As diferenças de género no voleibol profissional do histórico Leixões
- Beatriz Silva
- 28/05/2024
- Desporto
[Texto e imagens: Beatriz Silva, Inês Ramos, Inês Santos]
No voleibol do Leixões, clube histórico desta modalidade, há um maior investimento no Voleibol Feminino do que no masculino mas os homens são os que ganham mais no fim do mês.
Num mundo onde as disparidades de direitos e oportunidades entre as mulheres e os homens são ainda muito evidentes, procuramos saber se o mesmo se reflete numa modalidade praticada pelos dois sexos.
No desporto, as mulheres têm as mesmas oportunidades que os homens? Será possível viver desta modalidade, ter uma carreira profissional? Para responder a estas e outras perguntas, escolhemos o clube do Leixões onde entrevistámos jogadoras e jogadores, a treinadora e o treinador das equipas séniores de voleibol. Para complementar esta investigação, tivemos a oportunidade de entrar também em contacto com o Presidente do clube, Jorge Moreira.
Miguel Maia, considerado por muitos o melhor jogador português de sempre, também foi fundamental neste trabalho uma vez que tem um conhecimento profundo desta realidade.
Voleibol Feminino
Juliana Antunes tem 39 anos. É jogadora profissional de voleibol e tem dedicado quase três décadas da sua vida ao voleibol.
Em 1997, com apenas 12 anos, iniciou a formação no Leixões Sport Club, onde joga atualmente, embora tenha passado por outros clubes. “Fiz as últimas quatro épocas aqui no Leixões a nível sénior. Iniciei a minha formação aqui, mas como já jogo há 27 anos, já devem imaginar, não joguei sempre aqui”, explicou. Juliana Antunes também jogou no Boavista, Atlético do Famalicão, Gueifães e no AJPM Futebol Clube do Porto.
Apesar da sua longa jornada, só se tornou profissional aos 35 anos de idade que se torna profissional. Além do voleibol, Juliana Antunes é formada em fisioterapeuta, embora nunca tenha exercido a profissão devido aos compromissos com o desporto.
“A primeira vez que fui profissional de voleibol foi aos 35 anos quando abracei esse projeto da AJPM. Portanto, sou profissional de voleibol há quatro anos.”
Juliana Antunes
A profissionalização do voleibol feminino em Portugal ainda está em desenvolvimento. “No masculino já tem vários atletas que o conseguem fazer. No feminino, as equipas, principalmente os três, quatro clubes grandes, como o Porto, Sporting e Benfica – o Colégio Efanor tem conseguido investir bastante nesta modalidade – já têm um investimento que permite que grande parte do plantel seja profissional”, disse-nos Juliana Antunes. No entanto, ressalta que ainda há um caminho a percorrer para que mais atletas portuguesas possam dedicar-se exclusivamente ao voleibol como acontece em países como a Alemanha, Polónia, Rússia, Espanha, Itália e Turquia .
Juliana Antunes destaca as diferenças claras entre o Voleibol Masculino e Feminino quando nos ficamos apenas na dinâmica desportiva. “As grandes diferenças têm a ver com a parte mais física do jogo. No masculino, quem serve normalmente não continua a servir, ou seja, a outra equipa normalmente finaliza o ponto logo à primeira. No feminino, é um tipo de jogo mais tático, mais equilibrado, mais apoiado na perfeição técnica e com mais sustentação de bola”, explicou.
Ana Figueiras é outro dos exemplos, tem 26 anos e começou esta caminhada no voleibol aos oito anos. Com 18 anos de experiência no desporto, já passou por vários clubes importantes no panorama nacional, incluindo Rosário, Porto Voleibol, AJM Futebol Clube do Porto, Sporting e Vilacondense. Atualmente, está no Leixões Sport Club, onde fez a sua formação inicial, depois de ter saído aos 16 anos.
Além do voleibol, Ana Figueiras dedicou-se aos estudos, tendo completado um curso de Economia. Trabalhou na área por quatro anos, mas recentemente decidiu focar-se exclusivamente na carreira desportiva, evidenciando o desafio de conciliar trabalho e desporto.
A atleta destacou uma evolução no Leixões desde que retornou ao clube, especialmente após uma série de três campeonatos consecutivos vencidos pela equipa. A mesma, acredita que o sucesso atrai mais investimento e aumenta a visibilidade do desporto. A entrada dos “três grandes” (Porto, Benfica e Sporting) no cenário do voleibol também forçou outros clubes a adaptarem-se e investirem mais para se manterem competitivos.
Embora os jogos do Leixões geralmente atraiam muitos adeptos, Ana Figueiras notou que a atual temporada não foi tão movimentada devido aos resultados abaixo do esperado. Apesar disso, a atleta ressaltou que a equipa tem uma base de fãs fiel, que os acompanha para todos os lugares, como foi demonstrado na Supertaça em Santo Tirso.
