QUANDO AS RUAS DO PORTO SÃO PALCO PARA NOVOS ARTISTAS
- Esperança Joaquim
- 02/02/2021
- Arte e Culturas Atualidade Música Portugal
É cada vez mais frequente a presença de músicos pelas ruas de cidades turísticas, como o grande Porto. Os espaços públicos, para muitos, tem sido uma alternativa eficaz para esta prática artística. A atratividade que a arte exerce sobre quem a aprecia, tocados pela emoção, pode tanto romper o acelerado tempo quotidiano de quem está de passagem como fazer parte de uma atração turística dos que se deixam encantar
Ao descer a Rua de Santa Catarina no Porto, junto ao Shopping Via Catarina está Lua Ateyeh, uma artista de rua nata. A brasileira, de 22 anos de idade, residente em Portugal há dois anos e meio, viu na rua um canal de oportunidade para demonstrar o que vale, através da música.
A ligação com o mundo da arte vem desde o Brasil, mas nunca tinha sido sonho fazer da música a sua profissão. Ao chegar a Portugal, Lua deparou-se com a dificuldade de arranjar emprego. E já que passava muito tempo em casa, decidiu dedicar-se mais à música, compondo suas próprias canções, aperfeiçoando a voz e a guitarra. Daí surge a ideia de juntar o útil ao agradável. Passou a ir para a rua tocar e cantar, e a partir dali foi fazendo contactos para apresentações em bares e jantares, mais tarde, começou a dar aulas de guitarra.
Em toda sua bagagem de artista, carrega consigo sonhos que almeja um dia realizar. “Eu já cantava antes no Brasil, mas não num campo tão profissional como atualmente. Quando cheguei a Portugal, a dificuldade de encontrar trabalho me deu um empurrão maior para a música. Já tenho composições próprias, os EP todos organizados para gravar. O meu sonho é trabalhar na área da educação social, mas envolvida com a música também, juntar essas duas coisas seria bom. Almejo um dia apresentar-me nos grandes palcos de festivais de música portuguesa”.
De sorriso fácil, uma guitarra na mão, um microfone e amplificador, Lua toca e interpreta música popular brasileira, latino americana, na turística Rua de Santa Catarina. “Eu vivo da música de rua já há algum tempo, e a interação com o público depende de muitos fatores, horários, localização e da estação, mas eu sinto que tenho uma maior interação com o público quando toco as músicas que mais gosto. Quando tento cantar o que o público quer ouvir, não soa tão natural, e é muito claro para as pessoas”, conta a jovem brasileira.
Lua usa a rua como um palco aberto para todos os géneros musicais , que reveste a cidade de simbolismo ligado à mobilidade, a impermanência, a sensibilidade, e ao lazer.
“Acho que as ruas são os melhores palcos que existem, já toquei em alguns bares, mas é muito formal. Muitas vezes tenho de tocar o que as pessoas querem ouvir, e nas ruas não. São mais acessíveis e mais abertas. De vez em quando tento tocar uma música mais pop, mas é diferente”, conta.
Em relação à necessidade de licença para atuar, revela a cantora, “eu nunca atuei com licença, e nunca fui abordada pela polícia”.
Segundo um artigo do Diário de Notícias a taxa administrativa para o licenciamento dos artistas de rua, que tinha um custo inicial de 392,20 euros, teria sido eliminada pela Câmara de Lisboa.
E conforme consta no jornal PÚBLICO, essa taxa administrativa foi substituída por uma licença de ocupação de espaço público para artistas de rua. Em Lisboa, desde 2015 a emissão dessas licenças compete às juntas de freguesia.
Já no Porto, não há licenças para artes de rua. O que existe é, uma espécie de código de conduta informal. O mesmo consiste no seguinte; se um artista ocupa uma zona quem chega deve manter uma distância de respeito, de modo a não interferir a apresentação do outro. Se estiver mais de duas horas no mesmo local, durante as apresentações devera promover momentos para não causar demasiado ruido. Se estiver frente a algum estabelecimento deve guardar alguns metros de distância de forma que os clientes possam circular livremente e não criar atritos com os comerciantes.
A rua como canal de “oportunidades“
A grande afluência de pessoas no centro da cidade tem transformado o Porto num pólo de maior presença de artistas de rua. Quem desce a Rua de Santa Catarina, facilmente encontra músicos anónimos que, tal como Lua, encontram na rua um palco para mostrar o seu trabalho.
Isidro Valdés e Sofia Borges apresentam-se individualmente pelas ruas e bares há um ano. Mas precisamente há dois três meses, que atuam como grupo pelas ruas do grande Porto.
“Somos um grupo de amigos que vivemos todos juntos, e todos estamos ligados à música de alguma forma, uns mais que outros. Muito antes da pandemia, durante um retiro entre amigos, cantamos todos juntos, foi aí que percebemos que as nossas vozes soavam muito bem em conjunto. Aí nasceu a ideia de cantarmos juntos e criarmos uma banda”.
Sofia Borges, é portuense e tem 24 anos. Conta que a sua ligação com a música vem desde muito cedo. “Estudei música desde pequenina, andei numa banda marcial e sempre fiz parte de orquestras pequenas, mas agora estou a experimentar outro registo”. Sofia toca flauta transversal e canta em filarmônica, uma melodia mais densa, como define a própria.
“Nós queríamos tornar isto mais regular, mas no meio desta pandemia e com todas as suas medidas torna-se mais difícil. Com isso, decidimos focar-nos em ensaiar e preparar eventuais apresentações. Por isso, não viemos para as ruas regularmente. Em geral, o que nós tocamos na rua não são músicas assim tão conhecidas pelo público, é algo mais denso e um pouco melancólico. Contudo, temos procurado enquanto banda conhecer-nos musicalmente dentro do estilo latino-americano. O que apresentamos na rua são adaptações a músicas que já existem. Estamos a trabalhar, em paralelo, para começar a compor as nossas próprias canções”. A inspiração, revela a artista, “vem da vida, de sensações, da intensidade e da fantasia”.
Isidro Valdés, chileno, de 27 anos de idade, é residente no Porto há um ano. É compositor, toca piano e guitarra. À semelhança de Lua, Isidro conta como a rua se tornou o seu lugar de trabalho. “Sempre estive ligado à música, mas nem sempre trabalhei com música. A verdade é que passei a ir para a rua cantar porque estava sem trabalho, e no verão passado um grupo de amigos convidou-me para um projeto de rua, “CURCUMBIA”, no qual tocava piano. A primeira vez que saímos todos juntos para cantar, foi há dois ou três meses atrás. Uma das fortalezas que procuramos e temos enquanto banda é a fortaleza vocal”.
Estes artistas que partilham o mesmo palco e as mesmas dificuldades. Buscam na calçada a possibilidade de criar carreira no mundo da música. A cultura não se faz apenas nos grandes palcos tradicionais. Existem muitos artistas anónimos que atuam nas ruas e fazem disso fonte de rendimento. Músicos nativos de rua, que enchem-na de vida e oferecem o seu talento a quem passa.