Profissões antigas sem sucessores “só restam aqueles que ainda as praticam”
Em Portugal encontramos as mais diversas profissões. Muitas delas são evoluções de práticas tão antigas quanto o próprio ser-humano. Estamos habituados a visitar estes locais de trabalho, porque, para muitos, são um spot turístico. Mas será que os idealizamos como a nossa futura profissão? Dois pescadores, uma peixeira dois alfarrabistas e uma modista falam sobre estas atividades e o seu futuro incerto.
Joaquim Tavares, o pescador de muitos mares
Às 10h00 da manhã de uma quarta-feira, na doca de pesca da Afurada, assiste-se a uma grande azáfama: é hora de regressar a terra. Há pescadores a fazer a manutenção dos barcos, barulho de gelo a encobrir o peixe e também dois homens, bem junto ao cais, um sentado, a coser uma rede de pesca castanha escura, e outro, de pé, a observar. “Eu já não sou pescador, mas também não vos podia dizer grande coisa”, responde António. “Falem aqui com o Quim, ele sim é um pescador de muitos mares!” conclui, apontando para o sujeito sentado a coser a rede.
“Singapura, Dubai, Austrália. Conheci o Mundo. Poucos países ficaram por conhecer” diz “Quim”, com os olhos ainda postos na rede, muito investido no seu trabalho. Joaquim Tavares, mais conhecido como “Quim”, começou a pescar quando tinha 12 anos, um ano depois de ter abandonado os estudos. Por necessidade: “saí da escola com 11 anos, com 12 anos já andava no mar, tudo para ajudar os meus pais”.
Naquele lugar tão perto do rio, onde todos se conhecem, Joaquim sente-se em casa. Saiu muitas vezes para alto-mar e a última coisa que viu foi a doca de pesca da Afurada, as últimas pessoas a quem disse adeus foram os seus colegas de trabalho. Apesar de já não fazer viagens longas e perigosas, não deixa de ajudar aqueles que as fazem. “Esta rede de pesca [que está a coser] não é minha, é do meu primo”, esclarece Joaquim, mas como “ele tem muitos preparos a fazer antes de partir [para alto-mar]”, o pescador decidiu ajudá-lo, mesmo sabendo que “não é tarefa fácil”.
O homem de 72 anos admite que “a coragem foi o mais importante para conseguir lidar com os desafios desta profissão”, não bastava apenas ter energia e boa estrutura. “Um colega meu muitas vezes me disse: vou morrer por tua culpa, malvado! Um homem de trabalho, mas tinha menos coragem do que eu, tinha medo” confessou Joaquim.
“E os mais jovens, será que estão preparados para enfrentar essa coragem?” O pescador para de coser e levanta a cabeça. Num tom muito sério explica que “a juventude de agora não pensa em enfrentar a vida”, ou pelo menos não como no seu tempo. Joaquim admite ter tido um início muito complicado na pesca por esta prática ser uma “total escravidão”. Seguem-se segundos de silêncio e os olhos de Quim cobrem-se de lágrimas. Não chora, mas está visivelmente emocionado.
“Quem ia para a pesca do bacalhau, deixava o coração atrás da porta e dizia: “eu vou, mas não sei se volto!” confessa Joaquim Tavares
Efetivamente, o medo de enfrentar o mar, de “deixar o coração atrás da porta”, fez-se sentir ao longo dos anos. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Pordata, o número de pescadores registados desceu 41% desde 1969 até 2019. Tudo indica que as estatísticas para 2020 apresentem um número ainda mais baixo.
Quim para de coser a vasta rede castanha escura. Prepara-se para contar um episódio que requer toda a sua atenção. “Foi na pesca do bacalhau, achei que nunca mais voltaria a terra”, começa o pescador enquanto arruma as agulhas. “Dessa vez vi a morte à frente dos meus olhos, de todas as espécies” continua. Sentado num pequeno banco de madeira clara, Joaquim parece agora inquieto. Não é por causa do desconforto do assento, mas porque relembra os momentos em que quase se despediu da vida.
