Sé do Porto é uma história feita pelas pessoas
- Mariana Azevedo
- 14/07/2022
- Sem categoria
Sé do Porto. Um lado mais escuro e melancólico, que vai além dos monumentos coloridos da cidade do Porto. Aqui existe muita história. Não aquela que se lê nos livros, mas a que as paredes e as pessoas contam.
[Reportagem de Mariana Azevedo]
Sobe-se a Avenida Dom Afonso Henriques no Porto e, do lado direito, temos um dos principais e mais antigos monumentos de Portugal, a Sé do Porto. Para quem é mais atento, existe uma passagem que leva às casas que circundam a catedral.
Procuram-se histórias que tenham marcado os moradores. Carlos Bessa, ou Bessa para aqueles que o conhecem, é barbeiro, poeta e ex-presidente do Clube da Sé. Dedicou toda a sua vida à freguesia que o viu crescer. Desde guerras e banhos na Fonte da Passarinha, recorda uma infância “linda, cheia de coisas maravilhosas”. “Em miúdo, e eu fui um deles, vínhamos aqui nadar, aparecia a polícia, levava-nos a roupa e tínhamos de ir de cuecas para casa.”
Andávamos à guerra. Havia imensa rivalidade entre as pessoas da Sé e as pessoas da Ribeira, duas freguesias irmãs. Eu passava na Ribeira para ir visitar um tio. Passava cheio de medo entre os arcos para ninguém me ver, pois quando nos viam o que é que eles faziam? Pegavam em nós pelos braços, com 7/8 anos, atiravam-nos ao rio. Mas depois iam-nos lá buscar, é claro!”
Carlos Bessa, morador
As casas apertadas e as ruas estreitas não só encurtam distâncias como também encurtam relações. Todos se conhecem e conheciam. “As pessoas eram mais felizes mais amigas”, diz Jorge Santos. “Oh mulher dá-me um bocadinho de sal, um bocado de azeite, um tomate! Ajudavam-se, havia humildade, amor. Agora ninguém te ouve”.
Uma pessoa que passasse fome, alguém que lhe batesse! As mulheres daqui, as vendedoras, andavam a pedir e roupa. “Oh mulher vai buscar uns sapatos”, outra ia buscar umas calças. Punham-no todo bonitinho e levavam-no à estação. Compravam-lhe o bilhete, e a sobra do dinheiro que elas recolhiam davam-lhe para ele não voltar
Jorge Santos, ex-morador
Palmira Ribeiro, comerciante, sente saudades das amigas. A vida alegre que tinha foi embora com aqueles que lhe eram queridos. “Eu aqui não vivia dos clientes, eu vivia era das amizades que tinha. Antes era muito bom agora não presta. As minhas amigas foram todas embora.”
Filhos criados, já com netos e bisnetos, Rosa Ferreira, de 66 anos, morou desde os 19 no bairro da Sé. Agora teme ter de deixar as memórias que criou – “As poucas pessoas que ainda vivem na sé nem querem sair, porque se saírem morrem. Choram por sair, até eu choro. De hoje para amanhã tenho de sair. O meu prédio está à venda”, afirma Rosa Ferreira
É o meu bairro. Tive aqui três filhos, mulher, netos e bisnetos. Começou tudo aqui.
Jorge Santos, ex-morador
O investimento turístico que se tem vindo a sentir na zona da Sé, fez com que muitos moradores tivessem de sair das suas casas. “Eu fui desalojado daqui à 18 anos, a pagar 106 euros, estou agora a pagar 220 por mês numa pensão, e a casa esta lá a cair”, explica Jorge Santos. Gastei quase três mil euros a dormir em pensões até arranjar um quarto fixo. Foi uns tostões de fazer recados, isto e aquilo.”
Ainda nos dias de hoje “às vezes há o fado vadio aí na Rua Escura. A população organiza para as pessoas se distraírem e os estrangeiros gostam”, afirma Rosa Ferreira.
O São João ainda reúne muitas pessoas ao longo do Bairro da Sé. É feita uma esplanada na Rua Escura e serve-se o “prato da sardinha com batata cozida e salada, o caldo verde e uma malga de vinho. Tudo fica por 5 euros”, garante Bessa. Misturam-se estrangeiros com portugueses numa “alegria medonha”.
Carlos Bessa é responsável, há mais de 20 anos, pela organizar “a queima do Judas. É a festa das pessoas da Sé. As pessoas que moram nos bairros vêm todas aqui à noite, e durante o dia Maria João ela faz lá sardinha assada”. E este ano será diferente. Normalmente o “Judas” é nomeado com um nome de uma pessoa, uma persona non grata, “mas começou a dar muitos problemas para mim e então este ano eu decidi que o Judas deste ano é a Covid-19.
