Violência Doméstica LGBTI: Acolher e Educar uma Sociedade que agride a minha Identidade
Como superar o trauma enquanto vítima de violência doméstica por ser LGBTI?
[ Beatriz Walviesse Dias, Pedro Faria e Rodrigo do Carmo Matos ]
Um olhar, um insulto, uma agressão. O motivo? Não ser o que muitos ainda chamam de “normal”. O autor? O pai, a mãe, um companheiro, um parente. O crime? Chama-se Violência doméstica. A Vítima? São Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais. Andi, Anthony e João Pedro dão o seu testemunho sobre como a violência física e psicológica condicionou vários aspectos de suas vidas.
Ser vítima de violência doméstica não envolve somente a violência física. As ofensas diárias vêm daqueles com quem convivemos dia após dia e deixam traumas que podem não ser apagados. Do testemunho daqueles que viveram esta realidade às estruturas que amparam estas vítimas, qual será o cenário português face à violência LGBTI? A ausência de uma resposta específica a estas vítimas e a falta de visibilidade desta temática são algumas das dificuldades por resolver.
“Olha-me estes paneleiros”
“Apesar de ter várias amiguinhas muito próximas que brincava sempre, estarmos sempre juntos, não senti nada por nenhuma delas, sentia por um menino ou por meninos, não por todos, óbvio”

A questão da sexualidade começou a surgir na “infância mais tardia” de Andi Wagner. O Professor e terapeuta nasceu no Brasil, mas vive atualmente em Vila Nova de Gaia. Aos 55 anos conta-nos como a puberdade é a fase onde as características relacionadas à homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade e os afetos fortes por outras pessoas começam a surgir.
Foi durante o 2º ano da Primária que Andi foi-se “descobrindo gay” e ressalta que na altura pouco sabia sobre sexualidade pois, na década de 1970, não havia educação voltada para estas questões.
Sentia medo sobre a própria sexualidade por ser um tema “mergulhado em tabus, na ignorância” e refere ser assim até hoje, independentemente de ser abordado sob a perspectiva heterossexual ou homossexual.
Com o tempo aquela criança da década de 1970 percebe que “menino com menino não pode” que seria “algo mau, algo feio, algo pecaminoso”. E se abordar o tema da sexualidade em geral já era complicado, a homossexualidade segundo Andi era muito pior.
“Os Hematomas se curam, mas fica uma ferida aberta”
Durante o processo de descoberta de Andi, um episódio de violência física marcou a sua infância.
– Vamos brincar de fuque fuque?
– O que é isso?
A “brincadeira” que Andi descobriu com uma vizinha, levou a que a criança, na altura, percebesse que na verdade sentia desejo de brincar com os meninos, nomeadamente com um amigo de quem gostava muito.
Apesar de pensarem que estavam a “brincar” escondidos de todos, a avó de Andi percebeu que tinha alguma coisa a acontecer, segui-os e surpreendeu-os no local. O Terapeuta conta que a sua avó “fez um escândalo brutal ali mesmo” e levou-o logo até à sua mãe.
Seguindo o que seria o “costume” na altura e “não vendo outra coisa a fazer” em consequência da histeria que Andi afirma ter acontecido por parte da sua avó, o mesmo foi espancado violentamente pela própria mãe. Além da agressão física. Andi recorda que ouviu diversas ofensas sobre o “pecado” que tinha cometido.
“Me disse coisas horrendas que me custou muito trabalho, décadas de dor, sofrimento e terror”
Andi explica que com o tempo as marcas físicas foram desaparecendo, mas a ferida psicológica “permaneceu sagrando hemorragicamente”. Depois daquele dia o Terapeuta não sofreu mais nenhum tipo de agressão física, mas as consequências daquele dia foram vividas por mais de 30 anos.
Quando questionado sobre ter denunciado a agressão, dois pontos cruciais vêm à tona na sua resposta. A temporalidade do acontecimento, durante a década de 1970, quando ainda não existia legislação nem direitos LGBTI e a questão de a vítima ser uma criança e, por isso, seria necessário que um adulto fizesse a denúncia.
Ao analisar hipoteticamente a situação de um vizinho ter ouvido a agressão, o choro ou os seus gritos, Andi questiona:
“Ele vai denunciar o quê? Que a mãe estava espancando o filho porque ele era ‘viadinho’? Provavelmente qualquer órgão ia dizer ‘E fez muito bem.’”
A partir daquele dia, Andi refere que se “fechou no armário” e que isso acabou por condicionar vários aspectos da sua vida, nomeadamente a sua profissão. Somente aos 40 anos, o agora Terapeuta, com ajuda profissional foi confrontado com a sua própria sexualidade novamente.
A concepção que tinha de “ser amaldiçoado” deu lugar a um sentimento indescritível de completude, de sentir-se completa livre e “com um poder” sobre si mesmo. Em paralelo, Andi precisou passar por processos terapêuticos para se perdoar pelo “tempo que ficou no armário.”
“A proporção do que foi o meu armário, assim foi a minha saída do armário”
Quanto à reação de sua família, Andi esclarece que teve a “sorte” de não ter tido reações negativas, mas que ao mesmo tempo, “estava preparado para simplesmente deixar para trás quem não estivesse” o apoiando.
Na altura, o Terapeuta deixa claro que já tinha dissipado o pavor que algumas pessoas sentem em contar para a sua família, pelo contrário, aos 40 anos Andi tinha “a vida feita” e não dependia de ninguém, o que declara como um fator de conforto quando se assumiu perante a sua família.
No caso específico da sua Mãe, Andi explica que ela não possuía muito conhecimento sobre a temática LGBTI. O sentimento de culpa que a mãe carregava, muito influenciada pelo que Andi chamou de “literatura de pior qualidade”, nomeadamente ao abordar questões sobre a homossexualidade estar interligada à ausência de uma presença masculina dissipou-se, e coube a Andi esclarecer rapidamente através de outro tipo de literacia e conversas o que aquele momento representava.
Para Andi sair do armário foi muito mais uma questão de perceber o grau de compreensão dos outros em relação a quem ele é, do que o medo em falar sobre o assunto. Afirma que estava “absolutamente preparado e consciente” para aquele momento, independentemente do tipo de resposta que obtivesse.
“Ver se realmente a pessoa está apta a se descontruir em relação aos seus conceitos, por carinho, por amor, por dedicação àquela pessoa. Esse foi o caso com a minha mãe.”
“Eu não saí do armário, a minha mãe me tirou dele”
“O medo me consumia, ficava cheio de ansiedade, cada dia era pior em ocultar quem era. Era como escrever um guião para uma história sem fim, tinha medo de não ser querido pelos meus tios, pelos avós, tinha medo de desiludir a toda a gente e não ser o filho exemplar que eles olhavam e idealizavam”

Anthony Ferreira é venezuelano, tem 25 anos e atualmente reside no Porto. Assumir-se enquanto homossexual ocorreu apenas com 20 anos, inicialmente apenas para as suas amigas da faculdade.
