Bairro da Matriz: tradições poveiras requalificadas
- Nuno Goncalves
- 22/01/2021
- Atualidade Grande Reportagem Portugal
A requalificação do bairro da Matriz na Póvoa de Varzim oferece um aumento no nível de conforto, como também facilita a vida aos moradores. A recuperação do bairro está avaliada em mais de 2 milhões de euros. O projeto pretende valorizar o património e contribuir para a qualidade de vida dos poveiros. Iniciadas em 2019, as obras encontram-se perto do fim. Maria das Dores, de 89 anos vive há quase 50 anos numa das ruas mais emblemáticas e antigas do bairro da Matriz, rua Madre Deus. Acompanhando as obras de requalificação sempre de muito perto, Maria sente-se satisfeita com o trabalho urbano desenvolvido no bairro até agora. Da mesma forma, Maria Mieiro de 21 anos nascida e criada naquelas ruelas chama atenção para uma obra que valoriza o património da cidade.
Mais concretamente, o projeto visa a reabilitação do espaço público do bairro com a qualificação de todos os pavimentos, habitações e espaços verdes. Como também facilita a mobilidade a pé ou de bicicleta em detrimento do automóvel.
De acordo com o site da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, o bairro da Matriz é onde está concentrado a maior parte do património classificado da cidade com ruas repletas de pormenores do passado.
Antigo. Contemporâneo. Antigo no contemporâneo. Ao deambular pelas ruelas estreitas do Bairro da Matriz, na Póvoa de Varzim observa-se uma junção de eras em cada casa. Do lado de fora, enquanto se ouve as máquinas a trabalharem no interior de algumas casas, vê se história em cada detalhe de azulejo da fachada ferida. Parece que contam memórias.
São quatro da tarde e o sino toca. O sol paira fazendo evidenciar as rugas na cara das pessoas que ali vivem. Constata-se cansaço e sabedoria de quem aqui já perdura há muito tempo. São os antigos que ali mais passeiam, convivem e rezam.
Rua Madre de Deus. Estreita, sombria e despovoada. Uma rua histórica no meio de outras tantas. Mas é ali, ajudado por um gato preto abandonado, que saí de rompante de uma casa em ruínas em direção a uma sombra que deixa um prato cheio de restos de comida à porta, que se conhece Maria dos Santos. Vive com o filho mais velho e a neta. Cozinha todos os dias – almoço e jantar- para ambos. O ato de bondade ao alimentar o gato, a preocupação para com que comesse tudo que estava no prato e a simpatia do “Boa tarde, jovem” fizeram me querer saber o que aqueles olhos verdes veem daquele bairro reabilitado. “Acho bem”, atirou, quando questionada sobre o que achava sobre as obras de requalificação urbana ainda não concluídas no bairro da Matriz. “Isto não era assim, era muito pior”, continuou. Relembrando o desgaste e o perigo da rua antes das obras. “Era mais antigo, os passeios eram antigos, agora está bem”, repetiu. Ali, as palavras simples soavam de maneira diferente. Eram um poço de sabedoria e vida de alguém que viu as primeiras pedras graníticas serem postas na rua.
Em relação à reabilitação das casas antigas com o intuito de torná-las úteis e funcionais, preservando assim o património paisagístico da cidade, Maria dos Santos refere, de forma convicta e vincada, a opinião acerca do assunto. “Acho muito bem. É uma coisa boa o antigo ser deixado nas casas. É bonito.” Comparando com o trabalho feito na parte Norte da cidade poveira, a moradora do bairro vê duas cidades diferentes. “A parte Norte tem muitos prédios, e muitos deles feios. É uma confusão. Aqui é bem mais sossegado”, explicou.
Antes de ir embora e perante o medo e desconfiança das pessoas da Matriz aquando uma abordagem de um simples boa tarde, Maria dos Santos pede para esperar cerca de 15 minutos, – tempo da neta chegar a casa com as compras – porque Maria, sua neta, poderá responder a algumas perguntas. Com copo de água na mão fala-se sobre o tempo frio e novamente sobre o bairro. A neta chegou.
É sentada no remodelado largo, perto da Rua dos Gaios, um dos muitos espaços restaurados do bairro, que a neta Maria Mieiro de olhos verdes como a avó, opina. Acompanhada com o barulho das gaivotas e dos pneus dos carros na pedra cinzenta gasta, a jovem comenta a impacto das obras de requalificação naquelas ruas. “As obras vieram só melhorar a vida dos moradores, este largo em que estamos era uma estrada e agora tem banquinhos, onde estou aqui sentada. Os passeios são mais largos”, atira, referindo também que a construção de mais passeios veio facilitar a circulação pedonal dos moradores, nomeadamente da avó de 89 anos.” A minha avó que tem 89 anos pode caminhar muito melhor pelo bairro e acho que de uma maneira geral veio melhorar a vida não só dos mais novos como também dos mais velhos.”, conclui.
Agora ouve-se o coro da igreja. As gaivotas desapareceram. Os carros descansam. Maria fala sobre a valorização do património e de como isso é importante para um bairro tão histórico.” Acho que isso já não é um assunto que se devia falar só agora. Acho que devia ter sido sempre preservado e acho que de uma maneira geral isso tem sido feito. Esta fachada que temos aqui nota-se que é uma casa restaurada e que a fachada foi mantida.”, aponta a jovem com o telemóvel para a habitação. Continua, ” Acho que é manter a identidade de um bairro e a identidade de uma cidade porque são casas com muitos anos que não devem ser destruídas e passarmos a ser um Mundo totalmente moderno. Temos de manter também o que é antigo”.
Segundo o jornal poveiro MAIS/Semanário, no dia 7 de Agosto de 2018, o presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim falou aos jornalistas no final de uma sessão de reunião do executivo onde tinha sido aprovado o projeto de requalificação do bairro da Matriz. “É uma obra…de recuperação de todo o casco histórico da Matriz. Tem por objetivo a requalificação de todos os arruamentos envolventes e a transformação ser grande parte dos arruamentos que lá estão em arruamentos pedonais ou de acesso condicionado a moradores,(…)”, atirou. As palavras da avó e neta sustentam esta tese e tornam as palavras do presidente poveiro numa realidade atual. Um dos objetivos também é trazer mais pessoas para o bairro. “Fazer com que possa haver mais gente a viver no centro histórico”, alertando que não adianta haver recuperação dos arruamentos se no mesmo seguimento não houver recuperação dos edifícios. Está quase no fim, mas o trabalho de requalificação do bairro da Matriz ainda não acabou.
Rua das Lavadeiras. O antigo prevalece.