Futebol: “Há um critério para os profissionais e outro totalmente diferente para os amadores”

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Futebol: “Há um critério para os profissionais e outro totalmente diferente para os amadores”

Num país onde o futebol significa tanto, acaba por ser interessante que tão poucas vezes vejamos abordadas as realidades de um clube amador nos nossos meios de comunicação. Como é que um clube consegue sobreviver numa distrital? Como é que a pandemia é combatida a esse nível?

Um novo confinamento

Carlos Carvalho, Presidente do Vila Flor Sport Clube

Eram já 19h00, a temperatura estava abaixo de zero em mais uma noite gelada, tão característica de Vila Flor. Minutos antes do início do treino, o treinador Gilberto e o responsável pela manutenção do estádio Gil Olmo, conversam sobre a atualidade do clube e o momento vivido por toda a sociedade portuguesa. Pouco depois, o presidente, Carlos Carvalho, junta-se à conversa. “A nível financeiro (a pandemia) causou muitos estragos. Clubes como o Vila Flor precisam das receitas de bilheteira, do bar no estádio e todos os eventos que o clube faz todo o ano, nomeadamente a barraca de bebidas que montamos durante a festa de verão, ou o pagamento de cotas por parte dos nossos sócios, que dada a situação não tem sido muito regular. Tudo isto é muito importante para pagar as despesas diárias, essas infelizmente é que nunca desaparecem”.

É com bastante orgulho que o presidente reconhece o trabalho feito por si e pela sua equipa no que toca a luta contra o vírus. Observando atentamente o treino, elogia também o trabalho feito pelos órgãos máximos do futebol no distrito de Bragança. “A Associação de Futebol de Bragança transmite sempre as orientações da DGS – Direção Geral da Saúde – para que, nos treinos ou nos jogos, os clubes possam treinar e jogar em segurança, cumprindo todas as medidas impostas. Felizmente no nosso clube, ainda não tivemos, até a data, nenhum atleta ou dirigente infetado, mas ninguém está livre disso. O nosso plano de contingência é bastante rigoroso em todos os aspetos, temos que estar conscientes e preparados, porque de facto, pode acontecer”.

A bola já rola no campo, depois de uma distribuição de coletes, dividindo o grupo em dois, os jogadores começam a competir, com a sombra de um novo confinamento cada vez mais próxima, que traz mais consequências ao futebol distrital. “Toda a estrutura tem que estar preparada para confinamentos obrigatórios, para a eventual paragem do campeonato, mas a meu ver, parar outra vez não será nada benéfico, particularmente financeiramente. Para quem já perdeu as suas receitas durante o primeiro confinamento, parar outra vez, irá trazer consequências potencialmente catastróficas. Vai requerer ainda mais custos.”.

Se gerir um clube com a dimensão do Vila Flor, em condições normais, já é um desafio, com estes problemas vividos durante o último ano, o papel de presidente e direção transforma-se em algo quase heróico, de modo a preservar um clube que tanto diz aos vila-florenses. “Gerir um clube como o em tempos de pandemia não é nada fácil, nem para o Vila Flor, nem para os outros clubes amadores. Por todos os motivos financeiros que já mencionei e também porque trabalhamos diariamente com muitas restrições, com muitas medidas impostas pela de DGS que temos de obrigatoriamente que cumprir, mas que não é fácil”.

Os intérpretes

Gilberto Vicente, treinador do Vila Flor Sport Clube

Ainda durante o treino, Gilberto Vicente, cansado pela intensidade que usa para gerir o treino, revela-se igualmente intenso no que toca a defesa dos seus ideias. “No princípio era mais difícil, porque nós não entendíamos bem as regras que a DGS pretendia lançar cá para fora. Inicialmente consideraram o treino, que é desporto coletivo, como individual. Aos poucos e poucos foi-se modificando isso nos seniores e então entraram num contexto normal de jogo. Temos alguns cuidados, por exemplo a entrada dos balneários, de modo a não haver amontoamentos, agora dentro do campo deixamos de ter essa regra porque não vale a pena, o contacto entre os jogadores é mínimo”.

Claramente aborrecido, o treinador prossegue falando dos principais desafios que teve que enfrentar durante a pandemia. “A nível organizacional é onde os problemas começam a aparecer. Ainda esta semana tive um jogador que é titular e que não pôde vir porque a namorada tem o vírus, entretanto tive outro na semana passada que não veio porque foi fazer o teste, tive um adjunto que teve que ficar em casa, portanto a nível organizacional temos de nos ambientar”.

Longe do frio e no conforto do balneário a conversa vai evoluindo até à possibilidade de um novo confinamento. “ A equipa não compreende, não podemos compreender. Se abriu não pode fechar desta maneira. O principal foco de casos não é no desporto, há um, dois, três casos, quatro casos, nada que justifique uma nova paragem da competição”. Desiludido, Gilberto, prossegue: “acho que no futebol, principalmente no futebol regional, descurou-se um bocadinho na parte dos testes, não há testes, não há dinheiro para testes, portanto a DGS tem dois critérios, um critério para os profissionais e outro totalmente diferente para os amadores”.

Um sonho vindo do outro lado do Atlântico

Jonathan Gustavo, atleta do Vila Flor Sport Clube

Já no final do treino, claramente desgastado depois de mais uma hora e meia repleta de intensidade, Jonathan Gustavo, de 24 anos, natural de Piracicába, Brasil, revela-se sempre bem mesmo quando fala das dificuldades de estar longe da família ao mesmo tempo que tem de lidar com a pandemia. “Aqui é bastante diferente do Brasil, lá mesmo em alerta vermelho as pessoas não ligam, não obedecem, aqui é diferente, mais rígido. Estar longe de casa é muito complicado, só este frio, aqui está um negativo, lá estão 38 graus, depois viver nesta pandemia, às vezes tens treino, outras não e tens que treinar em casa, não existe estabilidade”.

A cara do jogador enche-se de orgulho quando questionado sobre o papel do clube na sua vida, neste momento tão complicado: “o clube ajuda-me bastante, desde que cheguei a Portugal, com alimentação, casa, trabalho, a minha transferência internacional, o meu salário, tudo. O Vila Flor nunca me falhou e eu fico muito feliz por isso, abriram-me as portas da Europa”.

Com uma timidez latente Jonathan, balançando na sua cadeira, fica com um pequeno brilho nos olhos quando fala em futebol e no sonho sempre presente: “a minha intenção sempre foi ser profissional, no Brasil como sempre joguei em bastantes clubes e alcancei algumas conquistas, cheguei com a intenção de chegar a primeira ou segunda liga”. Para isso, reforça a importância do apoio dos colegas de equipa, “a época que passei aqui sempre me apoiaram, sempre me deram motivação e me ajudaram a ter sucesso dentro do campo”.

O semblante alegre desaparece quando um dos temas mais sérios e importantes do futebol atual é mencionado. Olhando para as suas chuteiras, com uma expressão mais séria, Jonathan prossegue, “graças a Deus nunca recebi, mas tenho visto na televisão que vários colegas meu têm sofrido com isso e gostava de transmitir a minha solidariedade para eles”.