, Áustria, Dinamarca, Noruega, Hungria, Lituânia e Letónia.

De fora desta lista ficaram países como os Países Baixos (desde 2002, foi o precursor da eutanásia legal ativa na Europa), Bélgica (desde 2002, meses depois), Luxemburgo (2009) e a mais recente, a vizinha Espanha (08/03/2021). Estes são os países a onde a eutanásia ativa voluntária bem como o suicídio medicamente assistido são procedimentos legais.

Com base nos dados disponíveis do arquivo documental sobre “Eutanásia e Suicídio Assistido- Legislação comparada” e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), os países que consideram legal o ato da eutanásia passiva, ou o suicídio assistido em alguns dos casos, mas não a eutanásia ativa, foi legislado que:

Esta forma legal e passiva de eutanásia que se pratica nestes países bem como em Portugal, na maioria dos casos consiste na recusa de fármacos e tratamento por parte do doente, deixando-o desprovido de auxílio médico na maioria dos casos. Na França, esta medida é aplicada a casos de doentes excecionalmente com o prognóstico de cuidados paliativos do qual este terá auxílio médico. Ainda no caso francês, o auxílio traduz-se de forma diferente. Segundo o diploma de 2005 que corresponde a “sedação profunda e contínua até a morte”, consiste no uso de fármacos tipo calmantes de tomas regulares diárias e permanentes aplicado pelos serviços médicos a pacientes incuráveis e de elevado sofrimento, cujo prognóstico seja de “curto prazo”, até ao seu momento final. Já no caso português, o paciente pode recusar o tratamento ou os fármacos prescritos pelo médico. Contudo, pode em qualquer altura reverter essa situação.

Fonte: Com base na Proposta de Lei do Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS)(Simplificado por Diogo de Sousa)

Quando a experiência fala

Para Cristina Silva, enfermeira já reformada, que trabalhou em lares, em serviços de apoio a cuidados paliativos no domicílio, bem como hospitais, considera que, a eutanásia passiva legal, é uma das formas mais discriminatórias e pouco abonatórias para o doente de necessidades urgentes de um fim de vida digno. Na sua longa carreira em enfermagem e agora com 66 anos, confidencia que vivenciou momentos felizes e outros de perdas irreversíveis. Silva credita que a legalização da descriminalização à morte medicamente assistida que envolve o suicídio medicamente assistido e a eutanásia, “seria, um grande passo para a evolução pessoal e humana de todos nós, penso eu, não só como cidadãos, mas como enfermeiros, médicos, auxiliares de ação médica e o paciente, claro, em causa.”

Adianta ainda que, apesar de poucos os casos, já teve alguns familiares e filhos de utentes em situação de acamado — dependência de terceiros — que preferiam pôr termo à dor dos seus familiares. Apesar de terem uma equipa multidisciplinar de pessoas em situação de acamado e a tecnologia hospitalar envolvida, muitos segundo a enfermeira portuense, “não conseguiam superar a dor física e principalmente a psicológica” de verem os seus familiares e pais eternamente petrificados no leito das suas camas.

Apesar de nunca ter revelado diretamente estar a favor da lei vetada pela Presidência da República, afirma que infelizmente a voz mais proeminente dentro do meio hospitalar é a médica, e que por isso culpa em parte “alguns pensamentos mais retrógrados da classe médica”, bem como a da sua classe, a da enfermagem.

Miguel Guimarães, bastonário da ordem dos médicos, num depoimento expresso no site oficial da Ordem dos Médicos, na secção de media, sobre o veto presidencial, “sublinha que a lei tem de ser objetiva e clara porque se está “a falar da vida e da morte””. Adianta ainda, que as questões arguidas do Tribunal Constitucional referentes ao primeiro diploma “não foram devidamente aprofundadas nem tiveram discussão pública, pelo menos, ouvindo as instituições mais diretamente relacionadas com questões técnicas, nomeadamente a Ordem dos Médicos, e com questões éticas, como é o caso do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida”.

Para memória futura

Apesar do atual mediatismo e até digno de um mundo globalista, este diploma, sugerido em 2018 pelo Partido Socialista (PS), que apresentava regular a prática de eutanásia não punível, não é recente.

Datava o ano 1995 quando pela primeira vez em Portugal, surgiu por iniciativa da Assembleia da República a ideia da despenalização da morte medicamente assistida. Na altura, a medida que se encontrava nos mesmos moldes, soou os alarmes e preocupações de várias entidades relacionadas com a saúde. Diferente de 2018, o CNECV em 1995 emitia um relatório desfavorável em prol desta temática. Afirmava-se que:

– “Não há nenhum argumento ético, social, moral, jurídico ou da deontologia das profissões de saúde que justifique em tese vir a tornar possível por lei a morte intencional do doente (mesmo que não declarado ou assumido como tal) por qualquer pessoa designadamente por decisão médica, ainda que a título de “a pedido” e/ou de “compaixão”;

–  “Por isso, não há nenhum argumento que justifique, pelo respeito devido à pessoa humana e e à vida, os actos de eutanásia;”

– “Que é ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo e sofrimento ao doente, pelo que essa interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser considerada eutanásia;”

– “A aceitação da eutanásia pela sociedade civil, e pela lei, levaria à quebra da confiança que o doente tem no médico e nas equipas de saúde e poderia levar a uma liberalização incontrolável de “licença para matar” e à barbárie”, terminam no relatório.

Por de entre debates, discursos, vetos, retificações e clarificações existem também aqueles que esperam e desesperam. No entanto, poucos são aqueles que aguentam e apesar da sua condição, não deixam que as barreiras burocráticas os condicionem.

Fonte: Reportagem “Até ao Fim”, autoria de Paula Rebelo, jornalista na editoria de saúde da RTP1
Diogo de Sousa

Olá, sou Diogo de Sousa e tenho 24 anos. Atualmente, sou colaborador na editoria de política do #infomedia. A política é um assunto sério, contudo, gosto de a desconstruir, tornando-a acessível e compreensível aos demais. Além disso, este não é o meu único interesse. Sou muito curioso e até um pouco ‘nerd’. Adoro arte, filmes, música (desde a mais clássica ao metal industrial), gosto ler e também de escrever!