Redes de apoio à adoção no Brasil tornam o processo mais acessível do que em Portugal

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[Investigação de Ana Laura Toledo, Ana Delia Vargas, Lourenço Hecker e Sara Silva]

O panorama de apoio à adoção de crianças e adolescentes entre Portugal e Brasil é distinto. O #infomedia propôs-se a desconstruir os processos nos dois países.

Quando se fala em processo de adoção, é preciso ter em conta que é definido por três fases: a pré-adoção, a fase de oficialização e a pós-adoção.

O processo burocrático da realização de uma adoção é fundamental e, por isso, global, mas quando se fala em redes de apoio, os cenários alteram-se.

Numa breve pesquisa por “ajuda para adoção” em Portugal e Brasil, no motor de pesquisa do Google, deparamo-nos com dois cenários distintos.



Foi nesta primeira etapa que nos deparamos com o problema base que levou a esta investigação: Os resultados a aparecer no topo da pesquisa, no caso português, são uma associação que tudo indica já não se encontrar em funcionamento; um segmento da Segurança Social sobre o subsídio de adoção e um guia de adoção em Portugal no website do Governo português.

No caso brasileiro, os resultado pertencem maioritariamente à Associação Nacional de grupos de apoio à adoção no Brasil (ANGAAD), e novamente um resultado da mesma associação portuguesa: Bem me queres.

A discrepância assenta na ausência de associações especializadas na adoção, e da disposição clara de informação sobre o tema, no caso português. Afinal, como é que alguém se prepara para ser um adotante em Portugal?

Para melhor perceber esta questão, falámos com quem a enfrentou diretamente.

A entrada no processo

Margarida e Paulo estão a tentar adotar há mais de seis anos, em Portugal. Candidataram-se pela Segurança Social, que juntamente com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, é o órgão dirigente dos processos de adoção em Portugal.


Fonte: Instituto Segurança Social, I.P

No processo de adoção em Portugal os candidatos podem esperar até seis meses pela avaliação da candidatura, sendo este o prazo máximo previsto pela lei. No caso da Margarida e do Paulo, um casal da Margem Sul, em Lisboa, a espera foi de 4 meses e 20 dias: “Nós submetemos a candidatura a 7 de abril de 2015, o certificado de seleção da candidatura de adotante chegou a 27 de agosto de 2015 e tivemos a notificação da candidatura a 10 de setembro de 2015”. Mas não contavam com os seis anos de espera que se seguiram.

“Os anos passam. Como é que vai ser? Vão me dar uma criança quando eu andar de bengala, é isso?”

Até ao momento o Paulo e Margarida não tiveram qualquer tipo de contacto com nenhuma criança em situação de adotabilidade e já não recebem avisos da Segurança Social há algum tempo. Por isso, procuraram outras alternativas que pudessem facilitar o processo, nomeadamente a adoção internacional. Foi então que encontraram a Bem Me Queres- Associação de Apoio à Adoção de Crianças, a mesma que aparecia em primeiro lugar nas pesquisas do Google. No entanto, após inúmeras tentativas de contacto, o casal nunca obteve qualquer resposta por parte deste organismo.



Enquanto o casal não consegue passar para a próxima fase do processo, resta-lhes apenas esperar, conquanto que o ânimo é cada vez menor, pois “A resposta é sempre a mesma, têm tudo muito demorado. A resposta que eles nos dão sempre é que têm mais candidatos do que crianças, mas eu não concordo de todo!”, desabafa Margarida.

Os factos não são claros. Após uma pesquisa sobre o número de crianças em acolhimento em Portugal, chegámos à conclusão de que há uma grande incoerência entre os números disponíveis no portal de estatísticas PORDATA e os que constam nos relatórios da Segurança Social. Enquanto que o PORDATA revela que em 2019 não houve crianças com menos de 12 anos  em centros de acolhimento a nível nacional, a estatística da Segurança Social mostra que houve 2004 crianças com menos de 12 anos nesse mesmo ano.



Associação onde Lucia é coordenadora (imagem pela entrevistada)

No Brasil, a preparação é bem diferente. Lucia Carvalho começou o seu processo de adoção em 2005. Nessa época, conta, não havia tanta informação como há hoje, o que a levou a ajudar a fundar um grupo de apoio à adoção, que hoje em dia se tornou num passo obrigatório no país.

Para que uma pessoa possa adotar, o primeiro passo é dirigir-se à vara da infância e da juventude. O ministério público irá verificar toda documentação e eventualmente chamar o(s) candidato(s) para um estudo psicológico e social, que terá de condizer com o perfil da criança escolhida.

A Vara é um órgão do poder judiciário estadual brasileiro que julga causas de interesse das crianças e adolescentes em situação de risco e dos procedimentos de apuração de atos infracionais cometidos por adolescentes. Processam ainda, os pedidos de colocação em família substituta, como a adoção. São regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (fonte: ECA)

É nesta altura que os candidatos são encaminhados para os grupos de apoio. Esta rede de apoio é o principal elemento diferenciador dos processos entre Portugal e Brasil. Pertence a ONG’s e funcionam em parceria com o sistema judicial do Brasil. Lá, os candidatos são assessorados durante as três fases da adoção, através de um curso de preparação à adoção e, mais tarde, reuniões para partilha de experiências.

Lá (nas reuniões dos grupos de apoio), os pais vão conhecer as características e dificuldades do processo de adoção, a chegada da criança, as mudanças e demandas que essas crianças trazem ao lar…. Tem que se mudar o paradigma de que essas crianças são folhas em branco. Elas não são, elas trazem uma história e é necessário que o casal seja apoiado para entender e aceitar essa história.