A jogadora revela que houve um aumento significativo na profissionalização das atletas em Portugal nos últimos anos. O que antes era uma exceção, com poucas jogadoras profissionais, agora torna-se uma norma, com mais atletas a treinar em regime de tempo integral. Isso tem contribuído para a evolução do nível de jogo, beneficiando particularmente as atletas portuguesas que representam o país em competições internacionais. Ainda assim ainda não se compara com o que se passa no masculino que percorreu esse caminho da profissionalização há muitos anos.
Ana Figueiras identificou diferenças notáveis entre o voleibol feminino e masculino. A representante do Leixões menciona que, anteriormente, a profissionalização era uma área onde o masculino estava muito mais avançado. No entanto, isso tem mudado com os investimentos crescentes no feminino. Também destaca o investimento feito nas equipas masculinas que é superior ao das femininas. No entanto, acredita que o processo de igualar está em andamento, com mais recursos direcionados ao feminino à medida que o campeonato se torna mais competitivo e atraente para jogadoras estrangeiras.
Contudo, sente que as vitórias e títulos do Voleibol Feminino são valorizados, especialmente no Leixões, onde o investimento tem sido equiparado entre as equipas masculina e feminina nos últimos anos. No entanto, reconhece que há espaço para mais reconhecimento e recursos, visando manter e aumentar o sucesso.
Beatriz Basto tem 22 anos e é jogadora do Leixões Sport Club e estudante de medicina. É jogadora há 13 anos, sendo que todos estes, foram dedicados ao Leixões. Desde que integrou a equipa sénior, há seis épocas, tem vivido experiências únicas e considera um orgulho representar o clube.
A atual época tem sido desafiante para a equipa sénior feminina do Leixões, com resultados aquém das expectativas devido a mudanças no plantel e na equipa técnica. Beatriz Basto reconhece a dificuldade, mas mantém expectativas positivas para a Taça da Federação, encarando-a como uma oportunidade para iniciar uma nova fase.
O apoio dos adeptos é consistente e cresce ao longo da época, dependendo do desempenho da equipa. No entanto, a mediatização dos jogos ainda é limitada, com mais transmissões via streaming e menos presença em canais abertos. A Supertaça é uma das exceções, transmitida pela Sport TV.
Ao longo dos anos, Beatriz Basto notou uma evolução significativa no Voleibol Feminino em Portugal. A entrada de jogadores estrangeiros e de clubes como Porto, Benfica e Sporting trouxe um aumento nos salários e no nível de competição. No entanto, aponta uma possível diminuição na formação de atletas jovens portuguesas.
As diferenças técnicas e táticas entre o voleibol feminino e masculino. O jogo masculino é mais rápido e de força, com bolas que atravessam o campo a maior velocidade. Já o feminino é mais tático, onde a bola passa mais tempo no ar e é exigida mais estratégia e precisão. Além disso, há diferenças nos equipamentos, na forma de treinar e conviver com atletas de cada género, refletindo as distintas personalidades de homens e mulheres.
TREINADORA – EQUIPA FEMININA
Maria Freitas tem 26 anos e passou recentemente de treinadora adjunta a treinadora principal da equipa de Voleibol Feminino do Leixões após a saída do antigo treinador.
Com quase uma década de experiência como treinadora, Maria Freitas sempre manteve uma ligação forte ao Leixões, o clube onde também jogou durante muitos anos.
A treinadora enfatiza a importância do Voleibol Feminino para a comunidade social, dando um destaque no impacto positivo que o desporto causa na vida das pessoas de Matosinhos:
“O voleibol do Leixões é um excelente exemplo de mover pessoas e trazer pessoas ao pavilhão. Temos a casa cheia em todos os jogos. O feminino acho que ainda é um melhor exemplo também, que move muitas pessoas”
Maria Freitas
Maria Freitas aponta algumas lacunas na exposição mediática do desporto feminino ao longo dos anos dizendo, “O feminino não passa muitos jogos na televisão, só se jogarmos com equipas com canais próprios. Porém, o streaming online funciona em todos os jogos”. A mesma, sublinha a importância das plataformas digitais na difusão dos jogos e na ampliação do público.
Durante a entrevista, Maria Freitas refletiu sobre as mudanças e desafios enfrentados pelo voleibol feminino ao longo dos anos. “Uma das principais diferenças é a profissionalização”, disse, destacando o progresso significativo no nível de dedicação e profissionalismo dentro do desporto. “O voleibol feminino no Leixões já foi melhor que o masculino. Nos últimos anos tem se vindo a equilibrar”, comenta, indicando uma tendência de equiparação entre os géneros no clube.