Enquanto arruma o seu local de trabalho, o pescador de vários mares informa que está quase a atingir os 73 anos. “Ainda não és velho, trabalha homem!” afirma o senhor António, num tom de brincadeira, sempre a encorajar o amigo. “Mesmo que o tempo passe”, o pescador de 72 anos esclarece que a coragem sempre o irá acompanhar, “mas a energia já não está tão presente”.
O sol começa a aquecer naquele dia frio. Joaquim Tavares consegue sumariar 60 anos de pesca, 60 anos de coragem e 60 anos de histórias. “Não tenho conta dos sofrimentos que tive na vida” desabafa o pescador. “Só espero que no futuro volte a haver esta coragem em ser pescador, mas não acredito muito nisso” termina, deixando assim a sua mensagem para os mais jovens.
Na sua obra “Porto: Profissões (quase) desaparecidas”, Germano Silva relembra que os velhos ofícios “muito fizeram para que o Porto seja ainda hoje considerada a capital do trabalho”. |
Joaquim Gomes, dos tecidos às redes (de pesca)
São 10h15 quando, do lado oposto à doca, se fazem sentir risos altos e colunas a tocar música tipicamente portuguesa. O barulho vem do interior de um grande edifício de betão, a parte de fora pouco ou nada tem a ver com a energia que se espalhava dentro daquele lugar. À entrada lê-se “Madureira’s Mercado D’Afurada”, está explicado o porquê de tanta agitação.
No interior do mercado os corredores são frios e todos muito parecidos. Ao seguir o som da música e os constantes “olhó peixinho fresco”, facilmente chega-se ao tão procurado corredor das peixeiras. Aqui encontramos os clientes fiéis do peixe fresco. São tratados por Dona ou Senhor, seguido do nome próprio. Há uma cumplicidade contagiante.
A barraca que chama mais à atenção é a do senhor Joaquim. É ele que anima o mercado com a sua coluna de música com tiras de luz LED. Não trabalha aqui, mas ajudava a mulher, peixeira. “Quando ela tem de ir buscar o peixe fresco, eu fico à frente da barraca” explica o pescador enquanto aquece as mãos depois de ter coberto o peixe com gelo.
Joaquim Oliveira nunca imaginou que faria inúmeras horas em alto-mar. Começou a sua carreira profissional na indústria têxtil. Após ter ficado desempregado, decidiu ser pescador. Conta que já pescava desde criança, o seu pai era pescador e a sua mãe era doméstica. Por isso, o ex profissional têxtil e os seus irmãos, “sempre foram criados neste ambiente”.
Com uma fila considerável a criar-se frente à barraca de Joaquim, surge a questão dos clientes: “Há cada vez mais pessoas interessadas nos mercados, isso agrada-me”. Joaquim explica que “muitas vezes o peixe vem de outros países, como é o caso da vizinha Espanha”, isso resulta em que recebam “visitas de turistas, mas acham mais piada ao mercado do que ao peixe”.
Assim que Joaquim acaba de atender os clientes, a quem vai pedindo “só um minutinho” retoma a entrevista. Por não ter escolhido ser pescador, o homem natural da Afurada confessa não ter horários: “Tanto durmo de noite como de dia, a qualquer hora, isso não me faz confusão, mas acredito que a muita gente faça”. Em alto-mar o pescador também não tem horários, as refeições são à hora a que estiver menos enjoado: “Nós na pesca ficamos muito enjoados com o tempo. Se comemos, vomitamos logo a seguir. Comemos, vomitamos, limpamos, vivemos assim, já estamos preparados para isso”.
Encostado à sua barraca, que cada vez mais tem menos peixe, o pescador começa a falar sobre a rentabilidade da pesca enquanto profissão. Joaquim reflete que na sociedade atual, onde cada vez há mais oportunidades de trabalho em grandes setores, esta prática não é vista pelos mais jovens como algo a seguir: “Da forma que está agora, não garante um futuro estável para ninguém, muito menos para os jovens.”. Continua dizendo que a própria pesca é bastante instável, não é uma profissão que garanta trabalho todos os dias: “Nós pescadores trabalhamos 2 meses e descansamos 4, andamos sempre assim, não conseguimos viver disto, não é rentável”.