Na altura em que o “coming out” ocorreu, Anthony namorava uma rapariga, mas apaixonou-se por um rapaz. Com o tempo a pessoa de quem gostava acabou por afastar-se e a dor que sentiu o levou a desabafar com as amigas. Cinco meses depois Anthony terminaria o relacionamento com a sua namorada pois “não podia continuar com aquela grande mentira”.
Aos 23 anos a sua mãe questionou-o sobre ser gay, num Parque que costumavam passear e Anthony confirmou. O momento, que o Gestor Comercial afirma ter sido “carregado de lágrimas”, ocorreu duas semanas antes do seu voo para Portugal.
Hoje Anthony mantém um relacionamento com João Pedro Ferreira, que já dura dois anos.

O estudante de psicologia confidencia que quando era criança, não sabia lidar com a sua sexualidade, principalmente por não ver na sociedade em que vivia qualquer tipo de representatividade.
Assumir-se tanto para si mesmo, como para as outras pessoas foi um “processo doloroso” e João Pedro recorreu a várias premissas, por vezes não verdadeiras, para esconder a sua orientação sexual.

Apesar de nunca ter-se assumido como gay para os pais, João Pedro explica que aos 21 anos revelou-lhes ser bissexual. Atualmente toda a sua família conhece o Anthony, a quem refere-se como “namorado/ marido”, e que já foram a vários eventos da família juntos.
“Eu sou um amaldiçoado, uma coisa horrenda, preciso ficar escondido”
A violência psicológica é para os três a mais dolorosa e a que mais marcou a vida de todos eles. O sentimento de ameaça que leva à mudança de país, a violência que cada um aplicava a si mesmo e a frustração de não ser compreendido que levou a ofender outras pessoas.
“A pior violência, a mais brutal, foi a que eu infringi a mim mesmo”
Para Andi não há dúvidas que a maior violência que sentia era provocada por ele mesmo. Ao longo dos anos assimilou como verdade todo o preconceito de uma sociedade que considerava como “maldição” a homossexualidade.
Ao mesmo tempo que ia se entendendo enquanto homossexual, ia também “nascendo e formatando os preconceitos”, neste caso à homofobia internalizada, que Andi descreve como “avassaladora, destruidora e corrosiva”.
Aumentava o medo pelo que os outros iriam dizer, e o preconceito da sociedade em que estava inserido, que consequentemente projetou em si próprio.
A aceitação de que, por ser homossexual, ele era “merecedor dessa violência”, criou ao longo de anos uma relação de “condenação”. Relembra que após algum tempo do episódio da sua agressão não sentia mais dor alguma, mas atesta que sofreu uma vida inteira pela violência psicológica.
“Pode haver agressão psicológica sem agressão física, mas não existe agressão física sem agressão psicológica”
Por anos, João Pedro revela que sentia-se como uma aberração. Viveu algum tempo em “fase de negação” e não se aceitava enquanto gay porque não queria ser excluído, queria pertencer a algo, mas acabava por “fechar-se numa concha” e por descontar a sua própria frustração nos outros.
O estudante relembra que por várias vezes praticou bullying com outras pessoas, devido ao estado em que se encontrava face à sua própria sexualidade. Confessa ter sido uma fase complicada da sua vida.
“Eu fazia mais bullying psicológico aos outros do que propriamente a mim, porque estava naquela fase mais de frustração e posso dizer sexualmente, porque eu não sabia aquilo que eu queria.”
“Era escravo da minha mente”
“Há uma violência silenciosa que destrói aos bocadinhos, que limita uma pessoa, que alimenta o medo, que destrói a autoestima e te desvaloriza como mais ninguém o faz. Que deixa uma pessoa ir contra nós próprios, uma violência que nos compara com o resto do mundo e nos faz sentir poucos, que não somos suficientes, que não somos úteis para o mundo”
Somado ao desejo por uma melhor qualidade de vida pela situação que a Venezuela se encontrava em 2017, Anthony procurou em Portugal uma fuga à realidade que o “atormentava”. Ao emigrar, pensava que deixaria para trás o seu “armário” e que não precisaria se ocultar novamente. Porém ao chegar a Portugal o medo sobre o que as outras pessoas diriam sobre si mesmo o fez isolar-se e expõe que não tinha vontade de “publicar nada nas redes sociais”.
O desejo de ser aceite pela sociedade foi um dos fatores que levou Anthony à faculdade de medicina, ainda na Venezuela. Acreditava que ao formar-se Médico seria respeitado pela profissão e que “ninguém poderia ultrapassar essa barreira do respeito”.
Confessa ser um tema difícil de abordar, porque apesar dessa “realidade oculta”, gostava do curso e afirma que se tivesse que escolher novamente, voltaria a optar por medicina.
“Entendi que para ser respeitado não faz falta um curso, uma licenciatura, um mestrado. O valor humano não se mede pelo curso que tenhas. O respeito é algo que todos nós merecemos”
Apesar de atualmente entender que a profissão não está relacionada aos seus direitos e ao respeito das outras pessoas, Anthony relembra que quando contou à sua Tia sobre ser gay a mesma o questionou: “Mas tu vais continuar a estudar medicina verdade?”
Anthony expõe a contradição da profissão com a orientação sexual e critica a construção social e o estereótipo que a sua Tia tinha sobre “o que é ser homossexual”.
O Gestor comercial revela que sempre sonhou em estar em um palco, e atualmente dedica parte do seu tempo à arte da dança, nomeadamente às danças contemporâneas, Burlesque e Dance Hall. Por questões burocráticas, Anthony explica que não conseguiu equivalência no curso de medicina, mas que gostaria um dia de retomar o curso.
O condicionamento a nível profissional por não se assumir enquanto homossexual influenciou também a vida de Andi.
Apesar de referir que atualmente adolescentes de 13, 14 anos já se assumem gays, a realidade de Andi era outra. Quando chegou a idade de escolher a sua profissão, o mesmo refere que foi condicionado por não ter se assumido.
Durante o secundário Andi foi atraído pela música. Em Porto Alegre, no Brasil, acabou integrando um coro e uma banda e foi ali que percebeu que a sua carreira, ou neste caso a sua “porta de fuga” seria tornar-se maestro de orquestra.
Viajou para estudar em São Petersburgo e confessa que o seu sucesso tornou ainda mais difícil toda a situação.
“Eu sofria terrivelmente sendo maestro, não só inconscientemente, todos os dias que eu me levantava da cama para ir ensaiar a orquestra eu estava fazendo uma coisa que significava: tu estás fugindo de ti. Este é o teu instrumento de fuga”
Apesar do seu talento, o tempo todo Andi refletia sobre como seria ainda melhor em algo, se correspondesse ao que realmente desejava, nomeadamente ser historiador, antropólogo ou filósofo.