Voleibol Masculino
Dinis Alves tem 28 anos e joga voleibol no Leixões há três. A sua carreira enquanto atleta de voleibol, permite que se dedique apenas ao desporto. Passou por outros clubes como Sporting Espinho e Académica de São Mamede. Teve a oportunidade de representar a Seleção Nacional durante a formação e na equipa sénior (cerca de seis ou sete anos).
O atleta reconhece que a formação tem mais atletas femininas. “Na formação é indiscutível que há mais atletas mulheres”. Em relação às equipas séniores, o mesmo acredita que o número de atletas femininos e masculinos acaba por ser mais equilibrado.
“O feminino tem claramente aumentado por causa do investimento.”
Dinis Alves
Em relação há presença de adeptos a assistir aos jogos do Leixões, Dinis Alves, faz uma distinção entre os adeptos do Leixões e os adeptos do voleibol. “O Leixões é claramente um clube que leva muitos adeptos e que tem uma massa de adeptos muito ativa e presente”. Referindo-se aos adeptos de voleibol, crê que leva pouca gente aos pavilhões.
A nível de mediatização, Dinis Alves, revela que são poucos os jogos que são transmitidos. Afirma que no Voleibol Feminino existe um canal chamado “VoleiTV” (da Federação) que não é usado para mediatizar os jogos do Voleibol Masculino uma vez que estes podem ser transmitidos através da Sport Tv. “Mediatismo ha pouco. Apenas algumas competições que vão aparecendo e fases.”
Henrique Adami tem 26 anos e é atleta profissional e internacional de voleibol. Veio do Brasil e antes de chegar a Portugal passou pela Grécia. Começou a jogar no Leixões esta temporada (2023).
O atleta compara o campeonato do voleibol praticado no seu pais de origem com o campeonato do voleibol jogado em Portugal.
“Em comparação com o do Brasil (campeonato) o de Portugal é mais fraco. A historia do voleibol no Brasil é maior do que em Portugal e por isso há mais investimento e mais clubes.” Henrique Adami não nega o crescimento que o campeonato português tem vindo a ter ao longo dos anos.
“De forma geral, o investimento no feminino é sempre maior. É um desporto predominantemente feminino.”
Henrique Adami
André Pereira tem 20 anos e é jogador semiprofissional de voleibol. Desde os seu 10 anos de idade que pratica esta modalidade no clube Leixões.
Em comparação com o feminino, André Almeida, revela que o masculino é mais profissional, mas que, em tempos, já foi o contrário.
“Elas eram mais profissionais que o masculino. O clube investia mais no feminino.”
André Pereira
TREINADOR – EQUIPA MASCULINA
Tiago Sineiro tem 34 anos, e este é o seu primeiro desafio como treinador principal na equipa dos seniores do Leixões.
O treinador considera que a modalidade enfrenta alguns desafios: “Eu acho que o voleibol está um bocadinho atrasado em relação a outras modalidades. Tem de existir mais profissionalização dos atletas.” Para o treinador, a profissionalização é crucial para o desenvolvimento do voleibol e para que os atletas possam competir em alto nível.
Ao falar sobre as diferenças entre o Voleibol Masculino e Feminino, Tiago Sineiro explicou: “O jogo em si é diferente porque a capacidade física no masculino se sobrepõe um bocadinho à técnica, enquanto que a técnica no feminino se sobrepõe.” Esta observação reflete a sua compreensão das nuances do jogo e a importância de adaptar as estratégias de treino às características de cada género.
Tiago Sineiro testemunha uma transformação significativa no Voleibol Feminino do Leixões ao longo dos anos. “Quando eu comecei o clube quase não tinha feminino. O clube passou por um período de não ter feminino. O feminino cresceu, voltou à primeira divisão. E nos últimos dez anos o clube teve muito mais sucesso no feminino do que no masculino,” afirmou. Este crescimento, para o treinador da equipa sénior masculina, tem sido um indicativo do trabalho árduo e dedicação investidos no desenvolvimento das equipas femininas.
O treinador da equipa masculina também ressalta a importância dos adeptos do Leixões. “Nós felizmente estamos num clube que os nossos adeptos, além de gostarem de voleibol, são apaixonados pelo clube. Os adeptos acompanham-nos para todo o lado,” disse, evidenciando a forte conexão entre a equipa e os seus seguidores.
Tiago Sineiro considera que está a liderar o Leixões para um futuro promissor. O foco do treinador é na total profissionalização e desenvolvimento técnico para um novo capítulo do clube.
Jorge Moreira – Presidente do Leixões
Desde que assumiu a presidência do Leixões em 2018, Jorge Moreira de 48 anos, destaca o crescimento do voleibol a nível do clube, especialmente no ramo feminino.
“O Leixões tem cerca de 450 atletas de voleibol, mais de metade são do género feminino,” afirmou Moreira, destacando a significativa presença das mulheres no clube. Este número expressivo de atletas, para o Presidente, reflete o compromisso do Leixões com o desenvolvimento do desporto em todas as suas vertentes.