Em abril de 2020 o volume de capturas do pescado, em Portugal, diminuiu 21,4% (-34,1% em março), segundo os dados estatísticos do INE. O pescado correspondeu a uma receita de 15 573 mil euros, valor que representou um decréscimo de 27,9% (-32,5% em março).
Ainda que haja instabilidade na prática piscatória, Joaquim Oliveira acredita que os mercados de peixe vão sempre existir, porque mesmo havendo altos e baixos, a qualidade do peixe é sempre garantida.
“Por exemplo, nós trazemos pouco peixe. Muitas vezes vamos buscar a Matosinhos, e conseguimos vender praticamente tudo. Os hipermercados trazem muita quantidade e vendem muito. No entanto, a quantidade que fica, será exposta no dia seguinte, e no a seguir a esse se não for todo vendido, fazem isto até 4 ou 5 dias” esclarece Joaquim.
Joaquim trabalha rápida e eficazmente naquela fria manhã de quarta feira. A verdade é que o mercado da Afurada “não tem as melhores condições para os dias de inverno”, apesar de ter sido reabilitado em 2017. “Faz sempre muito frio, as peixeiras e os pescadores habituam-se a não sentir as mãos” afirma Joaquim enquanto pega em gelo e atende os clientes, sempre muito cordial.
“O Porto cresceu e se desenvolveu, aproveitando, naturalmente, e de forma inteligente, as excecionais condições geográficas para o interior por mais de vinte léguas, até ao Cachão da Valeira, e com ligação ao mar, ali tão perto.”. |
Maria Silva, a peixeira da Afurada
A barraca vizinha à do senhor Joaquim começou a mostrar um fluxo interessante de clientes, onde estavam duas mulheres, sempre a trabalhar. “São dois euros pelo linguado” afirmou, num tom animado, uma das peixeiras. A barraca tinha uma quantidade imensa de peixe, todo preparado e pronto a vender.
Maria Silva, a proprietária desta barraca, teve o primeiro contacto como peixeira quando tinha 10 anos. Ia com a sua avó “vender peixe para a Ribeira”, gostou daquilo e “a partir desse momento soube que queria ser peixeira”.
De terça-feira a sábado, a peixeira Maria trabalha na sua própria barraca, no mercado da Afurada, com a ajuda da sua irmã. Acorda todos os dias às 4h00 da manhã para conseguir preparar a barraca antes de o mercado abrir, às 6h00. Às segundas feiras deveria ser o seu dia de descanso, visto que o mercado está fechado. Ainda assim, Maria vende peixe à porta de sua casa que afirma ser “pertinho do mercado”.
Os clientes já a conhecem, sabem que se precisarem de peixe fresco a uma segunda-feira, só precisam de visitar a casa da peixeira Maria. “São clientes de longa data, muitos deles já me compravam peixe ainda antes de me mudar para este mercado”, esclarece Maria. Quanto aos clientes mais jovens, a peixeira admite não encontrar muitos porque “os mais novos não gostam de peixe, ou pelos menos não tanto como se gostava no meu tempo”.
O não gostar de peixe parece também ser um entrave para cativar o interesse da geração Z a juntarem-se a esta prática. Maria Silva acredita que ser peixeira “não é uma vida fácil” e que os jovens procuram um trabalho que lhes facilite mão de obra. Explica ainda que “se existirem jovens interessados no peixe”, estes “preferem ir trabalhar para supermercados” porque as condições de trabalho são melhores e mais constantes.
Maria estava fora da barraca, sempre com a mão no peixe a garantir que estava bem exposto para chamar à atenção do cliente. Dentro da barraca estava a sua irmã a descamar peixe atrás de peixe — não parou de trabalhar por um segundo. Sem se aperceber, confirmou que, efetivamente, ser peixeira requer esforço e concentração.
