Roupa em segunda mão: a sustentabilidade da indústria têxtil

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Roupa em segunda mão: a sustentabilidade da indústria têxtil

[Reportagem de: Ana Pascoal e Maria Châtillon]

A indústria têxtil é das indústrias mais poluentes. A sustentabilidade na moda ganhou um relevo considerável. A pandemia fez com que o hábito de compra dos consumidores mudasse.


De olhos postos na mãe, ainda muito pequenina, Sofia Couto sempre se habituou a doar roupa a quem mais precisa. Sabia que o fim de cada peça que estimou iria ter um final feliz junto de outra pessoa. 

A roupa era doada numa aldeia, juntamente com uma associação, Sofia Sá Couto via sempre onde iam parar as peças de roupa. Passaram-se alguns anos e a dinâmica já não foi a mesma, conta.

Sofia Sá Couto – criadora da loja online Born Again

Todos os anos, com a passagem do Verão para o Inverno a Sofia e a irmã faziam uma triagem de roupa. Foi então que a ideia de vender a roupa que não precisavam, surgiu numa plataforma online.

Os valores eram simbólicos, com o intuito de vender rápido e com utilidade, a indústria fast-fashion foca-se na acessibilidade monetária para a maioria dos consumidores, no ritmo constante da confeção de peças de roupa.

A indústria têxtil

Ao longo do tempo, Sofia Sá Couto teve cada vez mais interesse pelo tema da sustentabilidade e a importância que acarreta para o nosso planeta, mas para além das roupas em segunda mão era importante perceber o outro lado, o quê que a fast-fashion engloba? A questão da poluição é preocupante para Sofia Couto, mas há outro fator alarmante: a quantidade de pessoas que estão envolvidas na produção das peças e as condições em que o fazem.

“Há pessoas que estão a morrer todos os dias, a passar fome porque se não fizerem aquilo passam fome, há sítios que chegam a pagar 3 cêntimos por hora. Não pode ser aceitável saber que existem estas pessoas e nós continuarmos a contribuir para isto”

Sofia Sá Couto

O termo fast fashion refere-se a um modelo de criação, de distribuição e venda de peças de roupa baseado no consumo rápido. É um modelo de vendas pensado para colmatar a necessidade de procurar e comprar novas roupas dos consumidores, através de uma troca de coleções que se acabam por focar nos preços baixos e, consequentemente, na baixa qualidade dos produtos sem que se pense no estrago ambiental que possa estar a ser causado.

A questão do algodão é extremamente nociva para os ecossistemas terrestres porque é um dos maiores consumidores de pesticidas no mundo, utiliza cerca de 24% dos inseticidas e 11% de todos os pesticidas do planeta, gera assim a contaminação do solo e da água.

O documentário The True Cost lança o alerta sobre o uso de sementes geneticamente modificadas e de pesticidas: inicialmente consegue-se aumentar a produção e a plantação, mas a longo prazo os solos veem-se contaminados porque quantos mais químicos forem usados mais fortes vão precisar de ser para continuarem a exercer a função que têm.

A industria da moda é a maior a nível mundial, visto que a capacidade de produção é alta, e os custos são baixos.

A sustentabilidade

Sustentabilidade é uma co-relação entre o meio que estamos inseridos e a sociedade que neste se encontra.

Segundo a comissão Brundtland o termo desenvolvimento sustentável é a utilização de recursos naturais de forma a satisfazer as necessidades humanas conseguindo também preservar o meio ambiente.

O desenvolvimento sustentável deve possibilitar um crescimento económico, sem responsabilizar o meio ambiente e as igualdades sociais, de forma a garantir a qualidade de vida das gerações presentes e futuras, para isto tem de haver um equilíbrio entre o crescimento da população e as mudanças necessárias.

ODS 15º

No ODS 15º, é referida a importância da proteção da vida terrestre, ou seja, proteger os ecossistemas terrestres, combater a desertificação, desflorestação e preservar a água doce.

A sustentabilidade na indústria da moda

Na tese de mestrado – “A perceção do consumidor Millennial sobre a sustentabilidade das estratégias das marcas de moda” – a moda é um meio de liberdade de expressão, ao longo dos séculos, a sociedade em geral têm utilizado roupas e acessórios como forma de comunicação não-verbal para caracterizar a sua classe, riqueza, localidade, sexo ou ocupação.

Já autores como MacGillivray & Hann – 2003 – afirmam que na perspetiva do consumidor, a moda gira em torno da expressão de status, identidade e do meio sociocultural onde eles estão inseridos. surgem em função da mudança e interação social que faz com que os produtos de moda se tornem produtos de alta complexidade.

A empreendedora Sofia, refere ainda que há uma luta pela diferença e o vintage está cada vez mais na moda.

