Rodrigo Oliveira: “Foi nos Malmequeres onde vivi os momentos mais felizes da minha vida.”

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Rodrigo Oliveira: “Foi nos Malmequeres onde vivi os momentos mais felizes da minha vida.”

Sócio número nove da Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda, Rodrigo Oliveira recorda a parte da sua vida que lá foi vivida. Localizada em Campanhã, esta coletividade guarda as memórias de vida felizes daqueles que por lá passaram.

[Por Catarina Lemos e Matilde Silva]

Seguindo pela A20 em direção a São Roque, na freguesia de Campanhã, no Porto, chega-se à Praça da Corujeira. Do lado direito, está a junta de freguesia da Campanhã. No ar, identifica-se o cheiro característico de alcatrão molhado, juntamente com o ruído vindo da leve brisa do vento. Ali perto na rua Monte da Bela, no meio de casas antigas, destaca-se a grande moradia contemporânea, de muros altos, janelas grandes e portões evidenciados. 

Na parte de dentro está Rodrigo Oliveira, um senhor com um sorriso apelativo. De camisa azul-clara, colete escuro e calças de alfaiataria, segue caminho até à sala de estar da sua habitação. Senta-se no sofá, de frente para uma janela semiaberta e de cortinas arregaçadas e para uma pequena mesa de apoio de madeira escura.

Nascido no Marco de Canaveses, em 1946, Rodrigo Oliveira permaneceu lá até aos seus 10 anos de idade. Originário de Soalhães, durante poucos anos, frequentou uma escola, na pequena freguesia do município. Terminado o quarto ano de escolaridade, Rodrigo mudou-se para o Porto, sendo acolhido pela sua madrinha.

Durante os dois primeiros anos de estadia na sua nova morada, o marcuense de gema tirou um curso de cabeleireiro de mulheres e de homens e foi trabalhando nessa área, na Rua do Heroísmo, porta com porta com a antiga sede da PIDE, no Porto. Para além disso, trabalhou na área das artes. Seguindo atentamente o amigo Batista, “camera men do Cinema do Odeon”, ao cimo da Rua de Pinto Bessa, Rodrigo apaixonou-se pelo que por lá se fazia, “ia para lá ajudar, tinha habilidade para as pinturas, ia para lá pintar e o Batista era o que coordenava aquela coisa toda, era ele que nos ensinava.

Aos 14 anos, quatro após ter-se mudado para o Porto, foi apresentado à associação, onde passou mais de metade da sua vida. Foram os seus primos, com quem partilhava casa, que lhe deram a conhecer aquilo que viria ser uma parte fulcral no desenvolvimento da sua vida. Começou por uma simples partida de bilhar e acabou por se tornar uma rotina diária, à noite. Rodrigo caminhava da Rua de Pinto Bessa até à Rua de Miraflor, em direção à associação. A vida rotineira: café e amigos reunidos.

Na associação, eu tinha dois primos mais velhos, na casa da minha madrinha, e eles eram já sócios da associação e à noite iam para lá e levavam-me com eles, lá para o rancho.

Rodrigo Oliveira

Seguindo o rumo da conversa, imbuído nas memórias resgatadas, Rodrigo reforça a importância da associação para a comunidade e todas as gerações, passadas, presentes, ou futuras. Rasga um sorriso na sua face ao recordar-se de todos os momentos ali passados e o quanto marcaram e delinearam o seu futuro enquanto marido, pai e, mais tarde, avô e bisavô. São muitas as histórias contadas, mas todas elas encontram um elo comum, as ligações criadas entre todos os membros e a comunidade envolvente que por lá passava e se encantava. Ajeitando-se no sofá cinzento onde está sentado, fala sobre o associativismo e sobre as amizades para a vida criadas na associação.

Manteve ali sempre uma parte viva de gente que gosta do associativismo, aquela malta que criou elos de ligação com a associação e com muitos outros associados, que mantiveram essa vida também de acordo com a convivência que foram criando ao longo dos anos. Parecendo que não, isso cria laços de amizade muito fortes.

Rodrigo Oliveira

Para além dos laços de amizade, que ficaram marcados na vida de todos, não foram apenas esses que foram criados e permaneceram intactos, ao longo dos anos. Para além de Rodrigo, muitos mais membros da associação conheceram lá as pessoas com quem partilham a sua vida, diariamente. 

Nos Malmequeres há uma percentagem muito grande de rapaziada que casou dali, não fui só eu.”