Lucia Carvalho

Uma vez que o curso de preparação é concluído, os candidatos estão aptos a visitar um abrigo, onde têm a oportunidade de conhecer crianças em situação de adoptabilidade. A possibilidade do contacto com as crianças permite uma conexão emocional, que no caso de Wagner e Viviane, mudou o rumo do processo que o casal estava a seguir.

O perfil inicial para o filho escolhido pelo casal era uma criança de 2 a 6 anos saudável.

Após frequentarem diversas palestras, irem a abrigos e concluírem o curso obrigatório proposto pelo grupo de apoio, o casal encantou-se por dois irmãos adolescentes negros, o que era totalmente fora do perfil pretendido inicialmente. A aproximação entre os jovens e os candidatos à adoção não tardou e, na terceira ida, não hesitaram e pediram a alteração do perfil e adoção dos meninos.

Quando a adoção é aprovada, o processo vai a tribunal, com um prazo total de 120 dias, e caso não seja habilitado, há a possibilidade de recorrer.


Viviane conta que a experiência obtida através do grupo de apoio à adoção “desmistificou a realização do filho ideal”.

Fotografia cedida pelos entrevistados

A oficialização da adoção

A experiência vivida pelo casal Viviane e Wagner é um cenário impossível em Portugal. Glória e Manuel souberam da possibilidade de haver uma criança para eles através de uma chamada telefónica da Segurança Social, e a primeira vez que a viram foi por uma fotografia. Durante os cinco anos de espera, não contactaram com uma única criança nem foram contactados.


Fonte: Instituto da Segurança Social, I.P

“Quando a vimos, dissemos logo que a queríamos”

Manuel, Lara e Glória (fotografia cedida pelos entrevistados

Conheceram a futura filha numa segunda-feira e na quarta ela já foi morar com eles. “Ela adaptou-se muito rápido”, conta Glória, com emoção. Inclusive, refere que a menina nunca referiu o nome de ninguém do colégio: “parece que apagou aquela fase da memória”.

Passados três meses, a Segurança Social foi a casa do casal para averiguar como estava a correr a adaptação. Depois disso, nunca mais. Para a oficialização, foram precisos só mais três meses. “Correu tudo bem, não me arrependo de nada do que fiz.”

O pós-adoção

Assim que é dado como terminado o processo de adoção, entramos na terceira fase: a pós-adoção. É neste período que o candidato, agora pai, se precisar de apoio pós adoção, terá que o solicitar. Assim que o processo de adoção é dado como concluído em Tribunal, o acompanhamento obrigatório é concluído. Ainda assim, em Portugal, as únicas redes de apoio pós-adoção que existem são a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia. 

“Ela praticamente foi entregue, e não quiseram saber de mais nada”

Manuel Leitão

Em contrapartida, no caso brasileiro, existe a possibilidade de dar continuidade à presença nos grupos de apoio.

“Só sai do quintal quem desejar, se não pode ficar a vida inteira no quintal. Não tem um início, meio e fim. Você tem todo o apoio, todo o atendimento da equipe do Quintal sempre que desejar.”

Stella Gigante – assitente social

É o caso de Margarida e Inah. O casal brasileiro adotou uma menina em 2016 e em 2018 mudaram-se para Portugal. No novo país, não encontraram uma rede de apoio à adoção da qual pudessem fazer parte. Voltaram apenas em 2020, após a pandemia ter obrigado a que as reuniões fossem realizadas online.


“O Pós- adoção é um suporte que tivemos, que no início principalmente foi super necessário e agora quando participamos é muito bom.”

Margarida e Inah (fotografia cedida pelas entrevistadas)

O #infomedia teve a oportunidade de participar na Roda de Mães, um dos grupos de apoio à adoção no Brasil, via Zoom. A reunião contou com cerca de 40 famílias, em diferentes fases do processo.

Claudia, Eliana e Lucia são as organizadoras e moderadoras, e promovem a partilha entre as pessoas presentes. Na sessão, há quatro mães escolhidas para participar ativamente na reunião, a quem são feitas perguntas sobre a maternidade, tais como: Há quanto tempo você é mãe?; Foi uma maternidade planeada ou de repente aconteceu?; Qual foi o impacto ou efeito na vida pessoal e na vida do casal com a chegada do filho?

As respostas são vastas. Há quem seja mãe há anos ou há meses, quem seja mãe biológica e adotiva, e quem tenha adotado crianças recém-nascidas ou adolescentes.

No final, dá-se a surpresa de que uma das mães ativas na conversa, afinal não era mãe adotiva, mas biológica. Os participantes foram desafiá-los a identificá-la. Após uma reflexão sobre expectativas, desafios e superação, a Lúcia termina a sessão sugerindo que os casais busquem uns pelos outros para que se possam unir. A reunião termina, num ambiente de alegria e esperança.


Esta investigação baseou-se numa premissa basilar “Como são as redes de apoio à adoção em Portugal e no Brasil?” Ficamos a conhecer histórias bastante distintas, umas de sucesso e outras que não correram como esperado.

A verdade é que, em todas elas, as redes de apoio mostraram-se ser uma fonte de esperança e conhecimento, para quem tem a intenção de adotar, que, por muitas vezes se encontra em momentos de fragilidade. Os processos são longos, mas mais acessíveis quando se tem o apoio de quem é mais experiente.