Quando decidiu afastar-se da carreira musical ouviu de várias pessoas que estava a desistir da sua “paixão pela música”, mas na verdade, Andi refere que essas pessoas é que não tinham noção das suas paixões, o que levou a decisão de afastar-se da música ser apoiada unicamente pela sua irmã.

Após assumir-se homossexual, Andi terminaria a sua faculdade de Filosofia e começava a sua formação em Psicanálise.
“É muito difícil fazer as pessoas perceberem o grau de tormento, tortura e suplício que era estar em uma profissão que dava êxito, difícil e paradoxal, mas para mim era doloroso. Porque o êxito ali implicava um maior distanciamento de mim mesmo. Implicava fuga e cada vez eu ficava mais longe de mim.”
“Os Gays de hoje, são a força para os gays de amanhã”
Enquanto caminhavam de mãos dadas pelo Porto, Anthony e João Pedro foram chamados publicamente de “paneleiros”.

Anthony confessa que, para si, foi a primeira situação em que ficou efetivamente irritado por ter vivenciado. Considera muito importante o “autocontrole das emoções para não ser provocado” e não recorrer à violência como resposta.
“Desconstruir a palavra ‘paneleiro’ e compreender que quem és… nada tem a ver com panelas. E que não há mal nenhum em o ser.”
Para João Pedro este episódio veio mostrar o valor das palavras, da importância de não termos medo delas e da possibilidade de mudarmos o significado atribuído inicialmente àquele vocábulo.
Atualmente quando é questionado ou fazem piadas sobre a sua sexualidade João Pedro menciona que brinca com a situação e não ignora, como fazia antigamente, utilizando assim as palavras a seu favor.
“Mudo logo o assunto para a pessoa que fez a pergunta e tiro o foco de mim mesmo”
“Quem não é visto, não é lembrado”
Visibilidade, representatividade e naturalização são três das palavras que todos os entrevistados mencionaram quando questionados sobre a sua percepção em relação aos media face à Comunidade LGBTI.
A nível do contexto nacional os três vocábulos são ações ainda pouco presentes nos meios de comunicação portugueses e que precisam ser debatidos.

Para Andi há uma lacuna grande a nível de representatividade nos media. Apresenta dois cenários que afirma ocorrer em Portugal: a representação deformada ou caricaturada e a “não representatividade”.
Abordando exclusivamente o parâmetro visibilidade LGBTI, Andi cita o Brasil como um dos países onde a quantidade de artistas, jornalistas, políticos, entre outros, é “infinitamente maior do que existe em Portugal”.
Além da falta de visibilidade na esfera pública, Andi explica que a nível histórico, Portugal, em oposto ao Brasil tem por hábito velar a expressão do afeto público. Nesse sentido a própria comunidade LGBTI em Portugal corrobora para que haja pouca visibilidade na esfera pública de demonstração de afeto.
Cita o exemplo de um dos seus pacientes, sem revelar informações pessoais sobre o mesmo, em que a pessoa é homossexual, está frustrada por não encontrar um relacionamento, mas socialmente não se assume como gay.
“Algum heterossexual por acaso restringe que os outros saibam que é heterossexual?”

Na visão de Anthony, embora refira-se a programas estrangeiros, considera “incrível” a quantidade de personagens LGBTI em séries e filmes. Cita alguns dos programas de Drag Queens que normalizam a transexualidade para o público e que são programas de entretenimentos que possuem cada vez mais audiência.
A nível nacional, Anthony confessa não assistir com frequência, mas que reconhece “um ou dois apresentadores gays” mas que, apesar de serem assumidamente homossexuais não “defendem a bandeira LGBTI” e a luta dessa minoria social.
A relação entre audiência e meios de comunicação é o principal foco da resposta de João Pedro. Apesar de referir que alguns canais já incorporam nas novelas personagens gays, ainda há um longo caminho para construir uma representatividade efetiva das pessoas LGBTI nos media.
“Um homem que não bate na mulher, não é homem”
Coordenar, intervir e promover parcerias são alguns dos papéis da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG.) através de uma estratégia nacional para a Igualdade e Não discriminação. Manuel Albano é responsável pela Delegação Norte e enuncia os quatro principais planos nacionais individualizados –a Igualdade, a Violência Doméstica e Violência de género, as questões relacionadas à mutilação genital feminina e pela primeira vez, um plano específico para a área LGBTI.
A CIG apresenta-se como a entidade responsável pela “coordenação e acompanhamento técnico de todas as respostas existentes” nas áreas de intervenção da violência doméstica, sendo esta entidade coordenadora da Rede Nacional de Apoio e Proteção às Vítimas de Violência Doméstica.
É função deste órgão supervisionar a atuação das diversas Organizações existentes em Portugal que prestam atendimento às vítimas, tal como emitir as “diretrizes técnicas” que atuação a nível nacional. A nível internacional a CIG é a Entidade representativa de Portugal, como explica Manuel Albano.
Portugal procura uma atuação com base nos princípios de uma “lógica de proximidade”, procurando as estruturas e respostas mais próximas de cada vítima. Porém na esfera nacional, a CIG gere três meios de comunicação que a vítima pode contactar. O Serviço de apoio e informação à vítima de violência doméstica – Linha Verde – através do número 800 202 148 e mais dois meios alternativos criados recentemente devido à pandemia, o SMS 3060 e o contacto via e-mail violencia.covid@cig.gov.pt.
Foram emitidas várias orientações às equipas técnicas durante o período de confinamento, porque apesar de ter ocorrido uma redução na denúncia ao crime de violência doméstica, Manuel Albano explica que esses dados não refletem uma diminuição das agressões, pelo contrário. O confinamento promove um maior controle por parte do agressor e de uma forma completamente diferente, pois agressor e vítima mantêm contacto 24 horas.

Além da criação das duas linhas de denúncia e apoio alternativas, a CIG criou campanhas extensas em “locais de estilos próprios de proximidade”, nomeadamente locais de transporte, paragens de transportes públicos, farmácias e bombas de gasolina. A campanha apela também à “solidariedade de todos” no sentido da denúncia. Em caso de conhecimento de crime de violência doméstica, Manuel Albano reforça o compromisso social e moral de denunciar a situação.
As formas de atuação da CIG, historicamente, procuram intervir de forma informal para afastar todas as formas de discriminação. Para alcançar tal objetivo o responsável pela Delegação Norte explica que são produzidos materiais diversos que “descodificam o direito”, ou seja que transmitem a mensagem através de palavras acessíveis, alcançando um maior número de pessoas.
Atuam com as frentes de campanhas de sensibilização, mas também com o incentivo de produção de conhecimento científico, nomeadamente dentro do Ensino Superior onde colocam as temáticas de igualdade na Agenda e tema de estudos.
