Estudar fora de casa: quando é preciso escolher outra cidade para viver
- Vanessa Julieta Carvalho de Sousa
- 22/01/2021
- Atualidade Portugal
Anualmente a cidade do Porto é a primeira opção de vários estudantes que procuram uma melhor qualidade de vida e outras oportunidades.
Ângela Fernandes, Camila Gameiro, Ana Cláudia Fernandes, Mariana Duarte e Sara Silva são o exemplo de 5 estudantes universitárias que vivem longe do seu agregado familiar. A procura por um futuro profissional melhor foi o principal fator de deslocação, confessam as estudantes. Em contrapartida, Raquel Valente e Maksym Povkhanych são estudantes universitários que se deslocam diariamente ao Porto.
Ângela Fernandes tem 22 anos e é natural da Póvoa de Lanhoso. Encontra-se a viver no Porto há cinco anos como aluna deslocada. A cidade Invicta foi sempre a sua primeira opção, pois o curso que escolheu só existia lá. De Biotecnologia Medicinal foi só um passo até ao mestrado na Faculdade de Ciências (FCUP) em Aplicações em Biotecnologia e Biologia Sintética.
Encontramo-nos em frente à porta número 37, na Rua do Amial. Aqui reside Ângela com mais quatro colegas desde que deixou a terra que a acolheu. É sentada no sofá que conta a sua experiência enquanto aluna deslocada. “A viagem para o Porto iria ser bastante desgastante, pois, é cerca de uma hora e 30 minutos”. O tempo das viagens torna-se cansativo e Ângela não consegue tirar o melhor partido disso.
Devido à pandemia deixou de ir a casa todos os fins-de-semana para evitar contactos, contudo expõe que anteriormente ia a casa regularmente aos fins-de-semana “não estava habituada a morar sozinha, sentia-me mais confortável em ir a casa e estar com os meus familiares”. No entanto, para se sentir perto de casa costuma trazer refeições feitas pela mãe, para lhe trazer algum aconchego.
Atualmente, viver fora de casa já se tornou num hábito, pois já são muitos anos fora do seu conforto familiar, confessa Ângela Fernandes.
No mesmo trajeto da Rua do Amial vive Camila Gameiro, estreante na cidade do Porto. Encontra-se no primeiro ano do curso de Arquitetura na Universidade Fernando Pessoa. 138 km é a distância que separa Camila da casa dos pais, em Pombal, Leiria. O trajeto torna-se impensável para fazer diariamente: “não tive opção, são duas horas de comboio e tive mesmo de ficar a morar aqui no Porto para conseguir estudar”. Além da distância, as médias foram outro entrave na candidatura da estudante.
Ser independente é um processo que se adquire com o tempo. Camila explica “tento sempre trazer comida de casa, congelo e vou retirando diariamente, claro que, uma vez ou outra acabo por almoçar na faculdade”. Tem por hábito fazer as refeições na sala de jantar, a zona mais ampla e confortável da casa. Em prol de uma melhor organização faz sempre um planeamento da semana e das tarefas domésticas.
Para a estudante de 18 anos é difícil chegar a casa e não ter o porto seguro dos pais, com quem possa partilhar o seu dia-a-dia. Apesar disso, sente que foi bastante bem acolhida pelos professores e pelos colegas de turma “são bastante simpáticos, muito companheiros e acabo por não me sentir tão sozinha”. No entanto, há telefonemas todos os dias.
A estudante de 18 anos não é a única. Ana Fernandes vivenciou a experiência de igual forma. “Pessoalmente foi um grande passo na minha vida, uma menina da vila, Castelo de Paiva, ir viver sozinha para o grande Porto. É uma experiência na qual não me arrependo e sem dúvida voltava a fazê-lo”.
A paivense de 21 anos mora no Porto há cerca de 2 anos. Finalista do curso de Ciências de Comunicação na vertente de Jornalismo, conta que a maior dificuldade pela qual passou foi o deslocamento da sua terra natal para a Invicta. No entanto, refere que foi uma oportunidade que a ajudou a crescer e que voltava a fazê-lo.