De olhos postos na moldura pendurada na parede da sala, onde estão os seus netos e bisnetos retratados, o homem de 76 anos sorri, timidamente, recordando o dia em que conheceu a sua mulher e, anos mais tarde, nos filhos que criou juntamente com o amor da sua vida.

A sonhar acordado e com feições de menino de 14 anos, conta que foi no rancho da Associação dos Malmequeres onde conheceu a sua mulher. O rancho tem o poder de encantar os portugueses, pelas suas vestimentas próprias e música cativante. Com Rodrigo não houve exceção, muito pelo contrário. Para além de ter descoberto a sua paixão pelo rancho e pelas marchas, encontrou também, numa noite de ensaio, a mulher com quem iria passar o resto dos seus dias. Um ensaio de rancho interminável, que dura há mais de cinquenta anos. 

Uma das melhores memórias que tenho foi ter conhecido a minha mulher.

Rodrigo Oliveira

Ter conhecido a sua parceira foi o melhor prémio que o ex-presidente da Junta de Freguesia de Campanhã podia ter ganho, no entanto, as vitórias conseguidas no rancho da associação não ficaram muito atrás.

Eu comecei a gostar dos Malmequeres, por causa do bailarico.

A adrenalina é ainda sentida como se fosse hoje. As sobrancelhas franzem ao relembrar os duros treinos que tinham no rancho. As marchas eram a altura mais importante para a associação, onde demonstravam todo o trabalho de equipa e competiam contra outras casas. Com olhar pensativo, cabeça inclinada para cima e o sobrolho levantado, explica as noites passadas a ensaiar, no salão maior da sede, para que nada corresse mal. Não fossem eles os melhores e tivessem ganho por duas vezes as marchas populares.

Não só a associação ficava focada somente na época das marchas populares, como também toda a comunidade e população envolvente. O clima competitivo, mas ao mesmo tempo, amigável, era o misto de sensações mais agradável que todos os envolvidos alguma vez sentiram. Com um ligeiro sorriso de canto, dá uma pequena gargalhada e revela o “maior” rival dos Malmequeres, o rancho de Santa Marinha, em Gaia, liderado por José Guimarães.

Tal como o Rancho Folclórico é típica e unicamente português, também a saudade o é. Para além disso, os portuenses são também eles conhecidos pela intensidade com que sentem e vivenciam tudo o que os rodeia, pela forma como cuidam, protegem e gostam dos seus e por terem sempre “o coração na boca”, não havendo medo nem barreiras para falar abertamente e expressar os sentimentos tal como os sentem. 

Apesar de não ser portuense de berço, foi aqui que cresceu, passou grande parte da sua infância, toda a sua adolescência e onde se tornou um homem. Pela forma como conta, apaixonadamente, as suas histórias, consegue-se perceber que é nesta cidade que se encontra o seu eu verdadeiro e foi daqui que retirou a sua essência e forma de encarar a vida. 

Tenho uma mágoa muito grande de tanta malta que já desapareceu.” 

O olhar descai para as pernas, reflete-se a dor no seu semblante carregado ao pensar nas saudades que sente de ter todos os seus entes mais queridos juntos, nos convívios da associação, nas marchas, nos ensaios do rancho ou, até mesmo, nos trabalhos que partilharam em pintura.    

Expressa a sua tristeza, com a voz embargada, o desfortúnio de a vida os ter separado a todos, por circunstâncias da vida, fosse por se terem casado, por terem mudado de zona de residência ou, até mesmo, por terem falecido. 

A maior mágoa que carrega consigo é o facto de apenas conseguir estar com os amigos em funerais de entes queridos da associação. “Agora, onde eu encontro a maior parte deste pessoal é nos funerais.

Alguns dos sócios já partiram, por diversos motivos, e afirma-se que a geração de hoje é menos interessada neste tipo de projetos. A Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda já atingiu o seu apogeu e, hoje em dia, reivindica renovação. Apenas os filhos e os familiares de antigos sócios continuam a procurar a associação. No entanto, Rodrigo mostra confiança na recuperação desta associação que é tão importante para a comunidade envolvente, que sempre foi tão esquecida pelos demais.

Matilde Silva

Matilde Silva, 20 anos, natural de Leça da Palmeira. O gosto por novas línguas, culturas, costumes e leitura fez com que a comunicação surgisse como uma paixão e carreira a seguir. Estudante de terceiro ano em Ciências da Comunicação, na Universidade Lusófona do Porto, e colaboradora na editoria da “Geração Z” na plataforma #infomedia