“Conhecendo melhor, podemos intervir melhor e desenhar a melhor política para atingir as vítimas de violência doméstica, no sentido de definir estratégias e políticas nestas intervenções.”
Relacionando o número de denúncias à maior capacidade do país em dar respostas, Manuel Albano justifica alguns dados.

Duas campanhas anuais são promovidas pela CIG. A 14 de fevereiro, dia dos namorados, a Entidade procura sensibilizar para a Violência no Contexto do Namoro e a segunda na altura do 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Paralelamente a CIG produz campanhas específicas em períodos desfasados para que “as pessoas vão socialmente se apropriando do problema”.
Em 2020 a Campanha #DireitosLGBTISãoDireitosHumanossurge na comemoração do Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, no dia 17 de maio, tentando “alertar para a tolerância zero a todas as formas de violência”.
Apesar das campanhas anuais da CIG, Andi Wagner defende que o Governo Português perde oportunidades em utilizar os seus horários nos meios de comunicação para esclarecer a população em questões sociais, nomeadamente a temática LGBTI.
Sugere, nomeadamente, a promoção de peças publicitárias, pequenos vídeos criativos e informativos que esclareçam a informação. Estas iniciativas, na opinião de Andi, resultariam na assimilação de conhecimento e diminuição significativa de um desconhecimento da população, apesar de ressaltar que algumas pessoas iriam “refutar o conhecimento”.
“Há ignorância por opção e a ignorância por falta de opção”
Manuel Albano reforça a importância da conscientização tanto da sociedade civil, como em organizações e nos órgãos de polícia criminal, pois este tipo de atuação, tem promovido o que o Responsável chama de Desocultação do Fenómeno. Se a cultura antigamente aceitava que um marido agredisse uma mulher e esta era dita como “normal”, a cultura de hoje reprova essa violência e é essa uma das funções da CIG ao conscientizar todo o país.
Observando a nível nacional, o Responsável pela Delegação Norte defende que Portugal tem desenvolvido inúmeras práticas no contexto da violência doméstica e que numa escala global apresenta-se como um bom exemplo de políticas e formas de atuação.
“Silêncio muito grande e uma visibilidade muito pequena”
Sob o ponto de vista das legislações, Andi Wagner concorda que Portugal possui uma eficiência a nível mundial em comparação com vários países do mundo. Refere como sendo uma das “mais completas e mais elaboradas”, mas defende que ainda há muita coisa a ser feita.
“Portugal se desenvolveu muitíssimo no âmbito da legislação, mas ainda há uma lacuna muito grande entre as conquistas legais e as conquistas comportamentais.”
Andi aponta uma necessidade de resposta a nível governamental a respeito de uma divulgação ampla sobre Organizações que prestem apoios nas esferas LGBTI, dar a conhecer os tópicos de discussão, explicar minimamente a legislação existente, exemplificando que muitas pessoas ainda não sabem que homofobia é crime e apesar do avanço no conjunto de leis na proteção da população LGBTI e na garantia de seus direitos, reforça a necessidade da população portuguesa ser esclarecida sobre todas essas questões.
A legislação existente em Portugal é também apontada como um ponto positivo na perspectiva de João Pedro. Por outro lado, a ausência de representatividade da temática LGBTI no panorama nacional reflete, na opinião do estudante, a sociedade machista e patriarcal, principalmente vinculada às atitudes das pessoas.
Destaca também a necessidade de conhecimento sobre estas temáticas e principalmente a existência de apoio psicológico a nível nacional para vítimas LGBTI, para que não tenham medo e possam ter “uma inteligência emocional para lidar com essas situações”.
“Parece que gostam! Se elas quisessem mesmo, elas saíam dessa situação”
Após uma agressão e havendo perigo de vida, as vítimas são encaminhas pelo Centro de Atendimento à Vítima para Casas Abrigo Emergenciais. A Casa Arco-Íris é a única no país voltada exclusivamente para o atendimento de Vítimas de Violência Doméstica LGBTI. Fundada em julho de 2018, surge como sequência das ações do Centro Gis.
Existem as casas abrigo para homens e as casas abrigo para mulheres
– Eu me identifico como mulher, tenho aparência de mulher, mas no meu Cartão Cidadão está um nome e género masculino… para onde devo ir?
Inicialmente a Casa Arco-Íris possuía capacidade para sete pessoas. Marta Zenha, Coordenadora Executiva da Casa Abrigo e Psicóloga, conta-nos que durante o primeiro ano tiveram sempre a “casa cheia” e que posteriormente conseguiram ampliar o espaço para nove pessoas em simultâneo.
Para conseguir atender todas as necessidades das vítimas LGBTI, a Rede Nacional de Atendimento da Vítima de Violência Doméstica possui três estruturas base: os Centros de Atendimento, entre elas o Centro Gis e mais duas instituições em Lisboa, a Casa Qui e a ILGA; as Casas de Acolhimento de Emergência e as Casas Abrigo.
Em termos legais, as Casas de Acolhimento Emergenciais deveriam atender a vítima num período inicial de 15 dias, que podem ser prorrogados por mais duas semanas. Após estes 30 dias a vítima é submetida a uma avaliação de forma a perceber em que medida ela conseguiu estabilizar-se a nível de segurança e psicoemocional, para poder ser encaminhada para outra estrutura da rede, neste caso uma Casa Abrigo.
No caso específico de vítimas LGBTI, Marta relata que é muito difícil as Casas Abrigo aceitarem os pedidos da Casa Arco-Íris para acolherem estas vítimas. Menciona que conseguiram por duas vezes a transferência, em casos muito específicos e por não se tratarem de vítimas transexuais, situação que só foi atendida recentemente pela primeira vez.
A falta de resposta a nível nacional acaba por vitimizar ainda mais aquela pessoa que já sofreu agressões. Novamente ela vê os pedidos de ajuda negados pela sua identidade de género e é uma das grandes dificuldades que a Casa Arco-Íris tenta solucionar, dentro das suas próprias limitações.
Devido a esta falta de resposta por parte das Casas Abrigo, a Casa Arco-Íris recebe vítimas por um tempo indeterminado, ao contrário dos 30 dias previstos. O tempo de permanência será estabelecido de acordo com o estado físico, emocional e psicológico da vítima.
“A Segurança vem primeiro!”
Acolher uma vítima de violência doméstica exige diferentes tipos de acolhimento. A Casa Arco-Íris promove, nesse sentido, diferentes esferas de apoio, porém manter a segurança daquela pessoa é a ação primária e mais urgente quando a vítima chega à Casa de Acolhimento.
Somado à segurança, é necessário perceber o estado de saúde da vítima e saber se é necessária alguma medicação que ela toma diariamente. Muitas vezes as condições adversas que a levaram à situação de acolhimento, não permitiram que a vítima carrega-se consigo a medicação. Nesse sentido a Casa procura fornecer este tipo de recurso.
