Rita Vilarinho: “Sinto que esta nova direção apoia mais a cultura.”

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Rita Vilarinho: “Sinto que esta nova direção apoia mais a cultura.”

Longe da ribalta de outrora, a Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda vai fazendo os possíveis para manter a cultura e a convivência vivas. Na zona de Campanhã, todos conhecem o grupo de dança dos Marigolds Kids. Pela voz das coordenadoras, coreógrafas e dançarinas, a sobrevivência de um grupo que persegue o legado do passado. 

[Reportagem de Diogo Azevedo e Pedro Silva]

Mais um comboio chega à estação Porto-Campanhã. Quem aqui chega, pelo menos às quintas-feiras, logo se depara com um burburinho muito característico. Nos ouvidos entram as conversas, sejam famílias que finalmente se reencontram, sejam estudantes a voltar para casa.

Na reta final de tarde, o largo da estação, como é comummente conhecido por quem aqui mora, pinta-se com uma tonalidade diferente. Os taxistas, estacionados à esquerda do largo, preparam-se para voltar a casa, depois de um dia de trabalho como todos os outros. A euforia não é muita, já lá foram os tempos em que todos nós andávamos de táxi, de um lado para o outro. Ao atravessar a passadeira, os cafés e tascos, que há umas horas estavam repletos de vida, estão a encerrar. As mesas são recolhidas e as cadeiras empilhadas, num ritmo sofrido, de quem desespera por um merecido descanso.

É ao cruzar a esquina da conhecida cervejaria “O Astro”, ainda com o cheiro tentador a bifana, que a magia ressoa nas ruas. As correntes de ar, da Rua de Pinto Bessa, trazem consigo música que encanta tudo e todos. Os mais curiosos são atraídos para um caminho transversal. Ao subir a Travessa de Miraflor, marcada pelo desgaste e pelo tempo, encontramos uma janela aberta, a fonte de toda esta musicalidade. Esta janela faz parte do edifício da Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda.

Janela que dá som a Campanhã

Quem aqui entra depara-se com um bar estilo anos 80 do século XX, bilhares, uma máquina de tabaco e jogos de setas. Mas, o que realmente chama a atenção é um palco de madeira, com colunas e aparelhagens, e uma cortina própria para o suspense antes de uma atuação. Em frente a este palco, ao ritmo de uma música vibrante e a praticar uma complexa coreografia, encontram-se alguns jovens. Em Campanhã toda a gente conhece este grupo, os MK.

Marigolds Kids 

O cansaço é já visível nos rostos. O suor escorre pela face e molha a alcatifa que serve de “campo de treinos”, durante as preparações e ensaios para os espetáculos. A pausa acabou. Todos retomam às suas posições e aguardam pela contagem decrescente. Ana Sousa, coreógrafa e coordenadora deste grupo, é quem dá o sinal. Nascida e criada em Campanhã, bem perto de onde é hoje a Associação, está envolvida neste projeto desde a sua génese. Os elos familiares foram o íman que a atraíram para este espaço, onde conseguiu juntar o seu grupo de amigos com o seu amor pela dança. Em 2013, o grupo dos Marigolds Kids foi fundado. Já passou por altos e baixos e, hoje, quem o viu nascer e acompanhou de perto o seu crescimento, também foi vítima da passagem do tempo. Os miúdos tornaram-se graúdos e a vida fez com que se separassem.

Os MK surgiram de um grupo de amigas, que gostavam de dançar e que se juntaram. Entretanto, com o tempo, algumas seguiram caminhos diferentes, mas nunca deixamos acabar o nosso grupo.”

Ana Sousa, Coreógrafa
Ana Sousa, Coreógrafa

A Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda foi fundamental para a continuidade dos MK. Uma mudança na direção levou a que Filipe Lourenço assumisse o cargo de presidente. Para além de fornecerem o espaço para os treinos e ensaios, têm sempre um miminho para as crianças. Enquanto existir este espaço de expressão, as crianças de Campanhã poderão ser felizes. O bom ambiente que se vive no grupo foi, e continua a ser, o maior desejo de Ana.

“A associação passa a ser importante para a comunidade e para as crianças, ao terem um espaço onde possam passar bons momentos sem entrar em caminhos “que não devem”. É importante para a sua integração social tanto a nível pessoal como interpessoal.”

Ana Sousa, Coreógrafa

Tal como Ana, Rita Vilarinho também é coordenadora dos MK. Assumiu funções recentemente, está prestes a fazer um ano, mas desde pequena que está ligada ao mundo da dança. Parte importante na vida destes jovens, acredita que a união entre o grupo e a associação está a dar frutos. A pandemia foi uma das muitas dificuldades que tiveram que ultrapassar. No entanto, o grupo cresceu. Hoje, não é possível realizar espetáculos na Associação, o palco não tem espaço para tantos artistas.

