Redes sociais: uma mistura de falsas sensações

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Redes sociais: uma mistura de falsas sensações

[Texto de José Jesus e Pedro Silva]

Problemas de costas e articulações, depressões, isolamentos sociais e a nomofobia são alguns dos muitos transtornos, demonstrados pelos mais jovens, cada vez mais submersos no mundo das redes digitais.

O relógio marca 16h e as coordenadas indicam que estamos na Praça de Parada Leitão, no centro do Porto. Ao nosso redor, no Café Piolho, inúmeros estudantes fazem um esforço para passarem aos últimos obstáculos deste semestre. O ambiente, fortemente marcado por risadas e sons de alertas digitais, é demonstrativo de uma juventude apegada aos dispositivos tecnológicos. Numa mesa, para onde nos dirigimos, encontram-se dois jovens na casa dos 20, em situações antagónicas, relativamente ao uso das tecnologias e, em especial, das redes sociais.

Fábio Sousa, apresenta-se como um utilizador e defensor acérrimo das redes sociais. O Instagram, o TikTok e o Twitter fazem parte da vida deste jovem, onde é capaz de “falar com os amigos, ver fotos, partilhar conteúdos e atualizar-se em diversos assuntos”. O “Insta”, termo com que se refere à aplicação Instagram, acaba por ser a rede que mais se identifica, onde passa cerca de três horas do seu dia. Fábio acaba mesmo por afirmar que as redes sociais “estão cada vez mais presentes”, ainda que num período tão preenchido da sua vida.

[Fotografia: Tripadvisor]

As redes sociais são um problema, para algumas pessoas, dependendo da forma como se entregam a estas redes. Ainda assim, não acho que seja um problema globalizado.

Fábio Sousa

Já Mariana Pereira apresenta o “outro lado da moeda”, situações mais graves que podem ocorrer a utilizadores de redes sociais. Outrora utilizadora frequente de redes como o Twitter e o Instagram, hoje só se revê no Facebook para fins “comunicativos”. Ainda durante o primeiro confinamento, em abril de 2020, e após um tweet que considera “mal conseguido”, Mariana foi alvo de injúrias que se propagaram para outras aplicações. Assim, resolveu desenvencilhar-se das amarras sociais que servem como disseminação de uma “cultura de cancelamento”, sentindo-se melhor consigo mesma.

Sinto-me livre, sem a obsessão de estar constantemente online, a publicar e a ver o que os outros publicam.

Mariana Pereira

Embora não assumam problemas de dependência, estes dois jovens referiram e evidenciaram comportamentos suscetíveis de análise. Tanto Fábio como Mariana sofreram, e ainda sofrem, de graves danos a nível físico e psicológico, tais como dores de costas e articulações devido à postura errônea, tendinites, instabilidade emocional e desregulamento do sono. Contudo, a dependência em redes sociais pode levar a problemas mais graves, como a Nomofobia.

Transtornos físicos e mentais

Quando falamos em vícios, temos sempre presentes causas e consequências que surgem em indivíduos que manifestam tais dependências. Um vício pode ser caracterizado como uma obsessão por algo, que abrange diversas pessoas e faixas etárias, interferindo com o normal funcionamento do nosso corpo, tanto a nível psicológico, biológico e relacional. O grau de vulnerabilidade a que somos sujeitos, e que pode levar a múltiplos problemas de consumo, não é sempre constante. Este depende da personalidade e características inatas do indivíduo, das dimensões do objeto que causa dependência e do ambiente sociocultural, durante a tenra idade.

Em 2018, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou o “distúrbio dos jogos online” na lista de doenças classificadas como perturbações do foro mental, sendo incluído na 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças da OMS . Este foi o primeiro passo no combate à dependência da Internet, abrindo uma nova perspetiva em relação às redes sociais.

As dependências comumente conhecidas, álcool e drogas, causam transtornos a nível físico bastante evidentes. Os vómitos, os tremores e as ressacas constantes fazem parte da vida dos dependentes destas substâncias, ficando fisicamente abalados, permitindo a perceção da sua situação, pelas suas famílias e amigos. Já o vício das redes sociais é uma dependência silenciosa, onde os seus efeitos, mais a nível cognitivo do que físico, são evidenciados de forma mais discreta e demorada.