Após os primeiros dias de adaptação, a Casa Arco-Íris trabalha lado a lado com a vítima no seu Plano de Intervenção Pessoal. São analisados que tipos de apoios, necessidades básicas e serviços aquela pessoa tem direito e que irão auxiliar no seu processo de reintegração.
O suporte social passa por perceber se a vítima tem direito a algum apoio financeiro, nomeadamente o subsídio de desemprego ou o rendimento de inserção social e auxiliar na procura ativa de emprego.
Dentro das formas de apoio à vítima está o acompanhamento ou abertura do processo de denúncia à agressão ocorrida. A Coordenadora da Casa Arco-Íris refere que recebem pessoas já com o auto da denúncia e fazem o acompanhamento do processo. Por outro lado, atendem também as vítimas que ainda não fizeram a denúncia e que, como Marta refere, precisam do seu próprio tempo para estabilizar e decidir pela denúncia.
“A pessoa denunciada muitas vezes está no seio da família e é muito complicado denunciar um pai, ou uma mãe, ou um irmão, ou uma irmã, ou uma avó que até nos criou, mas que efetivamente nos maltratou muito“
Algumas das vítimas optam por não denunciar a agressão e Marta explica alguns dos motivos para esta escolha:
O apoio jurídico que a Casa Arco-Íris promove vai muito além da própria Vitimação e acompanhamento do processo de denúncia da agressão. Em muitos casos a vítima possui contas no nome do agressor e a vítima precisa desvincular essa ligação. Em outros casos a vítima possui algum problema de crédito ou problemas com a justiça.
Se estiver dentro das possibilidades dos Técnicos, Marta afirma que a Casa mobiliza-se na resolução desses problemas e na orientação das medidas a serem tomadas. Ressalta também que este tipo de apoio muitas vezes não é dado em muitas Instituições e a vítima acaba por ir acumulando fragilidades à sua condição prévia de vítima.
Outra situação recorrente a nível jurídico, em específico para pessoas transexuais é a aprovação na alteração do nome e género no Cartão Cidadão. A Psicóloga menciona que há uma enorme satisfação das pessoas quando alcançam esta meta porque, em determinados casos, são anos ou meses de compreensão sobre a sua própria identidade, e que finalmente está refletida num documento oficial. É uma validação da sua identidade e que está exposta para toda a sociedade.
Estas diferentes áreas são trabalhadas praticamente em simultâneo e num curto espaço de tempo enquanto a vítima habita na Casa Abrigo. Essa limitação de tempo acaba por dificultar aos Técnicos da Casa perceberem a eficiência da reintegração da vítima na sociedade.
Marta descreve como sendo uma reintegração frágil, que está diretamente ligada a questão da vítima conseguir um emprego estável, conseguir ter um atendimento médico eficaz e não discriminatório, o que muitas vezes torna-se difícil.
Ao imaginar um cenário de possível reintegração de uma vítima transexual, a Coordenadora exemplifica o caso de uma Mulher transexual que não conseguiu a alteração do seu nome ou género na documentação. Esse fator pode por muitas vezes afetar as suas relações dentro do seu ambiente de trabalho e que também não consegue ter a sua “condição” preservada, pois não tem a nível legal uma correspondência ao sua identidade.
Paralelamente, Marta enfatiza a importância da terapêutica hormonal na vida de pessoas transexuais, porém, relembra que é um processo que “leva o seu tempo”. A saúde precisa ser “vista por um todo” conciliando o lado físico e mental para permitir uma melhor reintegração.
Apesar de ser uma Casa de Acolhimento Emergencial, a Casa Arco-Íris tenta manter o acompanhamento das vítimas após a sua saída. Marta confessa que algumas “ex-vítimas” recorrem à organização para pedir apoios, nomeadamente em casos em que a pessoa perdeu o emprego. Nestas situações a Organização procura sempre articular-se com outras instituições e tentar conseguir alguma ajuda nesse sentido.
“É um cheiro, é uma palavra, é um barulho”
A vida após a saída da Casa Abrigo é sempre um desafio em várias esferas da vida das vítimas.
“Pode levar anos”
É a resposta de Marta quando questionada sobre o tempo de um processo de acusação de violência doméstica.
Em muitas das situações descritas, a Vítima acaba por seguir com a sua vida, após a agressão e após o acolhimento. Somado ao facto da vítima descrer na eficácia do sistema, está a questão da duração do processo e de várias das vítimas não querem reviver aquele momento, ou em alguns casos nem querem o mal do suposto agressor e quererem apenas “salvaguardar-se a elas próprias”.
A possibilidade das vítimas conseguirem ou não recuperar-se do trauma da agressão que sofreram é, para Marta, uma pergunta sem resposta concreta.
Em vários dos casos que chegam à Casa Arco-Íris tudo o que as vítimas recordam-se é de serem insultadas e discriminadas ao longo de toda a sua vida. Marta adverte que em situações como esta, há quase uma “auto identificação” com a situação de agressão, porque aquela é a única realidade que a vítima conhece.
Mesmo depois de algum tempo após agressão e mesmo com a possibilidade de reestruturar a sua vida, para Marta, este tipo de traumas pode ser reavivado a qualquer segundo e através de “detalhes” do dia a dia, o que dificulta ainda mais na garantia de uma superação plena sobre o ocorrido.
A nível nacional as Instituições procuram trabalhar em parceria, tanto a nível nacional, como na área de proximidade. Apesar de já existir uma formação para Técnicos, para lidarem com Vítimas, a Coordenadora da Casa Arco-Íris refere a extrema importância destes profissionais desenvolverem um nível de empatia e de não julgamento à própria vítima.
A decisão de algumas vítimas regressarem para a convivência com o seu agressor é uma das situações, que ocorrem com alguma regularidade, e que Marta reforça não ser papel da sociedade julgar a decisão, e que não podemos privar a vítima da sua liberdade de escolha, mesmo com todo o aconselhamento oferecido sobre a possibilidade das agressões voltarem a acontecer.
“Cada caso é um caso e nós não estamos no lugar da pessoa. Podemos imaginar, mas muito à distância. Nós não somos ninguém para julgar”
Ao falar sobre o papel da sociedade na desconstrução de pré-conceitos, Marta dá um exemplo do cotidiano em que, de forma indireta já apresentamos um discurso “hétero-normativo”.
A educação, a formação e a responsabilidade de cada cidadão em querer mudar o contexto de violência LGBTI, passa muitas vezes pela dimensão da esfera local em paralelo com ações Governamentais.
“Prefiro um filho preso, do que um filho gay”
“Da primeira vez é uma discussão, na segunda vez é um empurrão, na terceira vez é um soco no olho, quebra um dente, quebra um nariz e dali pra frente o que será que pode acontecer? Só Deus sabe, mas a gente já prevê que, ou ele vai degolar ela, ou ele vai pegar numa faca e dar nela dormindo.