Ao falar da família, Maria informou que tem uma sobrinha de 14 anos que “gosta muito de ajudar a tia, especialmente no São João”. Ainda assim, tem consciência que esta jovem não será peixeira de profissão, mas espera contar com a ajuda dela sempre que precisar.
A peixeira Maria voltou ao trabalho, desta vez com ainda mais energia porque tinha acabado de perder 5 minutos na entrevista. “Podem abrir muitos supermercados, mas vai sempre haver mercados de peixe, vai sempre haver peixeiras” afirmou a mulher natural da Afurada enquanto empacotava três linguados e um salmão, “assim como eu, há muitas jovens com vontade de vender peixe, nem que seja por diversão!” concluiu.
Amélia Coelho, a alfarrabista da literatura portuguesa e banda desenhada
Já do outro lado do rio, na baixa da cidade do Porto, o relógio marcava as 14h00. As ruas estavam vazias, comparado ao mar de turistas que havia num Portugal pré Covid-19.
Muitas lojas estavam fechadas, as que estavam abertas não esperavam receber muitos clientes. Os proprietários ficavam à porta a ver uma ou duas pessoas passar a cada 10 minutos. Também aproveitavam o sol daquela radiante quarta feira.
Numa das muitas ruas da baixa do Porto, na rua José Falcão, o fluxo de pessoas começou a mostrar-se mais constante, especialmente na “Livraria Paraíso do Livro”, que albergava apenas 3 clientes de cada vez, devido às novas medidas de contingência. No interior, esta pequena livraria estava carregada de livros de todos os gostos, mas os que chamavam mais à atenção eram as bandas desenhadas. Pelo aspeto dos cartoons datados e devido à cor já meia amarelada do papel impresso, era de esperar que muitas daquelas bandas desenhadas fossem primeiras edições.
O cheiro a papel velho misturava-se com um aroma intenso a café, criou-se um ambiente acolhedor e agradável. No fundo da loja, que não era assim tão funda, estava sentada Amélia Coelho, a proprietária. “Se precisar do tal livro que me falou, ligue-me e eu vejo o que posso fazer” disse Amélia a uma cliente. Mais uma vez havia a tal cumplicidade que parece vir por garantida nestas velhas profissões.
Amélia Coelho trabalha no ramo da literatura desde os 22 anos e decidiu abrir a sua própria livraria alfarrabista em 2010. Diz ser “apaixonada por literatura portuguesa e banda desenhada”. Foca grande parte do seu stock nesses dois géneros literários.
“Dediquei-me a literatura portuguesa porque é o que estou mais habituada, é o que entendo melhor. Também tenho muita banda desenhada porque é 50/50, 50% cómicos, 50% texto, o meu marido e eu gostamos muito” esclarece Amélia.
Nesta livraria alfarrabista não há apenas livros parados no tempo, há também obras acabadas de sair. Amélia Coelho admite que esta “mistura de livros” ajuda para que as massas mais jovens tenham interesse em visitar a loja. A proprietária confirmou que “os jovens preferem mais as bandas desenhadas e os livros de agora” e que os clientes acima dos 30 anos já procuram “a literatura portuguesa ou livros antigos que não encontram em mais lado nenhum”.
Mas e será que os jovens querem, ou até mesmo conseguem trabalhar como alfarrabistas? Quanto a esta questão a alfarrabista Amélia Coelho não idealiza um futuro muito promissor no que diz respeito a esta prática enquanto profissão a tempo inteiro: “Para mim e para o resto dos anos que eu tenho, vai dando. Para os meus filhos e netos, por exemplo, já não”, esclareceu.
“Eu tenho jovens com currículos que teriam muito gosto de trabalhar nesta livraria. Vêm cá pedir-me muitas vezes emprego, mas não tenho emprego para eles, trabalhamos eu e o meu marido aqui. Então digo-lhes para irem enviar o currículo a livrarias novas, mas eles não querem, querem trabalhar em livrarias alfarrabistas”, confessa Amélia Coelho
O interesse dos jovens nesta prática tem crescido cada vez mais devido à “moda vintage” que tem havido nos últimos anos. Ainda assim, as oportunidades de construir carreira como alfarrabista em Portugal têm-se mostrado muito desafiantes. Amélia admite que no futuro não vê “esta prática a ter muito sucesso”. Esclarece que no seu estabelecimento ainda tem muita gente interessada no livro físico, mas teme que os e-books [livros digitais] acabem por dominar.
