Rotura de ligamentos: “O futebol nem sempre é um mar de rosas”

Voltar
Escreva o que procura e prima Enter
Rotura de ligamentos: “O futebol nem sempre é um mar de rosas”

A rotura do ligamento cruzado anterior do joelho é uma das lesões mais comuns no futebol e também das mais graves, podendo acabar com a carreira dos jogadores. Nelson Cruz, com 20 anos, jogador dos sub-23 do Coimbrões e Nuno Antunes, com 47 anos e ex-futebolista, sofreram esta lesão a treinar e a jogar, respetivamente. A rotura teve desfechos diferentes na carreira destes atletas.

Nelson em jogo no estádio do Arcozelo. Fotografia de Francisco Moreira.

As primeiras vezes que começou a jogar futebol foi na escola, aos 4 ou 5 anos, mas mais tarde, Nelson Cruz iniciou a sua carreira no Arcozelo, com 6 anos: “Foi onde aprendi o que era jogar futebol”. Aos 14, mudou-se para o Boavista, na cidade do Porto, para jogar no campeonato nacional de sub-15. Mas, passado pouco tempo, voltou ao Arcozelo, na cidade de Vila Nova de Gaia. Com 16 anos, Nelson transferiu-se para o Leixões, em Matosinhos: “Foi onde mais gostei de jogar e de conhecer as pessoas e história do clube, porque se trata de um clube com uma história e mística diferente”. O atleta também deve muito ao clube de Gaia, por ser onde tudo começou e, também, pelo que este significa para ele. A época no Leixões correu muito bem, o que possibilitou a ida para o Feirense, em Santa Maria da Feira, para jogar pelos sub-19, no campeonato nacional de juniores. “Foi um ano em que aprendi que o futebol nem sempre é um mar de rosas”, recorda. “Não me adaptei ao clube e às pessoas que o representavam, tendo sido esta a questão pela qual senti a necessidade de sair em janeiro”, afirma Nelson. “A nível de jogo tinha muitos minutos e com um papel importante na equipa, mas estava a perder a alegria de jogar futebol e decidi então que queria sair”. Nelson regressou, então, ao Leixões, para ajudar a equipa de Mário Ferreira, treinador que o acompanha atualmente, no Coimbrões, no concelho de Vila Nova de Gaia. Na época seguinte, sentiu que o sonho já não era alcançável e mudou-se para o Espinho, onde acabaria por fazer uma  rotura do ligamento cruzado anterior com fratura do menisco. “Foram muitas dores, muitas noites sem dormir, muito choro e muitas dificuldades”. Após a paragem e a recuperação de cerca de um ano, juntou-se de novo ao Coimbrões, clube que ainda hoje representa para jogar pela equipa de sub-23. Cruz afirma que foi um ano em que conseguiu recuperar o ritmo e a confiança. “Foi uma época difícil, em que tive muitos medos e muitas dores no início, em que o meu nível estava muito abaixo do habitual.”

Nuno Antunes. Fotografia cedida pelo atleta

Nuno Antunes: “Acabou ali”

Nuno Antunes, natural da freguesia de Vitória no Porto e ex-futebolista, começou a jogar com 12  anos no Gervide, no escalão infantil. Mais tarde, passou pelo Oliveira do Douro e voltou ao Gervide onde ficou até ao escalão sénior, tendo, entretanto, representado a seleção de Vila Nova de Gaia por dois anos. Após atingir o patamar sénior, Nuno fez uma paragem e, quando regressou, juntou-se ao Bom Pastor. Foi chamado à seleção do Porto e o Pasteleira contratou-o. Jogou lá por cinco anos e foi onde fraturou a tíbia e o perónio. Após os tempos na Pasteleira, Nuno Antunes foi para o Leça do Balio, no concelho de Matosinhos, onde esteve por dois anos. Depois, jogou mais dois anos no Futebol Popular de Espinho, onde fez a rotura do ligamento cruzado anterior que o impossibilitaria de voltar a jogar.

Nuno elege o clube da Pasteleira como aquele que mais o marcou, uma vez que foi onde jogou mais tempo. “Entrei como desconhecido e ganhei o meu lugar. Na altura era um clube satélite do Boavista e então tínhamos condições que ninguém tinha. Éramos uma família e eu marquei muitos golos”, recorda Antunes.

Nelson Cruz e Nuno Antunes,  com idades bastante diferentes e nunca se tendo cruzado no mundo do futebol, sofreram a rotura do ligamento cruzado anterior, em Espinho. Cruz no Sporting Clube de Espinho e Antunes no futebol popular de Espinho, no ronda.

Romper o ligamento cruzado anterior é um dos pesadelos dos atletas, porque, para além de os afastar dos relvados por longos períodos, esta lesão pode provocar artrose precoce do joelho, como indica a grande maioria da literatura médica. De acordo com uma pesquisa disponível no website do Futebol Clube Barcelona, em Espanha, feita pela revista British Journal of Sports Medicine em 2016, fazer esta lesão é 20 vezes mais comum em jogos do que em treinos, 98,6% dos atletas é sujeito a uma operação para reconstruir o ligamento e o tempo médio para recuperar é de cerca de 7 meses. Esta pesquisa também demonstra que, nos últimos 15 anos, não foi observado um decréscimo no número de rompimentos do ligamento cruzado anterior. Ou seja, continua a existir o mesmo número destas lesões no futebol de elite.