As boas sensações, provenientes de likes e comentários nas redes sociais, oferecem uma sensação de recompensa semelhante à oferecida por outras substâncias aditivas. Numa fase mais avançada, “são constantes as depressões e ataques de ansiedade, fruto da desilusão e do insucesso face aos seus semelhantes”, como sublinha Ivone Patrão, psicóloga e docente no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas.

[Fotografia: iStock]

Um jovem que evidencie comportamentos de dependência digital demonstra “um maior desinteresse e irritabilidade, privação do sono e um maior cansaço durante o dia, dificuldades de concentração e a diminuição do rendimento escolar, ganho e perda de peso óbvias, inatividade física, e em casos mais graves, uma maior agressividade quando privado do mundo digital”, sublinha a psicóloga.

Para além destes tipos de problemas, existem as questões mais corporais. Os jovens, passam grande parte dos seus dias em frente ao ecrã, dando origem a distúrbios corporais. As mudanças bruscas de postura, que muitas das vezes não é a correta, acarreta problemas articulares, a nível das mãos, braços, ombros, pescoço e costas. No entanto, os dedos são os mais lesados com o uso excessivo destes equipamentos, seja para enviar mensagens, para jogar jogos online, ou simplesmente segurar no dispositivo. Sensações de dormência, de latejo e, muitas das vezes de dor, podem ser sinais de inflamações dos tendões, uma tendinite.

Os jovens, até aos 24 anos de idade, como refere a psicóloga, cresceram num mundo marcado pelo desenvolvimento tecnológico, e pelo crescimento exponencial do uso de redes sociais. As rápidas alterações de humor e comportamentos são notórias quando não conseguem um rápido acesso a estes meios de comunicação, como indicou Mariana. Segundo a mesma, o stress acumulado surge como “um empecilho” às tarefas diárias, fazendo decair o seu rendimento escolar e social. Em casos mais extremos, existe uma rápida mobilização, em prol da resolução de problemas, de forma a manter as relações sociais com outros jovens. A este receio constante pela perda de conectividade dá-se o nome de Nomofobia.

nomofobia

no.mo.fo.bi.a

nome feminino

receio exagerado e inexplicável de ficar incontactável por não se ter um telemóvel ou dispositivos semelhantes para comunicar

Esta é uma característica visível nas faixas etárias mais jovens, tanto em escolas como restaurantes. Como percetível durante a conversa com Fábio, por norma, existe a necessidade de manter o telemóvel por perto, estando sempre contactáveis e “atentos ao mundo”. Este transtorno apresenta-se, cada vez mais, como um problema cognitivo presente nas novas gerações, muito caracterizado pelo “toque fantasma”, ou seja, pela perceção errónea de receção de notificações e chamadas.  

Consumo abusivo de Redes Sociais

O Facebook, o Twitter e o Instagram têm uma grande macha de utilizadores, o seu acesso é gratuito e bastante acessível, demonstrando as fisionomias ideais para a propagação do vício social. Mas que efeitos esta dependência pode causar, quando manifestada ainda durante a fase da adolescência? Em conversa com Judite Pinheiro, Psicóloga no Agrupamento de Escolas de Canedo, conseguimos ter uma maior perceção sobre este problema.

A opinião que os outros detêm sobre nós, destaca-se como principal preocupação dos utilizadores destes meios de socialização. “As redes sociais provocam uma sensação de satisfação aos seus utilizadores, não só através dos famosos likes, preenchendo a carência e as necessidades emocionais característicos desta faixa etária”, sublinha a psicóloga.

Estas redes podem apresentar efeitos reversos, como uma baixa autoestima, a falta de afeto, a insatisfação pessoal e, em caos mais graves, depressão e ansiedade.

Judite Pinheiro

Em média, um jovem português despende grande parte do seu tempo semanal online. Os dados foram apresentados pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, no seu Dossier Temático de 2019.   Assim, em 2019, um jovem do ensino básico passaria duas horas por semana, no online, um jovem do ensino secundário passaria seis horas, e um jovem universitário 42 horas. Estes números tendem a ter um maior aumento, com a chegada da pandemia Covid-19, e os sucessivos confinamentos.