Segundo um artigo do Diário de Notícias intitulado “Uma em cada cinco livrarias da base de dados do Ministério da Cultura já não existe”, publicado a 19 de agosto de 2018, muitas livrarias independentes têm encerrado. Neste sentido, o Ministério da Cultura decidiu fazer um inquérito para localizar quantas livrarias continuavam de portas abertas. Os inquéritos foram enviados pela base de dados da Direção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), mas só 22% “vieram devolvidos”, assumindo assim que as restantes livrarias estão encerradas ou com o endereço desatualizado.
Inicialmente, na base de dados da DGLAB, constavam 558 registos “que englobam livrarias, papelarias, livrarias/papelarias, nas suas diferentes áreas de especialidade: alfarrabistas, infanto-juvenis, generalistas, banda-desenhada, municipais, técnicas/especializadas que abrangem o continente e as ilhas”. [Leia o artigo completo aqui]
Luís Moutinho, o alfarrabista clássico
Mais à frente, na Rua de Cedofeita, lê-se, no exterior, em autocolantes amarelos, “Livraria Candelabro”, nome seguido de uma data que com o tempo foi descascando. Só restou “desde 952″— além desse pormenor, a loja estava imaculada. A montra, minuciosamente decorada e organizada, cativava atenção de qualquer um, ou pelo menos dos mais atentos.
Antes de entrar o cliente já conseguia prever o tipo de livros que se vendia naquele local: clássicos e intemporais. Ao entrar neste espaço, parece que voltamos atrás no tempo: livros de capa dura, detalhes a folha dourada, tons de castanho escuro, esculturas decorativas e um cheiro característico a papel antigo mas bem conservado.
Os corredores desta livraria requerem muita atenção. As estantes estão organizadas por temas, línguas, séculos, décadas, cores, etc. Os livros continham títulos que remetiam a acontecimentos históricos, mostravam uma cultura geral gigante e procuravam clientes interessados, que sabiam onde estavam e acima de tudo o que procuravam. A livraria estava praticamente vazia, à excessão do proprietário, Luís Moutinho, e a sua assistente. Não se viam clientes, muito menos jovens.
A livraria alfarrabista Candelabro já vai no segundo proprietário, mas não se sabe se haverá um terceiro que tenha interesse em prolongar o legado deste espaço. Luís Moutinho, licenciado em economia, adquiriu a loja em 2005. Comprou-a “à irmã do senhor Barros, o proprietário original desde 1952” esclareceu.
Luís fez um excelente trabalho em conservar aquele lugar, admite que “sempre quis ter uma livraria” e quando houve essa oportunidade, decidiu comprá-la. Apesar do caráter clássico e datado desta livraria alfarrabista, Luís criou um blogue e um site para a “Candelabro” onde dispõe do stock que tem em loja e dos preços dos livros. Ainda assim, o economista explica que os jovens não estão interessados e que não são eles o consumidor alvo.
“Mesmo com a vaga vintage os jovens não estão interessados em livros antigos. Os meus clientes são pessoas entre os 40 e os 60 anos, jovens não” afirmou o alfarrabista.
Luís reconhece que “os jovens leem livros, mas não são livros antigos”, preferem “livros novos, ou na internet, já não precisam do suporte físico”. Efetivamente, a prática de leitura online é uma grande ameaça para os alfarrabistas que desejam fazer desta prática profissão. “Tende a acabar” disse Luís ao falar sobre a sua profissão, “nunca há de acabar totalmente porque há aquela faceta do colecionismo” continua relembrando que as “primeiras edições e livros de coleção, isso não encontram na internet”.