Esta degeneração pode variar muito de atleta para atleta, como é o caso de Nelson e de Nuno. Quando questionados sobre como fizeram a lesão, as suas respostas indicam contextos distintos. 

Nuno Antunes lesionou-se durante um jogo, no momento em que saltou para ganhar uma bola. Quando caiu, apenas com uma perna, sentiu uma dor muito forte devido à violência do movimento. Ainda assim, e apesar da dor e do inchaço manifestado, regressou à partida e ainda marcou golo. Só saiu ao intervalo, o que pode ter sido fatal.


Já Nelson Cruz recorda-se “perfeitamente do lance” em que sofreu a rotura. “Foi em treino, numa situação de jogo reduzido, em que a minha equipa estava desequilibrada”, recorda. “Eu dou um sprint para tentar bloquear um remate e, no momento em que mudo de direção para correr para trás, sinto que o joelho me fugiu.” O jogador considera que “possivelmente”, posicionou “mal o pé na relva”. Guarda, ainda, a memória dilacerante da dor. “Foi dos momentos mais dolorosos da minha vida. Chorei muito. Não conseguia andar e as dores eram mesmo muitas.”

Para além da forma como se dá a lesão, o tipo de tratamento também pode variar, sendo que o mais comum é realizar uma cirurgia para reconstruir o ligamento, tal como apurou a pesquisa de 2016 feita pela revista British Journal of Sports Medicine.

Enquanto que Nuno Antunes não foi operado, tendo apenas realizado meio ano de tratamento convencional, Nelson sofreu uma intervenção cirúrgica e realizou recuperação por fisioterapia após este processo, voltando a caminhar passados três  a quatro meses. Mas até voltar a jogar, demorou cerca de um ano. “A operação foi a pior parte, isto é, correu tudo pelo melhor, mas quando saio do recobro, passado duas horas, a anestesia deixou de fazer efeito e foi sem dúvida a pior noite da minha vida”, recorda. “Lembro-me que o meu pai ficou comigo no hospital nessa noite e foi mesmo muito complicado. Não dormi um minuto, não conseguia estar deitado. As dores eram mesmo muito grandes.”

Joelho de Nelson após a cirurgia. Fotografia cedida pelo atleta

Atualmente e passados dois anos, Nelson sente-se totalmente recuperado e com a confiança que apresentava antes da lesão, continuando a jogar sem problemas. Por outro lado, Nuno, que se lesionou com 35 anos e que não foi sujeito a cirurgia, não voltou a jogar futebol. Começou a praticar outros desportos, como ciclismo, padel, ténis e mais recentemente, crossfit. Afirma que sempre sentiu dores, mas mais recentemente, devido ao crossfit, os pesos utilizados destruíram-lhe a cartilagem que restava, devido ao facto de não existir ligamento. Mais recentemente, e após realizar uma ressonância magnética, informaram-no que provavelmente o futuro passa pela utilização de uma prótese e pela reconstrução do ligamento.

Por seu lado, Nelson, já a jogar a 100% nos sub-23 do Coimbrões, sente que o ano que esteve parado devido à lesão, bem como o ano seguinte em que começou a jogar, foram um atraso e que, se não fosse a lesão, a sua carreira poderia ter sido diferente.

Ele reflete sobre as dúvidas que o acometeram. “Porque é que te aconteceu a ti e não a outro? E sentes-te um pouco traído pelo futebol, que sempre foi o teu sonho desde miúdo e, em três segundos, ficas com o teu sonho destruído.” O jogador considera que “se tivesse feito uma boa época nesse ano” não estaria onde está atualmente. “Hoje já estaria num nível muito superior. No fundo é como se tivesse deitado dois anos fora, enquanto todos os outros aproveitaram esse tempo para se valorizarem.”

Nelson no Feirense. Fotografia cedida pelo atleta.

Vários jogadores profissionais também já sofreram uma rutura do ligamento cruzado anterior, como foi o caso de Roy Keane no Manchester United, de Radamel Falcão no Mónaco, de Zlatan Ibrahimovic no Manchester United, de Marco Reus no Borussia Dortmund, de Roberto Baggio no Vicenza, de Van Nistelrooy no PSV, de Del Piero na Juventus, de Xavi no Barcelona e mais recentemente, Virgil Van Dijk. O defesa central do Liverpool lesionou-se num jogo a contar para a Premier League, quando chocou com o guarda-redes do Everton, Pickford.

A rotura do ligamento cruzado anterior pode acabar com a carreira de um jogador de futebol, como foi o caso de Nuno Antunes e de muitos outros atletas, que jogam nos campeonatos inferiores. Felizmente, a contusão teve um desfecho diferente na carreira de Nelson Cruz que ainda persegue o sonho de ser jogador de futebol profissional.