E as crianças que estão vivendo e convivendo com esta situação, que é muito complicada e que deixa elas traumatizadas para o resto da vida? Às vezes não querem se casar porque acham que o casamento não é uma coisa boa; ou não querem ter um pai ríspido e forte, acham que os homens não prestam e por isso as meninas resolvem se apaixonar por outras meninas; ou aquele pai é muito machista e um filho se apaixona por outro menino e tem o apoio da mãe e não tem o do pai. Mas se a gente tiver um livro aberto para poder conversar e dialogar, podemos tomar decisões juntos até, e ter uma vida feliz, porque a felicidade, também ela, é cíclica.”
Promover a mudança de mentalidades passa por promover este diálogo nas escolas. Adriana Moraes promove palestras em escolas com o tema dos Direitos Humanos, incluindo a igualdade de género e a temática LGBTI em parceria com outras Instituições.
Brasileira do Rio Grande do Sul, mora há doze anos em Portugal e atua como Mediadora Intercultural Municipal pela Câmara da Maia. Possui também o Curso da CRIAP como Técnica de Apoio à Vítima e lida diariamente com a questão de emigrantes em Portugal.
Ao lidar com crianças e famílias nestas ações, Adriana conta que ao ter uma abordagem na primeira pessoa, ao falar dos seus próprios exemplos, muitas vezes é o início de um diálogo nestas palestras.
– Ah eu prefiro um filho preso, do que um filho gay!
– A Senhora prefere um filho preso, do que um gay? Eu prefiro um filho feliz!
Nas visitas às escolas, Adriana explica que a sua forma intervenção passa por provocar a reflexão das crianças inicialmente através de uma história:
As reações a este conto refletem muito a construção de identidade e a visão de sociedade que cada faixa etária está a desenvolver. Adriana expõe que a maioria das “crianças pequeninas” do Jardim de Infância e do 1º Ano, consideram a história deste Príncipe como mais um Conto de Fadas que escutam, tal “como a da Cinderela, da Branca de Neve ou outra qualquer”.
A partir do 2º Ano, as crianças demonstram um preconceito, que Adriana esclarece como um reflexo dos preconceitos que os adultos com quem esta criança convive possui, pois a “criança não nasce com preconceito nenhum”.
É a volta desse debate que as crianças entram em contacto com novas perspectivas sobre a temática LGBTI e que permite a Adriana criar um diálogo com os “mais pequenos”, trazendo para a esfera escolar a questão do bullying.
Somada também à esfera doméstica, a importância destas formações nas escolas passa também, segundo Adriana, pela educação dos Pais e Docentes que não sabem como trabalhar estas temáticas ou como explica-las. A formação nas escolas é uma oportunidade de aproximar crianças, pais e docentes para este diálogo.
Tal como a Adriana, Andi Wagner participa em palestras sobre a temática LGBTI e ressalta que tem por hábito perguntar ao seu auditório, professores e alunos, se há alguém assumidamente homossexual ou transexual. Na maioria dos casos, ninguém se manifesta.
“Onde é que estão os professores, quantos alunos tem aqui, teria que ter aqui um número razoável de pessoas gays, lésbicas, etc, às vezes há um ou outro que se manifesta e isso é maravilhoso, mas onde é que estão os outros, onde está o resto?”
A resposta, segundo Andi revela que essas pessoas ainda não se assumem enquanto LGBTI socialmente, especialmente os Professores, e o Terapeuta levanta o questionamento sobre os motivos para isto acontecer.

Num âmbito pedagógico Andi também atuou durante três anos como Professor da escola primária em Portugal e explica que por ser brasileiro era questionado com frequência sobre sua “esposa”. Era um momento natural em todas as suas turmas, onde Andi explicava com tranquilidade a sua orientação sexual.
A naturalidade com que Andi lidava com essas questões no ambiente escolar fez com que, nomeadamente em festas nas escolas, onde o marido do Professor também estava presente, houvesse “normalidade” por parte dos alunos em verem o seu professor e o seu cônjuge de mãos dadas.
Não havia espaço para homofobia ou comentários preconceituosos por parte de pais ou outras pessoas, porque todo o ambiente escolar estava ciente da orientação sexual daquele Professor. A transparência que tinha com seus estudantes e corpo docente, no caso de Andi, foi uma das formas de “blindar” o preconceito.

“Combater o Bullying contra pessoas LGBTI” é o objetivo do projeto “Gis Vai à Escola” promovido pela Associação Plano i e financiado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género no ano letivo de 2019/2020.
O projeto passou pela criação e validação de materiais de formação para o ambiente escolar.
No total foram criados seis kits educativos, atribuindo uma cor do arco-íris a cada Ciclo de Estudos – Pré-Escola, 1º Ciclo, 2º Ciclo, 3º Ciclo, Ensino Secundário e Ensino Profissional – sendo cada kit composto por uma mala de transporte, um manual de formação, uma pendrive com apresentação de apoio, um caderno e caneta para registros e materiais necessários para as atividades.
Material Didático Mala de Transporte Manuais de Formação “Gis vai à Escola”
Os Kits Educacionais atendem as “linhas orientadoras da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação, Portugal + Igual (2018 – 2030).
Todos os Kits pedagógicos são construídos tendo como base as “especificidades de cada ciclo de estudos no que concerne à faixa etária e à etapa desenvolvimental”. Nomeadamente, no Ensino Pré-Escolar e 1º Ciclo abordam-se questões associadas às Relações Interpessoais e Sociais e os Direitos Humanos. No 2º Ciclo o enfoque é no Género e a Igualdade, o Insulto e o Bullying. Desenvolvem-se estas temáticas também no 3º Ciclo, em paralelo com as questões de Orientação Sexual, Identidade e a Expressão de género. O Ensino Secundário e Profissional aborda temáticas sobre as características sexuais, a diversidade e a regulamentação e resolução de problemas.
A execução deste projeto passou pelo contacto de Escolas do Concelho de Matosinhos, obtendo três respostas positivas.
Para consolidar os resultados do projeto “Gis vai à Escola”, a Associação Plano i promoveu um evento online, através das suas redes sociais.
Na apresentação, a psicóloga Marina Hintze explicita que a validação dos Kits Educativos não foi possível nas esferas do Pré-Escolar e 1º Ciclo, pelas escolas terem colocado “algumas barreiras” à intervenção do projeto por tratar de questões LGBTI.
O Projeto questionou as escolas dos motivos para tal impedimento, tendo as Escolas alegado que a objeção teria advindo de alguns Encarregados de Educação “face aos temas”.
“Educação para a Diversidade”
Relativamente a ações necessárias para garantir os diretos LGBTI, a resposta é consensual aos três entrevistados: Educação!