Em 2019 o jornal ECO veio confirmar as suspeitas no crescimento do livro digital com um artigo intitulado “Livros digitais representam menos de 1% do mercado em Portugal, mas há “margem para crescer””. Neste artigo a jornalista Mariana Espírito Santo explica que “os livros ainda são imunes” mas que o crescimento dos e-books, apesar de representar apenas menos de 1% do mercado, estão a crescer.
Chegou-se mesmo a criar um termo para os leitores de livros digitais, são os eReaders. Paula Alves, diretora do E-Commerce da Fnac, explicou ao ECO que apesar de a percentagem de livros digitais ainda ser pequena, o mercado “tem bastante margem para crescer”.
Ainda assim, a falta de livros em língua portuguesa disponíveis em formato digital acaba por criar desinteresse nos leitores nacionais. Daí a percentagem dos livros físicos ainda ser “a esmagadora maioria”. [Leia o artigo aqui]
Na sua livraria alfarrabista, Luís Moutinho está seguro que o seu stock ainda agrada, e há de agradar, muitos clientes que continuam a olhar para o livro físico como o melhor suporte de leitura. “O livro mais antigo e valioso que temos na livraria é do século XVIII, tem 200 anos” esclareceu o proprietário, “e como esse temos muitos outros que são praticamente únicos” concluiu.
Já a falar sobre o aluguer das lojas, Luís afirma que “torna-se quase impraticável” e que “muitos têm fechado” por causa disso. Ainda assim, relembra que em Portugal “já passamos por muitas crises” e que o livro esteve “sempre quase para acabar”, mas “a verdade é que já existe há 500 anos”. Reconhece que para si a prática de alfarrabista “ainda vai dar”, mas que daqui a 50 ou 10 anos, “para quem cá estiver”, duvida que dê.
Conceição Soares, a modista sustentável
O atelier de costura da Dona Conceição foi a última paragem nesta viagem pelos velhos ofícios do nosso país. Situado na rua de Antero Quental, no Porto, este espaço não dá muito nas vistas, mas quem passa por lá todos os dias já conhece.
A proprietária optou por uma decoração de montra minimalista, à primeira vista parece que o espaço ainda está a fazer preparações finais. Na verdade esta escolha foi feita porque a roupa produzida neste atelier não quer passar a mensagem de “fast fashion”, ou seja, roupa pronta a vestir. “Os clientes visitam o meu atelier para encomendarem peças que não encontram nas lojas de grande superfície e eu faço-as de raíz” conta Conceição.
No interior o atelier conta com duas secções diferentes: o espaço de atender clientes e o de trabalho. Na primeira secção, a dos clientes, a modista tinha algumas peças penduradas prontas para serem levantadas pelos seus respetivos proprietários. Na segunda secção é onde a magia toda acontece, preparada com duas máquinas de costura e uma parede carregada, de cima a baixo, com cones de linha de todas as cores.
O atelier está aberto há 11 anos, mas a proprietária, Maria Conceição Soares, já trabalha como modista “há mais de 20 anos”. A sua entrada nesta profissão foi “por acaso”, como caracteriza. Quando acabou o 12º ano Conceição Soares contemplou a ideia de seguir Direito, mas “enquanto estava à espera dos exames” decidiu tirar o “curso de modelista”. A partir daí soube que seria costureira para “o resto da vida”.
Neste pequeno e bem decorado atelier, Conceição trabalha sozinha, com a ajuda da mãe. Apesar de nunca ter recebido candidaturas de jovens para trabalharem na sua loja, a modista admite que vê esta prática como “uma profissão a seguir”.
“Podemos avançar muito com a tecnologia, mas a roupa continua a ter de ser feita. Há as grandes marcas, há as grandes superfícies, enfim, um mundo muito industrializado. Mas também há pessoas que querem peças únicas e diferenciadas, e nos jovens ainda mais”, confessou a costureira.
Enquanto atendia uma cliente, que entretanto tinha chegado, a modista admite que apesar de não ter medo dos avanços tecnológicos ameaçarem o futuro do seu trabalho, tem consciência que a indústria têxtil ainda é uma grande causadora de poluição no mundo. Então, “está nos planos” criar a sua própria marca, “de fabrico próprio”, com “materiais sustentáveis”, que admite ser muito difícil, mas também ser extremamente preciso, “especialmente na sociedade de agora”.