O Mercado
O Mercado de Levante era um antigo mercado que ladeava a Sé. Estendendo-se pela Rua Escura e pela Rua de São Sebastião, era um mercado ambulante onde as mais variadas coisas podiam ser encontradas. Jorge Santos, ex-morador lembra as “centenas de milhares de pessoas na rua que vinham desde a Rua Escura até à Avenida da Ponte”. Passar nestas ruas eram uma tarefa difícil. “Eram casas que vendiam roupa, as adeleiras. Eram peixeiras, era hortaliceiras, mercearias, vendia-se tudo. Até os tropas vinham aqui comprar quando lhes faltava alguma peça, era mais barato”.
“Deste largo até lá em baixo aos semáforos demorava-se mais de meia hora. Centenas de pessoas, nem se podia andar.”
Jorge Santos, ex-morador
Atualmente, não só a localização mudou. A feira autêntica e bonita, de que Rosa Ferreira, uma moradora e funcionária do café Kanimambo, nos fala desapareceu. O Mercado de São Sebastião, como agora se chama, ganhou um espaço físico na década de 1990, mas as más condições pedem obras urgentes de requalificação do espaço. “Agora fizeram isto. Está completamente ao abandono, tem cerca de 5 peixeiras, não tem mais ninguém”, afirma Carlos Bessa.
A Rua Escura
A Rua Escura, estando tão próxima da Sé, é uma das ruas mais antigas da cidade do Porto. Esta assegurava a ligação à zona nobre da cidade através da Porta de S. Sebastião. Inicialmente com o nome de “Rua Nova”, acredita-se que foi uma das primeiras ruas a ser construída fora da muralha. Contudo por volta do ano de 1404 começam a surgir referências à “Rua Escura”, como é hoje denominada. Esta nova designação deve-se à sua largura estreita que impedia a luz de entrar.
Anos mais tarde outros acontecimentos vieram firmar este nome. Drogas e prostituição sempre estiveram muito relacionados com a Rua Escura. Carlos Bessa explica que criou u grupo para combateu este tipo de práticas, e que atualmente são escassos os casos. “Os drogados, na altura, para ganharem dinheiro para a verdadeira droga, iam às paredes e raspavam a tinta. Embrulhavam esse pó numa prata e vendiam. Uma vez um arquiteto morreu ali na viela de baixo, com 24 anos. Aqui era um espetáculo, mas eu combati isso”.
“Eu nunca mais me esqueço. Estava a dormir e às 3 da manhã oiço uma mulher aos gritos. Quando vim á janela, estava uma traficante a dar com um taco de basebol numa rapariga. Vesti-me e vim cá em baixo. Peguei na rapariga e levei-a até à rua Mouzinho da Silveira. A traficante disse-me “Senhor Bessa ela deu-me o banho”. Levou a droga e não pagou. Então levei a rapariga e disse-lhe para ela se ir embora senão ia ser apanhada outra vez”
Carlos Bessa, morador
A Sé do Porto
Ao longo de uma hora, Carlos Bessa guiou-nos pelas ruas onde foi criado. Por becos e ruelas, as entrelinhas desta pequena freguesia foram sendo desvendadas pelos seus moradores. As paredes contam história, mas aqueles que cá ficam não deixam morrer a luz que outrora iluminava uma das mais alegres partes da cidade do Porto.
Paramos em frente ao monumento que deu nome a esta freguesia da cidade do Porto. Foi aí que terminamos a nossa viagem pela sua história, sob um poema que o próprio fizera sobre a cidade que o viu crescer.
Estas pedras de granito cobertas de nevoeiro são do berço onde eu nasci Daqui surgiu este grito de liberdade O primeiro mandamento que aprendi Naveguei mundos diferentes empenhei espadas ao vento contra as marés do destino Crepúsculos de tardes quentes na memoria do sustento Este sonho de menino Trago nas mãos duas margens para dar ao rio que espelha a cascata medieval Na beleza das imagens amo-te cidade velha Deste o nome a Portugal
Sou a Mariana Azevedo e tenho 20 anos. Sou colaboradora da editoria de desporto do #infomedia. Ingressei no curso de Ciências da Comunicação por ser a combinação perfeita de dois mundos que tanto aprecio, comunicar e o desporto. O desporto sempre esteve presente desde muito pequena e por isso, pretendo dar voz àquelas modalidades que não têm o destaque merecido nacionalmente.