Falar sobre inclusão e a história do movimento LGBTI são alguns dos temas que Anthony destaca como importantes para serem abordados nas escolas. Falar sobre a luta pelos direitos LGBTI, a discriminação cultural existente, abordar os diferentes “tipos de famílias” que existem, na opinião do venezuelano são algumas das formas de sensibilizar a sociedade.
Na esfera religiosa reivindica, nomeadamente, uma postura “mais madura” por parte da Igreja Católica, em aceitar os seus membros que são homossexuais e que não se assumem. Nas palavras de Anthony são fieis que “vivem condenados a uma mentira e que reprimem a sua sexualidade”, por acreditarem que “Deus não os ama”.
“Uma coisa são as leis, outra coisa é o comportamento das pessoas em sociedade”
Implementar formação em diferentes esferas é o principal ponto defendido por João Pedro. Enfatiza a legislação existente em Portugal, mas que há pouca educação por parte daqueles que deveriam exercer e aplicar estas leis, como no âmbito policial, onde são feitas as denúncias.
Para combater as desigualdades, a discriminação social e a violência doméstica, João Pedro defende que é preciso levar o conhecimento às escolas, empresas e à Polícia. É através dessas formações que estes profissionais saberão lidar com as situações que chegam até eles e reduzir a probabilidade de preconceitos dentro das esferas que necessitam prestar apoio à sociedade.
“Não basta só os manuais que são excelentes e produzidos pelo Governo Português, se as pessoas não aplicam. Porque aquela professora pode ter uma filha lésbica e infringir violência contra a sua própria filha. Como que ela não vai infringir violência a uma aluna ou aluno que se mostre homossexual? Quem garante que o policial que está lá não é homofóbico e que não faria a mesma coisa, caso se tratasse do seu filho? Esse é o problema!”
O preconceito presente em diferentes segmentos da sociedade é uma das principais questões levantadas por Andi Wagner. “Não é porque é professor, ou porque é policial que não se é preconceituoso” e nesse âmbito a educação, esclarecimento dos pais e a denúncia tornam-se medidas essenciais.
A nível educacional Andi ressalta o material governamental produzido sobre Educação Sexual. Explica que temas como orientação sexual, identidade de género, intersexualidade são abordados de forma “satisfatória” nos conteúdos produzidos.
O problema está na aplicação efetiva desse material, que precisa ultrapassar as barreiras do preconceito daqueles que “deveriam proteger e aplicar esse material nas escolas”.
A melhor resposta social para o Professor é a Educação para a Diversidade. Esclarecer sobre as temáticas, dar uma resposta favorável às novas gerações à medida em que estas discussões forem implementadas na sociedade.
“Educação é que faz as pessoas se tornarem mais esclarecidas, a educação para a diversidade, porque existem muitas pessoas extremamente cultas, mas extremamente preconceituosos também.”
Metanarrativa
[Rodrigo do Carmo Matos]
Uma reportagem sempre começa por encontrar um ponto inicial que abra caminhos para algumas questões.
Dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a equipa formulou um tema de partida: violência doméstica em Portugal, o que existe em apoio para as vítimas?
Numa conversa e no acompanhamento feito com a professora Vanessa pensou-se na necessidade de ir mais para o lado de como as vítimas de violência doméstica lidam/superam o ocorrido.
Iniciadas as primeiras pesquisas e depois as entrevistas, decidimos reformular e o novo ajuste surgiu, enquadramos a investigação na violência doméstica LGBTI.
Temas relacionados aos ODS não são diferentes aos outros assuntos, são todos importantes para construção e ajuste da sociedade.
Ao longo desses últimos meses as aulas de Ciberjornalismo contribuíram para mais enriquecimento pessoal e profissional. Cada análise ou linha de um texto feito foi importante nesta caminhada académica.
[Beatriz Walviesse Dias]
Ao olhar para o que era a ideia inicial para este trabalho e a sua forma final, acredito que o próprio tema e o contexto atual moldaram a narrativa da reportagem.
Quando a turma realizou a votação para escolher os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ainda em aulas presenciais, lembro-me que duas das pessoas que votaram pela “igualdade de género” pertencem a este grupo. À partida já estávamos mais inclinados a escolher uma temática vinculada à mulher e à luta pela igualdade de seus direitos.
Posteriormente uma situação pessoal acabou por ajudar nessa escolha. Durante a quarentena, a minha mãe recebeu uma ligação de um amigo brasileiro a pedir ajuda, porque uma conhecida tinha sido vítima de violência doméstica. Ela encontrava-se numa Casa Abrigo em Portugal, com um filho, mas sem família que a pudesse ajudar, por estarem no Brasil.
Na época, estava declarado o Estado de Emergência e a Casa Abrigo era longe de onde moro, então não podíamos efetuar deslocações. Lembro-me que procuramos pessoas que pudessem ajudar, até chegarmos ao contacto da Adriana Moraes que, a partir daquele dia, auxilia no caso dessa vítima de violência doméstica.
Em partes, acredito que esse acontecimento tenha me incentivado a ponderar fazer um trabalho em volta dos crimes de violência doméstica e, assim, o nosso grupo decidiu inicialmente falar sobre as consequências na vida dessas vítimas, se é possível superar este trauma e de que forma.
A Adriana Moraes tornou-se a primeira fonte deste trabalho, por termos conhecimento prévio de que atuava na área. Paralelamente, entramos em contacto com a APAV e com a Organização Plano i, que prontamente nos deu resposta.
Apesar da APAV disponibilizar-se para a entrevista, a Instituição exigiu que enviássemos o Guião com as perguntas. Mesmo após mencionarmos as temáticas que seriam abordadas e que parte das questões surgiriam ao longo da entrevista, de acordo com as respostas dadas, a Entidade continuou a fazer tal exigência. Por considerarmos a prática do envio prévio das perguntas, um exemplo a não ser continuado, decidimos não seguir em frente com esta fonte e manter as restantes que nos tinham dado resposta.
Em consequência da entrevista com a Adriana, fizemos contacto com o Manuel Albano, representante da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e com o Andi Wagner, que durante a entrevista descobrimos trabalhar na Casa Arco-Íris e que posteriormente veio a ser uma das nossas vozes principais para a reportagem.
No caso da Plano i, encontramos vários projetos que atendiam às nossas perguntas, projetos voltados para a violência doméstica de mulheres, para as pessoas LGBTI e a Casa Abrigo Arco-Íris. Acabamos por enviar e-mail às três. O primeiro retorno veio por parte da Marta Zenha, coordenadora da única Casa Abrigo Emergencial para LGBTI em Portugal, a Casa Arco-Íris.
Ao fim de todas as entrevistas vinculadas a Organizações e Entidade de Apoio, percebemos que havia um tema que não estava na nossa pauta, mas que todos os entrevistados mencionaram – a temática das vítimas LGBTI.
Nesta fase, e por circunstâncias do próprio trabalho, decidimos que o mais coerente seria alterar o enquadramento para focarmos exclusivamente nas vítimas LGBTI e de que forma o tema é tratado nas diferentes esferas.