Depois de atender os três clientes que foram progressivamente chegando, a Dona Conceição sentou-se na sua cadeira de trabalho e explicou os seus planos para a futura marca que quer criar. “Ainda estou no projeto inicial” explica a modista, “mas como sei que tenho clientes para esta marca, tenho a certeza que correrá bem” continuou. Já de pé, a organizar tecidos, Conceição admite que “o facto dos jovens se preocuparem com a sustentabilidade na indústria da moda” agrada-a, pois quando começou “a indústria estava longe de se preocupar com o ambiente”.
Ao voltar à questão das “grandes marcas” a costureira reconhece que cada vez mais estas têm feito frente aos ateliers de costura. “É mais fácil, chega-se à loja, compra-se, está pronto”. explicava a modista enquanto vagueava pelo seu atelier. “Eu procuro dar ao cliente aquilo que ele não consegue encontrar”, concluiu.
Maria Modista, a escola de modistas
Maria Modista é a prova de que há interesse, por parte dos jovens, em aprender costura. Foi criada há 10 anos com o intuito de proporcionar a todas as idades a oportunidade de aprender a costurar “numa vertente mais prática”. Filipa Bibe, a proprietária, em entrevista para o #infomedia, explicou que a sua carreira começou como contabilista e ainda hoje tem a sua empresa de contabilidade “com uma sócia”. Ainda assim, a empreendedora afirmou que “quis estudar design de moda para Londres” após ter andado “à procura de escolas de modistas em Portugal”, mas “só haviam uma ou duas”.
“Os cursos em Portugal eram muito teóricos e datados. Eu queria uma coisa mais rápida e acima de tudo mais prática, então foi a partir daí que surgiu a ideia de criar Maria Modista” confessa Filipa.
Quando iniciou o projeto, a contabilista afirma que “poderia ter contratado modistas mais velhas”, mas optou por criar uma equipa jovem e preparada “a nível de computadores, moldes digitais, programas de edição, etc”. Ainda que tenha optado por seguir esta “vertente mais moderna”, Filipa assegura que os seus colaboradores têm ” tanto know-how como as modistas mais velhas”.
Esta nova perceptiva nas escolas de modelagem veio trazer a adesão dos mais jovens. Filipa Bibe conta com “alunas, porque são maioritariamente meninas, dos nove aos 18 anos”, especialmente na época das férias escolares. “Maior parte das alunas vem para aprender a fazer biquinis e nós somos as especialistas em Portugal a nível de swimwear” explica a proprietária ao referir-se às alunas mais novas.
Quanto às massas mais velhas, “dos 18 aos 35 anos”, estas também procuram muito o swimwear com o intuito de “criar marcas”. A modista conta que muitas das alunas “começaram as suas marcas e nós começamos a produzir para elas” devido ao facto das grandes fábricas “só venderem grandes quantidades”.
Muitas das marcas mais conhecidas de swimswear em Portugal foram alunas da Maria Modista. Maior parte das alunas têm trabalho e levam as marcas como hobby, mas muitas crescem tanto que acabaram por se despedir, confessou Filipa
A Maria Modista oferece diferentes tipos de cursos: diários, profissionais certificados e mensais. Neste momento, devido à pandemia da Covid-19, a escola de modelagem tem feito “cursos on-line”, mas Filipa confessou que “não temos tido tanta adesão porque é um curso muito prático e torna-se mais complicado não estarem nos ateliês”. Para combater essa questão, a empreendedora explicou que a Maria Modista “disponibiliza moldes em PDF para as alunas conseguirem copiar e fazer as suas peças a partir de casa”, reforçando a importância de ter uma equipa jovem que seja capaz de contornar este obstáculo.
Neste momento a Maria Modista tem escolas no Porto, Estoril, Leiria, Almada, Coimbra, Aveiro e Setúbal. Pode reservar o seu curso aqui.