“Neste momento, sinto que é o momento em que apoiam mais a cultura aqui na associação. Queremos fazer mais a nível cultural e sinto que temos o apoio para isso.”

Rita Vilarinho, Coordenadora

Os Mk já não passam despercebidos em Campanhã. O sucesso é óbvio e o futuro brilhante. Estes jovens veem os obstáculos como uma catapulta para o sucesso. O ambiente, e o desenvolvimento pessoal conjunto, tornam o grupo forte e, especialmente, feliz. Ana e Rita são essenciais para este sucesso e, ao nunca desistir dos seus sonhos, possibilitaram às crianças de uma das zonas mais desfavorecidas da cidade do Porto, sonharem com um futuro.

“Somos uma família”

O grupo já viveu momentos complicados. Pessoas vêm e pessoas vão, mas o espírito de entreajuda perdura para as próximas gerações. É o caso de Rafaela Sousa, uma das mais jovens na Associação, com 16 anos de idade. Os Mk entraram na sua vida há quatro anos mas, infelizmente, tem vindo a lidar com uma entorse no pé. A lesão acaba por ser apenas mais um obstáculo para Rafaela, que vê na dança “um refúgio para os seus problemas”, como refere. 

Com os olhos repletos de alegria, a jovem dançarina faz uma introspeção do passado e do futuro. Nascida em Bonjóia, não muito longe de Campanhã, agradece à “Bia”, que conhece “desde criança e lhe disse para se inscrever”, o facto de ter encontrado a sua paixão.  Adora o Carnaval, as festas de máscaras e as trocas de prendas no Natal. As artes performativas são a sua paixão, quando for grande sonha se formar e trabalhar na área. 

“Eu só danço aqui, mas gosto muito das artes performativas”

Rafaela Sousa, Dançarina

Quem tem boca vai a Roma. Este é um dos muitos provérbios portugueses mas, no caso de Rafaela, foi o que a fez conhecer a “Bia”. Beatriz Oliveira, também ela de 16 anos, foi quem deu a conhecer à sua amiga, a Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda e o grupo de dança em que estava inserida, os MK. Hoje, Beatriz mora longe de Campanhã. Urgências da vida fizeram com que tivesse de se mudar para Rio Tinto, mas “sempre viveu e cresceu aqui”. 

Com uma ligeira timidez no olhar, “Bia” relembra o que passou desde que entrou para o “seu” grupo. Jogos, como o jogo do Jorginho, sempre a fascinaram. Através desse tipo de jogo, os membros do grupo conhecem-se mais profundamente, formam boas amizades e ainda se caracterizam “uns dos outros”. A paixão pela dança, confessa, fez com que largasse outros desportos, embora sempre fique um pouco nervosa em cima do palco.

“Eu andava noutras atividades, como jiu-jitsu e taekwondo, só que eu ficava para lá a dançar no espelho. Então, eu percebi que a minha vocação não era lutar, sim dançar.”

Beatriz Oliveira, Dançarina

Os treinos são duros e desgastantes. No entanto, isso não é algo que desmotive quem sente esta alcatifa. Dependendo do calendário, e da frequência dos espetáculos, o grupo treina duas ou três vezes por semana. Felizmente, o número de praticantes tem vindo a aumentar. Aqui na zona, é rara a criança que nunca tenha vindo dar um pezinho de dança a Noêda. O espaço, todavia, não acompanhou o crescimento do grupo. Para uma melhor qualidade de treino, os jovens são divididos em duas metades, os mais novos e os mais velhos. Os mais novos são conhecidos como os MK Kids. 

Ana Sousa, de 23 anos, integra os dois grupos. Há seis anos, sentiu a necessidade de vir experimentar o mundo da dança e, em boa verdade, nunca mais saiu. Atualmente, a jovem dançarina é coreógrafa dos Kids. O dia em que recebeu a notícia ficará para sempre na sua memória. A diversão de estar em cima de um palco está sempre associada à exigência. O papel que assumiu, dentro do grupo, fez com que se tornasse mais responsável e um exemplo. 

“Ser um exemplo é muita responsabilidade. Tens de dar muito de ti!.”

Ana Sousa, Dançarina e Coreógrafa

A união faz a força. Ana acredita que o objetivo é, e sempre será, dançar para fazer as pessoas felizes. O grupo nasceu com esse intuito, e morrerá com ele. A associação é essencial para estas crianças. “Os miúdos”, como refere a coreógrafa, vêem na dança um escape do mundo real. Os problemas ficam sempre à porta, num lugar onde os pequenos gestos fazem toda a diferença.

