Com praxes e receção ao caloiro suspensas, o regresso à universidade foi sem a força de outrora

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Com praxes e receção ao caloiro suspensas, o regresso à universidade foi sem a força de outrora

Longe de casa e com necessidade de criarem, ou manterem, laços na nova cidade onde vão iniciar o percurso académico, na grande maioria dos casos, os estudantes iniciaram-no sem o apoio das organizações responsáveis como associações de estudantes, tunas ou até mesmo comissão de praxe. O que aconteceu a essas organizações?

Há várias décadas que não víamos as portas das universidades abrirem sem as famosas receções aos caloiros ou aos estrangeiros do programa de mobilidade académica Erasmus que preferiram, entre todas as escolhas, Portugal como a sua casa durante vários meses. O silêncio deixado nos corredores pelos estudantes, enfatiza o vazio que as várias proibições às suas atividades e convívios providenciaram.

Fotografia cedida por
Diogo Lemos

A frequentar o último ano da Licenciatura em Psicologia, na Universidade Lusófona do Porto (ULP), Diogo Lemos, de 23 anos, é um dos principais representantes do seu curso no Conselho Pedagógico da ULP. No meio académico, é mais conhecido pelo Magister (correntemente utilizado no mundo tuneril para identificar o cargo mais elevado) da tuna masculina da Universidade Lusófona do Porto (TAMULP), estando sempre presente nas atividades proporcionadas pela Associação de Estudantes (AEULP) ou pela própria Federação Académica do Porto (FAP).

Tal como tantos outros, Diogo sentiu diretamente a falta dos apoios que estas organizações, das quais é bastante próximo, lhe garantem. A Associação de Estudantes, principal representante e defensora dos alunos e dos seus direitos, permanece fechada quase a tempo inteiro, o que, para ele, poderia e deveria ser adaptado. “Seria positivo a criação de um espaço online para os alunos poderem contactar a AE”, defende, sugerindo que “esse espaço online poderia até mesmo ser associado ao site da Universidade, caso não fosse logisticamente possível poderia se pensar num espaço isolado”.

Fotografia retirada do site Pexels

Com a perda das suas funções, as associações de estudantes não estão mais responsáveis pelo desporto universitário (até à data cancelado). Depois, os eventos integrativos importantes não foram, como em todos os anos, realizados. Do tanto que ficou por fazer, ficaram também por dar as pequenas ajudas, muitas vezes essenciais para o bem-estar do aluno. Uma sala que hoje encontramos escura e vazia, servia de abrigo às dúvidas e necessidades de dezenas de alunos no dia a dia.

Com a recente fundação das tunas académicas da universidade, era já habitual o som dos ensaios a ecoar pelos corredores nos finais de tarde. A notável vivacidade dos membros, transmitia o orgulho do que é representar a universidade, não escondendo também a vontade de quererem acrescentar algo mais aos seus percursos académicos. “As tunas contribuem imenso para a criação e potencialização da cultura académica”, nota Diogo. Para ele, é claro que “o objetivo da entrada na universidade é a conclusão de uma formação”, mas, acrescenta, é importante criar memórias. “Também devemos criar e usufruir de momentos inesquecíveis! O mais importante é criar memórias porque sem memórias somos só um corpo vazio”.

Imposição de Insígnias ULHT 2019 (foto cedida pela TAMULP)

E é no vazio da pandemia que estes mesmos estudantes se veem obrigados a criar novas formas de interatividade, na tentativa de cobrir a falta dos ensaios. Se a presença física é impossível, a prioridade para o Diogo, deveria ser “promover a interação entre os membros, mesmo que através de uma plataforma online”. Para além das aulas, os próprios ensaios, ou encontros, passam a ser por videochamada, intercalados com videojogos ou partilha de vídeos. “A comunicação, o divertimento e tudo associado ao espírito tuneril são cruciais para promover uma boa saúde mental”, sublinha o estudante de Psicologia.

Fotografia retirada do site Pexels

A lista das dificuldades que o vírus da covid-19 veio trazer ao meio académico, exige o esforço e capacidade de adaptação da parte destes alunos já tão habituados ao meio. Mas para além dos que lutam, existem aqueles que ainda mal chegaram. Aos caloiros, foi-lhes retirado o primeiro ano de integração e experiências académicas, que como Diogo salienta “é um ano fundamental no que toca a fazer amizades e começar com o pé direito nesta nova realidade”.

Sendo a realidade de 2020 muito diferente de anos anteriores, os caloiros iniciaram a universidade sem a maior e mais conhecida organização de integração: a praxe.

Fotografia de Leonor Faria (site Pexels) – Queima das Fitas do Porto

Com o cancelamento de todas as atividades praxistas, as próprias entidades tentaram organizar e compensar a falta das cerimónias de alto significado por eventos via online, como ocorreu com a Monumental Serenata ao Caloiro. “Acho que as praxes quando bem feitas e quando têm órgãos que, efetivamente, sabem o que estão a fazer, podem ser muito importantes para a conexão entre os novos e velhos alunos”, nota. Seguindo o raciocínio de Lemos, deve ser exigido a uma organização como esta, de tal forma importante na integração dos estudantes, uma adaptação como “as outras organizações, através da manutenção do contacto online”, por exemplo.

Atualmente algumas organizações praxistas executam o que chamam de “praxe online”. Na opinião do aluno de psicologia “este tipo de praxes podem funcionar como tertúlias” sendo essencial que os princípios transmitidos de geração em geração, não se percam.

Fotografia cedida por Clara Leitão
(Cortejo da Queima das Fitas – 2019)

Para Diogo Lemos, a força de vontade dos estudantes para que estas adaptações se concretizem, sobrevive na esperança de que seja possivel se realizar a Queima das Fitas, até agora cancelada. A semana do evento é marcada, como refere Diogo “por momentos marcantes para todos os estudantes, desde o caloiro ao finalista”. Mas o futuro psicólogo prioriza a segurança dos envolventes, destacando que “a premissa de que se todos quisessem, fazíamos uma queima segura é uma utopia”. A federação Académica do Porto (FAP) e o Magnum Consillium Veteranorum do Porto (veteranos superiores de toda a praxe do Porto), principais responsáveis pela semana de queima, não publicaram ainda sobre o retorno de qualquer praxe presencial ou evento académico praxista presencial.

“Sou finalista, cartolar com amigos e família é dos pontos mais altos senão o mais alto da vida de um estudante universitário. Não posso, nem consigo, esconder a minha tristeza pela possibilidade de isso não acontecer”, lamenta Lemos.