“Vai onde há silêncio e diz qualquer coisa” – A síntese da segunda sessão da V Edição do Jornalismo Frankenstein
A V Edição do Jornalismo Frankenstein decorreu dia 26 de maio. A Conferência anual realizada pelos alunos finalistas de Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona do Porto e pela docente Vanessa Rodrigues teve como temática “Será o ciberjornalismo um espaço seguro?”.
Aliado a esta questão, outros temas foram trazidos para reflexão como, por exemplo, quais os limites da liberdade de expressão, a construção da opinião pública no ciberespaço, a proliferação do discurso do ódio e canais de denúncia.
A Conferência foi transmitida através da página de Facebook do #infomedia e teve início pelas 15h:30. A professora Vanessa Rodrigues fez a introdução do evento descrevendo o seu conceito e desafios, elogiando ainda, o esforço, o trabalho árduo, o compromisso e profissionalismo demonstrado por parte dos alunos nesta jornada que foi a realização do Jornalismo Frankenstein. A plataforma #infomedia foi também referenciada pela docente, plataforma essa, que teve origem no ano de 2016, e é uma das grandes ferramentas de trabalho dos alunos da unidade curricular de ciberjornalismo. Uma grande reportagem sobre o Jornalismo Frankenstein e o Ano em que o Mundo Parou, são alguns dos trabalhos que se podem encontrar no #infomedia.
De seguida, foi feita uma contextualização mais pormenorizada por parte dos alunos acerca do website e do ciberjornalismo enquanto espaço que permite novas formas de interação e produção de reportagens.
Ainda antes de dar voz aos oradores, foi transmitido um vídeo onde foi pedido aos intervenientes para que definissem discurso de ódio, com participação de alunos da Universidade Lusófona do Porto e também professores, tais como, Ana Fonseca e Manuel Bogalheiro.
Carla Cerqueira
Carla Cerqueira é formada em Comunicação Social pela Universidade do Minho e desde 2019 é investigadora a tempo integral no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). A sua pesquisa tem grande ênfase nas questões de género, feminismo e interseccionalidade.
A investigadora inicia a sua participação na Conferência ao abordar os discursos de ódios e a sua associação a outras formas de violência. Refere que as ações digitais estão em paralelismo com o que acontece no ‘mundo real’ e, por isso, é necessária uma desconstrução da prática do discurso do ódio através de ações complementares.
Dentro da sua temática de estudo, a Igualdade de Género, considera que o caminho a percorrer nesta temática ainda está no início e que apesar de ser um tema debatido, poucas têm sido as formas concretas de atuação. Cita as campanhas de prevenção e sensibilização da sociedade como as ações que efetivamente têm sido aplicadas.
Quanto às políticas na área de igualdade de género, Carla menciona que sofrem constantes avanços e retrocessos e enumera dois mecanismos de ação. O primeiro relativamente ao aprofundamento do conhecimento sobre a temática, através de Literacia dos media e a necessidade de criar políticas.
A Investigadora aponta ainda para a não existência de monitoração constante dos Discursos de Ódio nos vários espaços em que este ocorre, e que alguns dos mecanismos implementados não têm eficácia. Por consequência as situações envolvendo discursos de ódio e ofensivos acabam por retornar.
Para exemplificar as questões envolvendo grupos sociais que sofrem opressões, Carla refere o caso do Bairro do Seixal, envolvendo agressões e discursos de ódio em relação a moradores de bairros sociais voltados para um determinado grupo étnico/ racial.
Na sua segunda intervenção na Conferência do Jornalismo Frankenstein a Investigadora menciona que:
“Não podemos olhar de uma forma homogéneas para um grupo social”
Carla Cerqueira
Complementando a temática abordada anteriormente, que mencionava as jornalistas como um dos grupos que sofrem mais ataques dentro da sua própria profissão, Carla identifica a ‘deslegitimação’ que a Convidada Marta Gonçalves receberia em contexto profissional em relação a um outro colega de trabalho, por esta ser mulher e por ser jovem.
Apesar da multiplicação das plataformas digitais, que teriam por objetivo potenciar a abertura de um Espaço Público Mediatizado, Carla argumentar que na verdade o que acontece é uma menor liberdade de expressão nestes espaços por causa dos discursos de ódio, derivado também de uma escassez de recursos humanos nesta monitoração.
A velocidade com que as notícias são produzidas é também citada pela Investigadora, que refere como quase todas as televisões portuguesas apostaram num slogan no combate ao coronavírus – “Vai ficar tudo bem” – pois não existindo tempo para reflexão e discussão, o principal foco da temática e por isso é substituído pela adoção de ‘frases slogans’.