Contentor sustentável – Loja Humana

Segundo estes autores são muitas as razões que tornam as empresas mais sensíveis às questões ambientais e as incentiva a mudar, como: ter de cumprir com os padrões e regulamentações industriais, melhorar os seus produtos e processos de fabrico para minimizar a produção de resíduos, a pressão para oferecer produtos e serviços competitivos, a oportunidade que os produtos “verdes” proporcionam para atender as necessidades dos consumidores.

Os problemas ambientais tornaram-se ameaças ao equilíbrio das empresas, porque as contenções comerciais aos produtos e processos produtivos apontados ambientalmente como nocivos à sociedade e à natureza são elementos que também influenciam as empresas a se ajustarem às regulamentações ambientais.

A pandemia: a empregabilidade e as consequências

Uma das primeiras lojas, em segunda mão que a Sofia Sá Couto ajudou, estava prestes a fechar por causa da Covid-19. A pandemia originou uma série de crises nas várias esferas – na saúde, na política, social e na economia – mundialmente.

A indústria têxtil e do vestuário perdeu 18% da produção e 14% do volume de negócios em 2010. Quase 5.000 postos de emprego foram destruídos, o equivalente a uma perda de 4% em relação ao ano anterior.

Segundo os dados de 2008 e a Organização do Comércio a indústria têxtil é responsável por 9,3% dos trabalhadores do mundo e 4% das exportações mundiais. O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio – OMC – afirma que: “As projeções mais recentes sobre o impacto da pandemia predizem uma recessão acompanhada de perda de empregos pior do que a registada na crise financeira de há 12 anos”

As práticas de compras e a maneira como os consumidores justificam os padrões de consumo mudaram com a pandemia, em especial no campo da moda, em que os consumidores enfrentam um conflito entre o desejo – provocado pelas mudanças rápidas das tendências – e a diminuição do poder de compra. 

Na loja “Mão Esquerda Vintage”, na Rua da Alegria, Porto os clientes eram muito poucos, da parte da manhã o movimento era muito na rua, muitos pedestres passavam pela loja, mas poucos ou nenhuns entravam. A música, algumas chamadas recebidas, a cor das peças, a organização são aspetos que vão sobressaindo quando não há o movimento que antes havia. A loja é pequena, só permite a entrada de dois clientes de cada vez, o balcão tem uma proteção para que a distância seja mantida, há gel desinfetante.

À conversa com Cláudia Gomes – funcionária na loja Vintage quando os donos não estão – percebeu-se que a maioria das pessoas que entravam na loja eram turistas e isso confirmou-se, antes tinham entrado duas senhoras francesas. 

A 12 minutos a pé encontra a loja “Retro City” – Rua do Heroísmo – a rua só com carros a passar, o sol a incidir na fachada da entrada da loja, o balcão espaçoso visível após a entrada, Rick Lindse – o dono – e a loja vazia, sem clientes. 

“Estivemos fechados 5 meses no último ano e não foi fácil, temos alguns clientes fixos. A nossa loja não é a mais barata da cidade, aqui é mais a qualidade, é a loja que tem a maior variedade de peças, temos coisas mesmo vintage e esta qualidade é muito melhor do que hoje em dia é a produção de roupa.”

Rick Lindse

Práticas sustentáveis em Portugal: a compra em segunda mão

A “Mão esquerda” é apenas um exemplo.

 Em Portugal, as lojas Vintage e em segunda mão são cada vez mais e há cada vez mais público interessado – segundo o inquérito realizado possuem idades compreendidas entre 15 anos aos 80 anos –  na compra sustentável, mesmo com a crise que a Pandemia provocou. O género feminino é preponderante quer nas lojas Mão Esquerda, Retro City quer na loja da Sofia Sá Couto, Born Again.

 “Estou constantemente a lutar para que chegue ao público masculino, mas uma coisa é certa: os rapazes não usam metade da roupa que uma mulher tem no armário, por isso, têm um impacto muito menos negativo porque mesmo que comprem em Fast Fashion, compram muito menos, mas ainda assim têm a sua pegada.”

Sofia Sá Couto

Quer na generalidade do público que compra roupa em segunda mão. 

Análise inquérito

As razões variam para a escolha de comprar nestas lojas: ou é porque é mais barato, ou porque se preocupam com a forma como as peças são produzidas, preocupam-se com a poluição ou até porque as peças são mais bonitas. Quem não compra justifica: “Uso roupa em segunda mão, vinda de familiares. No entanto, quando comprada de desconhecidos torna-a mais desagradável. Parece demasiado íntimo”; “só compro o necessário porque os tamanhos mais pequenos são difíceis de encontrar”, “não gosto de roupa usada.”

Percebe-se na cara de Sofia Sá Couto a certeza com que vai afirmando as suas convicções.

Quanto às práticas sustentáveis, internacionalmente falando, existe a Zero Waste International Alliance”.  É um movimento internacional de instituições que desenvolvem os princípios do Lixo Zero no mundo, que implica a conservação de todos os recursos através da produção, do consumo, da reutilização e a recuperação de produtos.