Tiago Castro, psicólogo: “eu não preciso de ser LGBTI para defender os direitos das pessoas LGBTI”
- Juliana Matos Silva
- 13/01/2021
- Portugal Saúde
Tiago Castro é psicólogo no centro GIS da associação Plano i. Em entrevista ao #infomedia, reflete sobre o preconceito adjacente à comunidade LGBTI e explica a posição dos profissionais perante o assunto.
Qual é o papel do psicólogo no combate à homofobia?
«Em Portugal, no que diz respeito ao combate à discriminação, ao preconceito, foram feitos vários avanços legais ao longo dos últimos anos, nomeadamente no reconhecimento de direitos das pessoas LGBTI, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção e, mais recentemente, a lei de autodeterminação de género em 2018. Contudo, do ponto de vista social, sabemos que nem sempre a realidade avança no mesmo sentido e, por isso, a discriminação continua a existir. Assim, é importante referir os três i’s da discriminação – são eles o insulto, a invisibilidade e o isolamento.
Todos nós, infelizmente, já ouvimos, termos ofensivos. O insulto tem, obviamente, consequências no bem-estar e na saúde das pessoas. Ao crescerem num ambiente cisnormativo, heteronormativo, a comunidade LGBTI ouve, constantemente, expressões insultuosas. Quando percebem a sua orientação sexual ou identidade de género, há uma incorporação do insulto – “afinal eu sou isto?” – e, claramente, esta é uma das consequências do preconceito e da discriminação ainda existente.
Há ainda a questão da invisibilidade, que continua a ser enfrentada pelas pessoas LGBTI. É raro, por exemplo, vermos representação em várias áreas. Não sabemos se a comunidade LGBTI é uma minoria porque não temos um estudo nacional que o confirme. Podemos falar sim na não existência de representatividade. Por exemplo, a manifestação de afeto em público continua a não acontecer. Muitas pessoas retraem-se, precisamente, por anteciparem situações de discriminação. A representatividade é, então, essencial para combater a homofobia e o preconceito. Todos nós precisamos de modelos com os quais nos identificamos, e é através desses modelos que construímos quem somos. Precisamos dessas referências e de perceber que, de facto, aquilo que eu estou a sentir é sentido também por outras pessoas. Não existe nada de errado comigo! A invisibilidade é, portanto, outra das questões que contribui para o facto de as pessoas LGBTI serem, particularmente, vulneráveis.
O isolamento deriva dos dois fatores anteriores. Alguém que não tem referências positivas à sua volta, alguém que se sente sozinho, tende, efetivamente, a isolar-se muito mais facilmente. O papel do psicólogo neste âmbito passa por trabalhar e educar para a igualdade e para a não discriminação. Por exemplo, um contexto privilegiado no qual os profissionais de psicologia operam é o escolar, educando para a cidadania, para os afetos e para a inclusão de todas as pessoas. Quando falamos sobre isso, existem muitos receios por parte dos pais – medos causados pelo mito de falar sobre as questões de identidade e de orientação sexual. Ou porque as pessoas vão iniciar a atividade sexual mais cedo ou porque vamos influenciar a orientação sexual ou identidade de género, e isto é completamente falso. Aliás, não existe nenhuma evidência nesse sentido. Muito pelo contrário, o que sabemos é que educar para a inclusão, educar para a igualdade é contribuir para que todas as pessoas se respeitem, e permitir a construção de uma sociedade mais igualitária. Se puderem ser quem são de forma livre, certamente que serão pessoas mais realizadas e felizes. E nós só ganhamos com a felicidade de quem está à nossa volta».
Quais os impactos psicológicos que o preconceito pode gerar na vítima?
«As pessoas LGBTI apresentam uma maior predisposição para desenvolverem determinados quadros clínicos, por exemplo de intenção suicida, de automutilação, de consumos abusivos, de depressão e ansiedade. No entanto, estes indivíduos não estão mal por fazerem parte da comunidade LGBTI, mas sim pela discriminação que ainda existe. São as experiências de vitimização, e não a questão de orientação sexual ou identidade de género, que estão associadas ao sofrimento psicológico.
Isto é também uma questão de saúde pública e de direitos humanos, e, portanto, da responsabilidade de todos nós. Eu não preciso de ser, por exemplo, mulher para ser feminista, para defender a igualdade de género. Da mesma forma que eu não preciso de ser LGBTI para defender os direitos das pessoas LGBTI. Isto é uma necessidade que precisamos de assumir e é também um dos papéis que, enquanto profissional de psicologia, manifesto no meu trabalho».
Como é que o psicólogo pode ajudar a vítima a enfrentar episódios homofóbicos?
«Dentro das pessoas LGBTI, existem algumas diferenças no processo de estigmatização. Por exemplo, as pessoas bissexuais não são encaradas como apresentando uma orientação sexual válida, o que confere ainda maior invisibilidade a este grupo. As pessoas transexuais, cuja identidade de género não está alinhada com aquilo que é socialmente esperado, tendo em conta o sexo que foi atribuído à nascença, partilham também de determinadas dificuldades decorrentes deste estigma. Ser transexual, homossexual ou bissexual não se traduz numa doença mental ou numa perturbação do desenvolvimento. No entanto, na questão da transexualidade, o desfasamento entre o género com o qual a pessoa se identifica e o sexo que foi atribuído à nascença gera, muitas vezes, um desconforto psicológico, que é ainda aumentado pela discriminação insistente, e aí pode ser necessário um acompanhamento especializado.
No centro GIS, enquanto profissionais de psicologia, intervimos, precisamente, no combate a este clima social – cisnormativo, heteronormativo, homofóbico, transfóbico, bifóbico – que, infelizmente, decorre muitas vezes no núcleo familiar. Sabemos que, regularmente, os agressores, em contexto de violência doméstica, no caso de pessoas LGBTI, são pais, mães, pessoas muito próximas. É aqui que, de facto, os profissionais podem e conseguem fazer a diferença, nomeadamente através do conhecimento adequado que apresentam sobre a discriminação que incide sobre as pessoas LGBTI, e na capacidade de reconhecer e intervir diretamente nos desafios acrescidos que estas pessoas atravessam.
Do ponto de vista de intervenção, existem muitos modelos que podem ser usados. Aproveito para destacar um método do ramo da psicologia positiva. Trata-se de um movimento que tem, efetivamente, ganho terreno dentro das ciências sociais e do comportamento. O eixo incide na felicidade e nas emoções positivas, deixando de lado a parte das fraquezas e dando ênfase àquilo que a pessoa tem de bom, ao empoderamento que podemos trabalhar com ela, e torná-la, portanto, mais capaz e resiliente. Assim, o foco centra-se na prevenção e não no tratamento. Em vez de estarmos sempre a tentar remediar, tentamos prevenir e intervir antes que as coisas piorem. Por fim, quero deixar esta mensagem: há necessidade de todos termos consciência de que não precisamos de ser LGBTI para defender os direitos LGBTI, porque estas questões de direitos humanos são responsabilidade minha e de todos».