São 17h30 e Ana Cláudia acaba de sair de uma aula da Universidade Lusófona do Porto. Da estação de metro até a sua área de residência no Porto, são cerca de 15 minutos. De mala na mão, Ana leva-nos até à porta número 111 do rés-de-chão, em Salgueiros.
Agora que já nos encontramos no apartamento, a estudante descreve a sua rotina habitual, “este é o caminho que percorro diariamente para ir às aulas”. Apesar de gostar de residir na cidade Portuense, o seu refúgio de fim-de-semana é em Castelo de Paiva. “A falta do sentimento de casa e as saudades da família faz com que todos os fins-de-semana regresse ao meu lar”.
A partilhar casa com mais 4 raparigas, também elas estudantes, a adaptação tornou-se mais fácil “todas estamos a viver no Porto por uma questão de um futuro melhor. Aqui, encontram-se os cursos que queremos tirar. Há uma maior compressão, uma vez que passamos por dificuldades idênticas. Não é um mar de rosas, é muita responsabilidade”, reflete Ana.
Mariana Duarte, de 19 anos, natural de Aveiro, conta que os pais sempre tiveram um papel fundamental na sua vinda para o Porto. Estudar perto de casa nunca foi opção nem para estudante nem para os seus familiares, uma vez que “mesmo que estivesse em Aveiro provavelmente não moraria em casa, morava em Aveiro. A decisão não depende só de mim, mas também dos meus pais, eles incentivam-me muito na independência”. Acredita que vai ser vantajoso no seu futuro esta experiência.
Mariana não é a única filha como aluna deslocada, tem dois irmãos mais velhos que passaram pelo mesmo processo, acabaram por ir morar para a ilha de São Miguel, nos Açores. Habituada a ver os irmãos longe de casa, sente que “nunca foi preciso nenhum tipo de conselho, porque já sabia mais ou menos como as coisas funcionavam. Acho que me habituei à ideia e por isso, tornou-se mais fácil lidar com a distância”. E liga diariamente aos pais para os tranquilizar.
A viver em Arca d’Água, Campo Lindo desde o primeiro ano na Universidade Fernando Pessoa, Mariana Duarte escolheu esta zona por estar mais perto do local onde estuda. A estudante de Medicina Dentária revela que apesar do seu curso exigir muitas competências tenta equilibrar as tarefas domésticas. “Tenho as quartas-feiras livres, por isso tento fazer nesses dias, mas também tento deixar os espaços comuns limpos depois de os usar, para depois não ter tanto trabalho”.
Sara Silva de 21 anos veio para o Porto no seu último ano de curso em Serviço Social. Estagia numa Instituição “O meu lugar no Mundo” e é natural de Castelo de Paiva. Aqui vê os seus dias passarem entre as nove da manhã e as sete e meia da tarde. A viver sozinha na cidade sente falta de ter alguém com quem partilhar o seu dia. Utiliza o quarto, pintado em tons de branco e vermelho, como refúgio para descansar.
Embora, Sara gostasse de visitar mais locais turísticos no Porto, não tem essa possibilidade por questões económicas. Acredita que tudo tem um preço, “acabo por não ter oportunidade de conhecer aquela que é a nossa cidade. Aqui no Porto quase tudo tem um preço de entrada e torna-se realmente complicado conhecer e perceber a história que está associada”.
Atualmente, Sara mora na zona do Bonfim, na Rua Santos Pousada. Acabou por escolher essa área de residência pela facilidade de deslocamento até ao estágio. O Porto foi a sua primeira opção de residência uma vez que ir e vir todos os dias da casa dos pais, torna-se cansativo e desgastante. Contudo, Sara acredita que viver sozinha tornou-a numa pessoa independente “quando se aprende a viver de forma autónoma, voltar aquela que foi a minha casa desde o dia que nasci, é toda uma questão”.