Passagem de testemunho geracional  

Completamente desgastados, os dançarinos dos MK sentam-se onde conseguem arranjar lugar, no salão de jogos da associação, para poderem descansar. Catarina Lopes, uma das dançarinas, mora mesmo na rua acima da associação, a rua Pinto Bessa. A jovem de 22 anos, já dança nos MK desde os seus 13 ou 14 anos. Um dia, decidiu seguir o legado deixado pela sua irmã, que fazia parte do antigo grupo, as “Estrelinhas”. Uma década de diferença não importa no que toca às paixões. Ao ver a sua irmã, desde muito jovem que Catarina se apaixonou pela dança e pelo palco. 

Nascida e criada em Campanhã, desde sempre que conheceu a associação, “mesmo os meus pais frequentavam (a Associação) fora do grupo”, como refere a jovem. Portuense de corpo e alma, Catarina sempre gostou de dançar e a associação, com os seus apoios, permitiu que fosse possível continuar a seguir um dos seus sonhos. “Eu sempre fui muito ligada ao desporto, sempre fui ativa. Quando me disseram que voltaram a pegar no grupo, eu pensei… Olha, por que não!?”.

Na Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda, Catarina viveu e ainda guarda consigo os momentos mais engraçados da sua vida, especialmente durante os espetáculos com os risos e o nervosismo à flor da pele, com quedas para fora do palco à mistura . O espetáculo tem de continuar mas há momentos em que os sentimentos negativos impedem a festa do grupo. A jovem relembra alguns casos, em que a atuação teve mesmo que parar, “alguém enganar-se a meio do espetáculo, começar a chorar e depois fomos ver o vídeo, e nem se notar…”. No entanto, Catarina já cometeu pequenos lapsos em palco, que deram asas a risotas e piadas que perduram, até hoje.

“Já me aconteceu cair do palco, para trás da cortina e ninguém, no palco, me ver a cair. Mesmo as pessoas que, inclusive, estavam a dançar comigo não repararam.”

Catarina Lopes, Dançarina

Este legado não é caso único em Noêda. Mariana e Paulo são irmãos. Mariana adora ver o seu irmão a dançar, foi ele quem um dia a introduziu no mundo da dança, e por cá ficou. Embora Paulo dance no grupo dos “mais velhos”, como refere Mariana, todos se divertem com o abrir da cortina. Para além de querer seguir as passadas do irmão, no grupo, a jovem de apenas 10 anos sonha também vir a ser atriz, fotógrafa e youtuber. 

“São um grupo muito importante para mim!”

Mariana Silva, Dançarina dos Kids

A responsabilidade, por este amor incondicional pela dança, recai sobre o pai dos dois jovens. Paulo Silva não nasceu nem viveu perto de Campanhã. Aliás, só muito recentemente é que passou a cruzar a ponte, com mais frequência, Na casa dos seus 40 anos, acompanha religiosamente os seus filhos dentro do grupo dos MK. Embora confesse que nem sempre é fácil vir de Gaia, até esta zona da cidade, a alegria transmitida pelos seus filhos fá-lo esquecer esses constrangimentos. 

Paulo Silva, pai de Mariana

A Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda, como relata Paulo Silva, não tem “as maiores estruturas”, mas melhorou imenso, desde que assumiu uma nova direção. As crianças ganharam uma maior importância, sendo sempre “tratadas com carinho”, para quem aqui passa. Hoje, “os miúdos” começam a ser vistos de outra maneira. Para este pai, o futuro de Noêda passa muito por este grupo e, a nova direção formada por Filipe, tem tido um papel ativo nessa perseverança pelo futuro. 

“Eu acho que agora há mais abertura. Certos sócios, já começam a ver os miúdos de outra maneira. Com o Filipe, na direção, as coisas estão a mudar para melhor!”

Paulo Silva, pai de Mariana

As crianças de hoje são os adultos de amanhã. Desde isenção de horários de treino, a organizações de festas e eventos, e a “oferta de lanche” ao sábado, são várias as medidas que agradam quem está dentro, e fora do palco. Longe da ribalta de outrora, a Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda, como refere Paulo, é “parte da mobília da zona de Campanhã”, uma zona mais esquecida mas que promete recuperar a força do passado.  

Pedro Silva

Olá, sou o Pedro Silva, tenho 20 anos e sou estudante de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto. Sendo colaborador do #Infomedia, na editoria Geração Z, a escrita foi algo que sempre me fascinou desde tenra idade. Assim, vejo no jornalismo uma forma de desenvolver esta minha paixão, tornando-a na minha profissão.