Uma pandemia aos 90: “Tantos com tanta coisa e outros com tão pouco”
- Diana Ferreira
- 18/06/2020
- #Social Atualidade oanoemqueomundoparou
Maria da Conceição Silva tem 90 anos e é natural de Lordelo, Paredes. Atualmente é reformada e vive com a filha, Adélia Ribeiro, de 60 anos e portadora de deficiência mental.
Conta que, até ao momento, a própria saía de casa e realizava as tarefas domésticas, porém, com o surgimento da doença e da propagação da mesma, conta que “Com esta coisa da epidemia, eu tenho medo”.
Perante a situação atual e com idade avançada, Maria não tem como se movimentar até ao mercado, e precisa de apoio para cuidar da filha com quem vive “A alimentação, eu tenho uma filha que vem aqui todos os dias. Duas vezes por dia”, e acrescenta, relativamente à filha que a apoia, tanto à própria, como a Adélia, “Ela vem para lhe dar banho, para a calçar, para a vestir… porque eu agora, com esta idade, já não posso”, conclui.
As formas de entretenimento de Maria, baseiam-se em, depois do almoço, descansar junto da filha, ver televisão e rezar. Paralelamente, não pode estar em contacto com os filhos, sendo que quatro, dos nove que teve, são quem mais a visita.
“O que eu sinto mais falta é dos meus filhos, e eles vêm me ver, mas é à distância. E eu tenho pena disto.”
Os cuidados rapidamente passam a ser redobrados, as ajudas iminentes e a desinfeção na partilha de qualquer produto é prioridade.
“Lavo as mãos muitas vezes com sabão e desinfeto com álcool.”
Maria conta-nos a sua realidade quotidiana, as dificuldades com que se depara e agradece pelos apoios dos seus. Não esquecendo, apela à sua fé e acredita que “Isto tinha que ser. Cheguei a dizer a certas pessoas que – isto não pode ser, mas isto vai levar volta – O que eu nunca pensei foi, de ainda ir ver, aquilo que estou a ver”, refere.
Para mais reflexões, a própria remonta-nos para o seu tempo, “… da guerra”, como o caracteriza, e apela a situações que ocorriam na altura, dificuldades que vivenciou e momentos que não esquece.
“Hoje, todo o mundo dá, todo o mundo tem. Mas naquele tempo, ninguém dava nada a ninguém.”
É, igualmente, capaz de recordar as palavras proferidas por parte de um comerciante da altura, aquando realizava as suas compras, citando “Não estamos no tempo de perguntar o preço, estamos no tempo de perguntar se há.”
Por fim, considera que o valor do abraço é incalculável, expondo “Agora, só quem está dentro da porta [a filha] é que eu posso abraçar, mais ninguém. Depois, um dia, eu tenho muitos filhos e tenho muitos netos, para me consolar.”
Ouça o testemunho completo aqui.