As dificuldades que tínhamos desde o início em encontrar fontes que fossem vítimas de violência doméstica foram solucionadas quando pedimos ajuda ao Andi Wagner. Para nossa surpresa, o próprio mostrou-se disponível para contar a sua história e contactar dois conhecidos, que passaram por situações de agressões.
Apesar de termos alterado o enquadramento inicial, lembro-me que Wagner questionou-nos quanto ao perfil de pessoas que procurávamos para entrevistar. Não tínhamos definido uma idade ideal, ou o género da pessoa, mas foi neste momento que resgatamos parte do nosso tema inicial.
“Não temos um perfil vinculado a idade, mas inicialmente o nosso projeto seria voltado para casos de violência doméstica em que a vítima conseguiu ‘superar’ os traumas dessa violência. Achamos que seria mais relevante mostrar os casos de ‘sucesso’ (ou que conseguiram seguir as suas vidas), do que enfatizar apenas a violência em si.” – Esta foi a mensagem que enviei ao Andi Wagner.
Avisamos também que a identidade das fontes poderia ser salvaguardada sob anonimato, por tratar-se de uma violência grave e uma situação que fragiliza a vítima. Porém, Wagner mostrou-se logo disposto a falar sobre tudo de forma ‘aberta’ e disse prontamente não querer esconder nenhuma informação.
O mesmo aconteceu com o João Pedro e o Anthony, que deixaram-nos à vontade para questionar sobre os temas da nossa reportagem. Apesar de recebermos dos entrevistados essa “liberdade” para as perguntas, preparar estas entrevistas foi um desafio.
Ao mesmo tempo que não queríamos ser “invasivos”, precisávamos questiona-los sobre temas como agressões e traumas que poderiam existir. Encontrar um equilíbrio entre fazer as perguntas sobre o tema, mas mantendo a dignidade da fonte foi uma parte importante e complexa no desenvolvimento desta reportagem.
Em termos de estrutura foi um desafio lidar com as barreiras advindas da quarentena. O desejo de gravar as entrevistas pessoalmente, de recolher imagens e de adaptar o ângulo do entrevistado à lente da câmera. Com o distanciamento obrigatório ficamos limitados às ligações via Zoom e aos áudios pelo What’s App, o que exigiu uma readaptação do nosso grupo na hora de construir a reportagem.
Algumas das gravações tinham cortes por causa da internet, áudios perdidos pela rede que ‘caía’ durante a chamada e assim foi necessário utilizar apenas o áudio, ou transcrever as partes que estavam audíveis, preservando a informação crucial do que o entrevistado contava.
Recordo-me que um dos trechos que retive na minha memória ao longo do desenvolvimento do trabalho, foi a história do Príncipe, que Adriana narrou durante a entrevista e que, quando alteramos o tema, foi das primeiras partes que sabia como e onde encaixar na temática, pois era uma história contada para crianças em contexto escolar.
Neste sentido, a literacia surgiu como uma personagem importante no nosso trabalho. Como mencionado anteriormente, não queríamos focar na violência, e ao pensarmos na sociedade em que vivemos, a melhor forma de reduzir estas agressões é através da educação e da literacia sobre direitos humanos.
Com essa ideia em mente, o projeto Gis Vai à Escola, mostrou-se um exemplo atual do contexto português, em que procuraram levar a escolas conteúdos LGBTI adequados a cada idade. Novamente a Plano i mostrou-se disponível para nos ajudar e a fornecer-nos as informações necessárias.
Lembro-me que assisti a uma parte da transmissão pelo Facebook que a Plano i promoveu para mostrar os resultados sobre o Projeto “Gis Vai à Escola”. Fiquei ligeiramente surpresa e bastante desiludida quando percebi que o Projeto não conseguiu alcançar as faixas etárias mais novas (Pré-Escolar e 1º Ciclo), pelo facto dos Encarregados de Educação não autorizarem tal atividade. Vale ressaltar que todo o conteúdo era construído tendo em consideração a idade dessas crianças.
Acredito que este caso em particular refletiu a extrema necessidade de falarmos sobre a temática LGBTI, de desmistificar o conceito de Educação Sexual e de temas como este para todas as idades nas escolas. Somado à esfera educacional e social, os resultados da “Gis vai à Escola” mostrou-nos a importância de abordar este tema na nossa reportagem e também dentro do contexto jornalístico e mediático em geral.
[Pedro Faria]
Sendo este um trabalho cujo o tema é à nossa escolha, penso que tivemos uma maior liberdade de escolher um tema que tenha mais significado para nós.
Escolhi este tema exatamente por isso, o tema de violência a mulheres e outras minorias, é algo que me atinge e que me provoca por dentro e que, honestamente, me traz alguma raiva.
Obviamente, tivemos as dificuldades que todos tiveram, sendo uma das maiores a carga de trabalhos que possuímos todas as semanas de todas as cadeiras do nosso curso. Uma outra dificuldade minha, seria a minha vida pessoal, por estar envolvido em projetos que necessitam do meu tempo e que me deixam mais atarefado. Obviamente, que o início da pandemia e o estado de emergência foi o maior obstáculo que se teve de enfrentar, por ser algo que nos impede de movimentar livremente e de nos confinar em casa.
Devo dizer que fiquei feliz por falar do tema da violência LGBTQIAP+, sendo algo que me afeta a mim também por fazer parte da comunidade. Portugal é muitas vezes declarado como um país seguro para a comunidade, porém, obviamente que a Lgbtfobia ainda existe e continua forte, especialmente na população mais velha, é com muita felicidade, e alívio, que posso dizer que, os mais jovens, estão a desconstruir mitos e preconceitos que a comunidade LGBTQIAP+ possui e carrega à muitas décadas.
Fiquei bastante inspirado com a história ao ouvir a história de aceitação como homossexual consegui me relacionar com certas partes, a negação da sexualidade, a mentira, dúvida, sentimentos que me fizeram relembrar épocas onde eu duvidava de quem eu era e não me conseguia aceitar.
Foi um prazer descobrir que existe este apoio para a comunidade LGBTQIAP+ em Portugal, sinto até um certo orgulho neste pais por isso. Portugal mostra ser um pais que demonstra se preocupar por esta comunidade, que é constantemente vítima de perseguição e assédio. Também foi ótimo perceber que existem projetos para ensinar aos mais novos sobre o combate ao assédio, bullying e preconceito. Achei maravilhoso o projeto “Gis vai à Escola” onde os mais jovens aprendem temas importantes como igualdade,respeito,assédio,bullying,orientação sexual e mais. Temas que ainda são ignorados e tratados como se não fossem importantes.
Não me posso esquecer do apoio que a nossa professora Vanessa Rodrigues nos deu ao longo desta jornada, que nos apoiou e nos ajudou este tempo todo e, para mim, será um exemplo na minha vida profissional.