Segundo as estatísticas da Base de Dados Portugal Contemporâneo PORDATA, no ano de 2018 estavam inscritos 372.753 alunos no Ensino Superior. De acordo com o levantamento pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, 42,3% do Ensino Superior Público são deslocados. Dos alunos deslocados, 40,9% são dos cursos técnicos superiores profissionais, 41,9% de licenciaturas, 48,3% de mestrados integrados, 38,9% de mestrados e 35,7% de doutoramentos.
A cidade do Porto atrai cada vez mais turistas o que acaba por ser prejudicial para os estudantes universitários, em consequência os preços das rendas aumentam, pois, os alojamentos começam a ficar escassos, na procura que apresentam. Os valores do alojamento são uma das principais preocupações das famílias e dos estudantes universitários.
Os cinco entrevistados mostram algum desagrado e inquietação pelo futuro na cidade portuense, pois começa a tornar-se infundado os valores praticados. E reconhecem que “não há nenhuma legislação que seja efetivamente praticada para controlar essas situações e por essa razão, os preços vão acabar por aumentar até que haja algum problema bastante grave, que mude esta situação. Mas não vejo isso acontecer num futuro próximo”, refere Ângela Fernandes.
Em média um quarto na cidade Invicta fica por 300€, inclui apenas alojamento. As restantes despesas (água, luz, gás e internet) são pagas à parte mediante as contagens destes serviços.
Em março de 2019 quando se iniciou o confinamento devido à COVID19, Ângela Fernandes, Ana Cláudia e Mariana Duarte voltaram para a residência do agregado familiar, mas para conseguirem manter a casa no Porto tiveram de proceder ao pagamento da renda todos os meses, aos respetivos senhorios. As jovens acreditam que foi infundado, na medida em que, não estavam a usufruir da casa e tiveram que continuar a pagar a mesma, com o acréscimo das despesas.
Alunos não deslocados
Raquel Valente e Maksym Povkhanych são dois estudantes universitários que se deslocam todos os dias ao Porto para ter aulas.
Raquel Valente de 21 anos, natural de Ovar e estudante do terceiro ano na Universidade Lusófona do Porto, em Ciências da Comunicação foi no Porto que viu o seu percurso académico começar.
Demora cerca de duas horas todos os dias de comboio a fazer o trajeto, mas mostrou-se sempre resiliente e nunca teve vontade de desistir apesar do cansaço das viagens. A estudante já pensou em morar na cidade onde estuda, “no entanto, não o fiz porque pagar todas as despesas seria um valor exorbitante. Depender dos meus pais a esse nível, está fora de questão, por isso, prefiro fazer um maior esforço e andar de comboio durante 2h do que estar alojada no Porto”.
Raquel assume que atualmente reconhece isso uma vez, que começou a trabalhar aos fins-de-semana em regime part-time, “faz ter uma perceção melhor das coisas e que o dinheiro as vezes faz falta.”
O mesmo acontece com Maksym Povkhanych residente em Aveiro, com 22 anos e no seu último ano na Faculdade de Ciências (FCUP) no Mestrado em Aplicações em Biotecnologia e Biologia Sintética realça que “a minha prioridade era entrar no curso que queria e isso acaba por se sobrepor à vontade de estudar mais perto”.
Teve a curta experiência de morar na cidade do Porto durante seis meses, mas sentia que não aproveitava o tempo da melhor maneira, “quando tinha mais tempo livre, uma vez que vinha para a minha casa, no Porto perdia o tempo todo, então, entre estar a perder tempo de viagem ou estar em casa sem fazer nada é a mesma coisa”. Menciona ainda os preços das rendas como um “balúrdio” de dinheiro e não sente necessidade de ficar a morar na cidade onde estuda, só para não fazer viagens.
E aproveita sempre o tempo da viagem de comboio para fazer alguma coisa útil, como adiantar trabalhos e estudar, e nunca pensou em desistir porque “a motivação era elevada a tirar o curso”, e já se passaram quatro anos e Maksym refere que foram sempre com sucesso.