Para Carla Cerqueira a visibilidade efetiva das minorias sociais só acontece se essa visibilidade traduzir-se em efeitos positivos para esses grupos. Nessa medida, descreve a importância de estratégias com uma abordagem não só normativa, mas dá destaque à abordagem preventiva e educativa.
Evidencia uma perspectiva mais crítica, de automonitorização na cobertura jornalística, da necessidade dessa discussão dentro do próprio campo jornalístico – “o que pode ser feito de diferente?” – e a discussão envolta da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
Sugere como solução que os Jornais dediquem-se a este tema, escrevam sobre os discursos do ódio de forma a mostrar os casos que acontecem, trazerem relatos, permitirem dar voz às vítimas e mostrar os impactos que estas ações têm. Enfatiza a importância de falar sobre estas questões em várias esferas, retomando a ideia de complementariedade nas formas de ação.
Tomás Magalhães
Tomás Magalhães tem 33 anos e é licenciado em Física Aplicada pela Universidade do Porto. Fundador do Projeto Kolkata Relief que ajuda milhares de famílias carenciadas na Índia e participa do movimento Data for Good, que utiliza dados pessoais para “fazer o bem”.
Inicia a sua apresentação a contar sobre a sua história de vida e explicando o conceito de “Altruísmo Eficaz” que procurar fazer o maior bem possível com os recursos que cada um tem disponível.
A sua jornada pela Índia inicia-se em 2016 quando viaja em voluntariado e no ano seguinte cria o projeto Kolkata Relief. Começou através de uma campanha online de recolha de donativos e em 2019 o Projeto já contava com mais de sete mil famílias ajudadas.
Ao abordar o projeto “Data for Good”, Tomás invoca três exemplos para a Conferência do Jornalismo Frankenstein. Começa por falar do projeto “Feeding the Hungry”, um aplicativo na Índia que permite perceber onde ainda não há ONGs em atuação, permitindo perceber onde a ajuda poderá ser maior e mais necessária.
O segundo exemplo é o projeto “Saving Rainforest”, onde as pessoas são convidadas a analisar imagens da Floresta Amazónia e selecionam as que visivelmente sofreram interferência humana. Com esta seleção é possível descobrir quase em tempo real as áreas que estão a sofrer deflorestação.
O último projeto mencionado por Tomás é o “Fighting Slavery from Space”. Também é aplicado na Índia e permite que através da arquitetura dos locais, nomeadamente fábricas onde a área está mais fechada, ou que possuem mais edifícios do que seria esperado, o algoritmo com Inteligência Artificial de Scanner consiga analisar e identificar locais que possivelmente são usados para escravizar pessoas e crianças.
Com estes exemplos Tomás pretende mostrar que: “A tecnologia nas mãos das pessoas certas pode ter tantos benefícios”.
Por outro lado, Tomás enfatiza que a sociedade tende a culpar as pessoas ‘erradas’ pela utilização de dados. Segundo o jovem, o ‘inimigo’ não são as grandes empresas, ou quem detém o maior número de dados pessoais, mas aqueles que os utilizam de forma incorreta.
“Os dados em si não são bons nem maus”
Tomás Magalhães
Na última parte da sua apresentação Tomás aborda “O Planeta da Informação”. Define a verdade como um conceito complexo e a informação como um espaço caótico, imprevisível, onde está disponível “triliões de bites” de conteúdo.
Para lidar com esta quantidade de informação, Tomás ressalta a importância que o jornalista possui para interligar estas informações. Exemplifica através de uma cadeia de construção de uma notícia, onde cada temática abordada é baseada em vários estudos científicos, escritos por várias pessoas.
O produto final, neste caso a notícia, é a verdade que chega às pessoas e para Tomás, essa é uma grande responsabilidade.
“As nossas decisões dependem da informação que recebemos e a informação que recebemos dependem dos criadores de conteúdo serem responsáveis”
Tomás Magalhães
A carência de Pensamento Crítico na sociedade é a análise final na sua apresentação, referindo que “todas as pessoas consideram-se boas pessoas”, mas que é necessário as escolas desenvolverem o pensamento crítico nas crianças e que é também papel do jornalismo ter responsabilidade no combate à desinformação e aos discursos de ódio.