Já o Instituto Nacional de Estatística verificou que, tendo mais de 15 anos, 70% dos jovens portugueses usavam redes sociais, em 2014. Destes, 98% dos jovens que usavam redes sociais tinham perfil no Facebook, rede social mais utilizada à data. Estes números podem ser explicados devido à pressão intrínseca dos jovens para estarem sempre disponíveis, acabando por passar demasiado tempo a navegar pelas redes sociais, fomentando uma relação de dependência.

Um estudo transversal, realizado por Igor Pantic e publicado no seu trabalho “Online Social Networking and Mental Health”, teve como foco diversos países europeus como: Grécia, Espanha, Polónia, Holanda, Roménia e Islândia. Nestes países foram inquiridos 10930 adolescentes, permitindo entender e tirar conclusões do uso das redes sociais. O uso destas redes por mais de duas horas por dias, nestes jovens, está diretamente ligado a problemas sociais e à diminuição do desempenho em atividades académicas.

O que se inicia como forma de entretenimento, rapidamente ganha um tom patológico. Na adolescência, fase de grandes desenvolvimentos emocionais, existe uma maior suscetibilidade para iniciar comportamentos de risco, devido a três grandes motivos: a tendência para serem impulsivos, a necessidade de se reafirmar num grupo e a expectativa de deter uma maior influência social, como refere a psicóloga. O isolamento social, e o consequente descarte de hobbies e interesses anteriores, é um dos muitos sinais de possível dependência.

Segurança acima de tudo

A fronteira entre o real e o digital é muito ténue, mas são diversos os comportamentos que nos permitem identificar uma situação de abuso e dependência. “O nervosismo e a impaciência quando não se tem acesso ao telemóvel ou a estas redes é o principal fator que nos permite perceber o desequilíbrio que existe”, reforça Ivone Patrão. Contudo, existem fatores menores que também fornecem esse tipo de indicação.

Quando consultamos as nossas redes sociais antes de dormir, e depois de acordar, e “a consequente vontade de partilhar tudo o que nos acontece na vida”, como explana Fábio, podem ser graves sinais de dependência emocional.

É necessário alertar para possíveis sinais de situações de consumo abusivo, de modo a fazer frente a esta onda crescente de dependência social.

Ivone Patrão

Uma onda de crime informático tem emergido, fazendo-se valer desta população jovem mais vulnerável. Apenas à distância de um clique, estamos sujeitos a comportamentos nefastos que podem comprometer o nosso bem-estar físico e psicológico. O cyberbullying está cada vez mais presente nas redes sociais, sendo um dos principais problemas da era digital, o qual Mariana “sentiu na pele”. “Já tive muitos momentos maus na vida, mas esse entra facilmente para um dos piores”, sublinha Mariana Pereira.

Segundo a UNICEF, o cyberbullying é um novo tipo de bullying, realizado através dos meios digitais, que pode ocorrer em redes sociais, plataformas de mensagens e jogos online. Este tipo de comportamento visa assustar e enfurecer as suas vítimas, levando-as a exercer comportamentos nefastos à sua saúde.

Assim, e apesar das redes sociais serem uma ferramenta de comunicação, estas “retiram-nos elementos fundamentais do processo comunicativo”, refere Judite Pinheiro. A falta de interação e ambientação social acaba por levar a uma superficialidade nas relações interpessoais, que em casos mais graves pode causar uma dificuldade em estabelecer relações sociais, e mais tarde, a um isolamento do mundo.

Tendo em conta esta reportagem, o #infomedia realizou um inquérito nas redes sociais de modo a tentar perceber o nível de dependência nestas redes, e o conhecimento dos seus problemas. Este inquérito contou com a participação de 69 pessoas.

Resultados

Pedro Silva

Olá, sou o Pedro Silva, tenho 20 anos e sou estudante de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto. Sendo colaborador do #Infomedia, na editoria Geração Z, a escrita foi algo que sempre me fascinou desde tenra idade. Assim, vejo no jornalismo uma forma de desenvolver esta minha paixão, tornando-a na minha profissão.