“Quando venho aqui é para recordar” – A nostalgia do passado presente na Sé do Porto
- Maria Barroso De Châtillon Bessa
- 07/05/2021
- Atualidade Portugal
Reportagem de: Raquel Valente e Maria Châtillon.
Construída na parte mais alta da cidade, a Catedral da Sé é o monumento religioso mais importante do Porto. Atração de milhares de turistas, a catedral é motivo de inúmeras memórias.
As portuenses Marina e Filipa são o exemplo de duas jovens que quase todos os dias, estão sentadas no pelourinho. Este é uma das obras arquitetónicas que foi reconstituída de uma gravura de 1797.

Não é noite de São João, época em que o movimento de pessoas pela Sé, na cidade do Porto, é arrebatador. É final do mês de abril. Está uma tarde de calor e de pouco movimento na zona central da invicta, outrora assoberbada do frenesim turístico. No adro da catedral, na escadaria do pelourinho, as amigas Marina e Filipa estão sentadas e a conversar. De sorriso na cara e fascinadas com algumas perguntas, revelam experiências vividas na Sé.
Nasceram e cresceram no Porto, ambas têm a mesma idade, 22 anos, no entanto, Filipa confessa o seguinte sobre Marina “tu fazes coisas que eu não fazia e desenvolvemo-nos juntas na mesma zona. Acho que é mesmo a personalidade que é diferente”.
A diferença de personalidade é notória nas duas amigas. Sentada do lado esquerda e com o olhar em direção a Filipa, Marina diz ser uma pessoa mais rebelde, “quando era pequena mergulhava na fonte da sé, com os meus amigos. Atirava-nos da ponte D. Luís e criávamos muitas memórias”. Conhecida como Chafariz de São Sebastião ou Fonte dos Pelicanos, a fonte da Sé é palco de muitas lembranças da estudante Marina.
Constituído por duas figuras, assimetricamente colocadas, que suportam armas reais, existindo no centro um pelicano com o peito furado, local donde jorra a água. É considerada uma das fontes mais valiosas e antigas do Porto. Este é o motivo principal pelo qual, a portuense frequenta diariamente o monumento histórico. “Aproveitar um bocadinho de tudo, pôr a conversa em dia e ver o pôr do sol, porque as duas trabalhamos, então, não temos tempo para nada”, reflete Marina.
Guardadas no álbum das recordações, estão muitas memórias felizes das duas amigas. O ano 2020 interrompeu a continuação de todos esses momentos deslumbrantes, até então. Marina e Filipa contam com alguma tristeza, que a COVID-19 veio suspender algumas das visitas que faziam diariamente à Sé do Porto, mas desânimo não é palavra que acompanha o vocabulário das amigas. Passaram, portanto, a visitar a catedral apenas uma vez por semana.

Acomodada no lado direito e com uma posição mais retraída, Filipa explica que neste momento encontra-se a trabalhar, enquanto, que a amiga Marina está a tirar um curso. Reservada e dona de casa, a portuense exterioriza “eu não sou muito de sair, sou mais caseira. Houve uma vez que eu saí no São João, mas logo a seguir fui embora. Não gosto de ver muitas pessoas”.
A primeira história que vem à memória quando se fala da Sé, é sobre uma das suas inspirações de vida: “o meu pai já foi atropelado aqui, estava sentado nas escadas de casa e um carro passou-lhe por cima”. Devido a algumas lembranças menos positivas, Filipa explica que tem algum receio de andar sozinha pelas ruas escuras da cidade do Porto.
Questionadas sobre a história do monumento histórico, a trabalhadora Filipa diz nunca ter entrado na igreja, pois não acredita no cristianismo. Revela confiar na religião budista, ou seja, baseia-se nos ensinamentos deixados pelo Buda Sakyamuni. “Acredito mais na filosofia de vida do budismo do que o cristianismo”. Ser “buda” significa despertar do sono da ignorância, iluminar-se. No entanto, a portuense, atesta que a Catedral tem detalhes bonitos no seu interior, como peças banhadas em folha de ouro.
A arquitetura da Catedral tem presente diferentes expressões e estilos dominantes, como o gótico, o barroco e românico. Esta é um dos ex-libris do monumento histórico, que encanta a comunidade turística.
Contrariamente, a arquitetura religiosa Budista desenvolvida no subcontinente indiano possui três tipos de estruturas: mosteiros (viharas), lugares para venerar relíquias (stupas), e santuários ou salas de oração (chaityas, também chamadas de chaitya grihas), que mais tarde vieram a ser chamados de templos em alguns locais.
Na arquitetura cristã, as colunas são, geralmente, redondas, enquanto, que na arquitetura budista, as colunas são quadradas.
A portuense Filipa reconhece e valoriza a importância e a beleza daquilo que vê, independentemente da religião. O exterior da Catedral é aos olhos das duas amigas, fascinante.
Em concordância com Filipa, a estudante Marina confessa não ter também religião. No entanto, não explica o seu ponto de vista. Fundamentando esta questão, Filipa relata: “questionamos sempre tudo. São coisas passadas há imensos anos, como é que sabes se é verídico? Por exemplo a história dos três pastorinhos, eram três crianças. Quando era criança também inventava cada história”, relata Filipa. Marina acrescenta “ninguém nos dá certezas de nada”. É notória a mesma opinião em ambas as amigas.
Depois de um bom tempo de conversa e de uma paragem no mesmo, a nostalgia surge. Alegria e gratidão são duas palavras visíveis no rosto de cada uma das jovens. Assim ficam ambas, a conversar sobre tudo e sobre nada, naquele que é o sítio que tantas alegrias lhes proporciona.