Marta Gonçalves
Marta Gonçalves licenciou-se, no ano de 2014, em Ciências da Comunicação pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, na Universidade de Lisboa. Estagiou no Correio da Manhã e na Rádio Renascença Atualmente, é jornalista no jornal Expresso desde 2015. Foi uma das oradoras da sessão da tarde da V Edição do Jornalismo Frankenstein.
No início da sua intervenção, Marta recordou os seus primeiros anos enquanto jornalista do semanário Expresso. Com preocupação, lia os comentários às suas reportagens e ficava preocupada e, muitas vezes, indignada com os mesmos. Hoje, já não o faz mais. Para se proteger, acaba por ter uma interação com o leitor quando este envia e-mails diretamente a Marta, quer estes tenham uma opinião construtiva ou não. Quando são críticas argumentativas, Marta afirma-nos que é necessário que o jornalista responda ao leitor para, precisamente, desconstruir alguns discursos de ódio. Por outro lado, quando os leitores apenas comunicam através de insultos, Marta acha que responder “na mesma moeda” é entrar numa discussão que nunca vai ser ganha pelo jornalista.
A jovem jornalista revelou alguns episódios relacionados com este contexto, mas diz que, os mesmos, aconteceram devido aos temas que aborda nas suas reportagens. No entanto, ser uma mulher a elaborá-las acaba por ser “um dano colateral”.
Já no terreno, Marta sente que ser mulher é uma desvantagem.
“Aos olhos dos outros, és muito mais vulnerável e muito mais facilmente és atacada, ou ignorada, ou maltratada, do que se fores um homem”.
Marta Gonçalves
Porém, também encontra vantagens. Por ser mulher, e nas áreas pelas quais se interessa (minorias, refugiados e igualdade de género), as pessoas e o senso comum relacionam isso com uma sensibilidade e uma fragilidade que, neste caso, levam as mesmas a revelar as informações que as jornalistas necessitam.
Falou também de como ser ciberjornalista implica uma grande proteção a todos os níveis, apesar de todos os desafios que isso implica. A capacidade de filtragem de informação que, cada vez mais, precisa de ser melhorada porque essa mesma informação surge “à velocidade da luz”, e a capacidade de adaptação a todas as circunstâncias.
“Uma coisa boa do jornalismo multimédia é que podes fazer tudo”.
Marta Gonçalves
Para finalizar a sua intervenção, Marta admitiu que é necessário continuar a falar e escrever sobre este tipo de temas para conseguir desconstruir as ideias, ensinar as pessoas e esclarecê-las – como é o trabalho primário dos jornalistas.
“Vai onde há silêncio e diz qualquer coisa” – foi com esta frase que Marta Gonçalves terminou a sua intervenção e nos deixou a refletir.
Ricardo Marques
Ricardo Marques é licenciado em Ciências da Comunicação, na vertente de Jornalismo, pela Universidade Lusófona do Porto. Foi jornalista freelancer na RTP e é, atualmente, cofundador e webdesigner do site Juízo de Bancada e responsável pelo marketing e comunicação do Esmoriz Ginásio Clube. Também é gestor de conteúdos no Instituto CRIAP e webmaster do #infomedia. Foi um dos oradores da sessão da tarde da V Edição do Jornalismo Frankenstein.
Depois de se apresentar a todos internautas conectados com a conferência, o jovem trouxe até nós várias dicas relativamente a cibersegurança. Usar certificado SSL, a mais recente versão do alojamento do website, temas e plug-ins confiáveis e atualizados, a mais recente versão do PHP, ocultar o URL de login no BackOffice do alojamento do website e usar autenticações de dois fatores foram alguns dos conselhos que Ricardo nos deu e sobre os quais aprofundou.
Falou também relativamente acerca do #infomedia e do processo de criação e manutenção da segurança do website da plataforma de ciberjornalismo académico potenciada pelos alunos finalistas de Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona do Porto.
Para concluir a sua apresentação, Ricardo apresentou-nos dois cursos lecionados no Instituto CRIAP. O primeiro, um curso de especialização em Cibersegurança, que trata matérias relacionadas com introdução ao cibercrime, informática forense e investigação do cibercrime. E o segundo, um curso avançado relacionado com Cyberbullying.
Como dicas finais, para quem não sabe o que fazer quando se encontra numa situação de conflito online, nomeadamente hacking ou outro tipo de ataques, Ricardo deixou duas dicas: contactar o provedor do alojamento do website e, até mesmo, a Associação de Apoio à Vítima (APAV) pois, esta associação, conta com uma parte da sua página relacionada com cibercrime.