A equipa feminina de voleibol, carinhosamente conhecida para os adeptos como “Marias”, elevou o nome do clube a nível nacional. “A equipa das ‘Marias’ ganhou 11 campeonatos consecutivos, e isso fez com que o voleibol feminino fosse a bandeira do clube,” disse Jorge Moreira.
Jorge Moreira observa que uma das principais diferenças do ramo feminino para o ramo masculino, começa na massa adepta do clube: “O público feminino é diferente do masculino. Vê-se mais mulheres a apoiar as jogadoras. Nos homens o público é mais abrangente às outras modalidade.”
Jorge Moreira também ressalta a importância de investimentos e melhorias na modalidade nos dois ramos. “O campeonato está mais competitivo, tanto no masculino como no feminino. Para ser campeão tem de haver um enorme investimento,” afirmou, enfatizando que o caminho para o sucesso contínuo passa por um suporte financeiro robusto.
Uma das diferenças mais significativas para o Presidente do Leixões, começam na profissionalização das equipas. “O Leixões atualmente ainda não está preparado para ter duas equipas 100% profissionais,” admitiu Jorge Moreira, mas afirma que existirá um futuro promissor se os esforços para profissionalizar o desporto continuarem. “A FPV tem de dar um upgrade qualitativo na modalidade, tornando mais a competição profissional,” concluiu.
A posição nacional do voleibol no clube destaca-se pelo Presidente: “O Leixões tem a felicidade de ter todos os escalões e as duas equipas na primeira liga nacional. É o único sem ser o Benfica, o Sporting e o Vitória de Guimarães.” No entanto, Jorge Moreira reconhece os desafios que o clube ainda enfrenta. “O voleibol para nós tem impacto local, não tem impacto nacional, já o futebol tem impacto nacional. O voleibol atrai as pessoas de Matosinhos,” explicou, apontando a necessidade de aumentar o apelo do voleibol a nível nacional.
Com uma base sólida e uma visão clara para o futuro, Jorge Moreira está determinado a levar o Leixões a novas alturas, consolidando o voleibol como uma das modalidades de destaque no clube e inspirando novas gerações de atletas.
Miguel Maia – Ex-Jogador de Voleibol
Miguel Maia, de 52 anos, amplamente reconhecido como um dos melhores jogadores portugueses de voleibol, continua a influenciar o desporto, atualmente na sua função de diretor desportivo e treinador da equipa sénior da Académica de Espinho.
Ao longo da sua carreira, Miguel Maia jogou por clubes de renome como Académica de Espinho, Esmoriz, Sporting e Cremar, na Itália. Distinguido pela sua liderança, foi capitão das seleções nacionais de juniores e seniores, representando Portugal em três Jogos Olímpicos, seis campeonatos do mundo e doze circuitos mundiais.
Miguel Maia também tem uma perspetiva sobre a evolução do voleibol em Portugal. “O voleibol feminino tem vindo a ter mais adesão e mais investimento por parte dos clubes, enquanto o masculino está mais cimentado”, afirmou. Miguel Maia prevê um futuro promissor para o voleibol feminino, destacando o seu potencial para crescimento significativo.
“Eu acho que daqui a 10 anos o voleibol feminino está no topo e o masculino vai continuar com duas, três equipas ali fortes e o resto vai cair um bocado. Acho que o feminino tem muito mais potencial para dar um salto grande, mesmo a nível de patrocinadores, já que tem mais atletas”, acrescentou Miguel Maia, expressando a sua confiança no desenvolvimento do voleibol feminino.
Análise de Dados da Federação Portuguesa de Voleibol – a Evolução da Modalidade
Ao longo dos últimos dez anos, a participação feminina no voleibol tem mostrado um crescimento acentuado. Em 2013, o número de atletas femininas era de 23.043, e esse número aumentou para 33.177 em 2023, representando um aumento de aproximadamente 44%. Este crescimento contínuo reflete uma série de iniciativas e esforços voltados para promover a igualdade de género no desporto, bem como uma maior conscientização sobre a importância da participação feminina em atividades desportivas.
Por outro lado, a participação masculina apresentou algumas variações. Em 2013, o número de atletas masculinos era de 19.980, aumentando para 26.025 em 2023, uma variação menos linear se comparada à trajetória feminina. A década foi marcada por picos e quedas, especialmente notáveis em 2021, quando o número de atletas masculinos caiu para 18.741, possivelmente influenciado pela pandemia de COVID-19, que afetou amplamente a prática de desporto e competições.
Essas tendências destacam a importância de políticas contínuas de incentivo à prática desportiva, a promoção da igualdade de género e a adaptação às mudanças sociais e circunstâncias globais.