Ondo: entre sabores portuenses, um toque coreano

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Ondo: entre sabores portuenses, um toque coreano

A Rua de São Victor, no Porto, é composta na sua maioria por estabelecimentos tradicionalmente portuenses. No número 148 abre portas a uma exceção: Kelly Gyeongsuk Minte abriu, no verão de 2020, em pleno ano Covid, um restaurante coreano.

O espaço é pequeno, não senta mais de 20 ou 30 pessoas, e as paredes frias de pedra relembram-nos que estamos em Portugal, apesar de tudo o resto neste nos conduzir até à Coreia do Sul. “Ondo” é o nome deste restautante coreano na Rua de São Victor, na cidade do Porto, e significa “calor”, em coreano, o literal e o emocional. É calorosamente que se recebe quem ali entra, com pinturas orientais, conjuntos de talheres florais – nada de garfos e facas, mas colher e chopsticks -, e um odor agradável, incaracterístico para quem está mais habituado aos aromas tradicionais portugueses. Tal, deve-se à presença dos ingredientes e aos temperos favoritos da cozinha coreana que, ao misturarem-se, anunciam a viagem sensorial que ali se propõe.

No entanto, não é Kelly quem nos espera. Young Jung Lee descobriu o Porto em 2022, quando aterrou no aeroporto Francisco Sá Carneiro com o marido para visitar a cidade. “Foi fácil chegar ao Porto, é mais simples entrar em Portugal do que noutros países” , relembra. Foi um sonho tornado realidade para a nova proprietária do Ondo Kondo Restaurant, tirando um tempo para não trabalhar durante algumas semanas e só “para aproveitar e viajar, enquanto experienciava outra cultura, outra gastronomia”, a que mais tarde chamaria de casa. Abraçou o desafio de tomar conta do restaurante, quando Kelly teve de regressar à Coreia em 2023: “É a primeira vez que cozinho de forma profissional, mas tem sido fantástico.” Em Portugal, adotou o nome de Lydia e tem perdido o medo de fazer alterações ao menu do Ondo. “Comecei por trabalhar o menu tal como estava, mas com o passar do tempo tenho vindo a torná-lo mais ao meu gosto. Mais de acordo com as minhas experiências”, confessa a atual proprietária do Ondo Kondo Restaurant.

Interior do Ondo Kondo Restaurant- fotografias tiradas por Luís Moura e Nuno Canossa

Bibimbap

É ao som do arrumar da pequena cozinha, mas num som estridente e em total alvoroço, que Young Jung nos prepara a sua especialidade: “Bibimbap é um prato muito colorido com bife, cebola, vários vegetais, arroz, ovo e com o meu próprio molho de soja”  produzido diariamente para que a experiência gastronómica se diferencie. Cada molho servido no restaurante é “uma especialidade produzida por mim, não quero usar os instantâneos que se compram nos supermercados, não têm a mesma qualidade”. Em coreano, “Bibim” significa mistura, uma técnica característica da culinária coreana, repleta de acompanhamentos “sempre colocados do lado esquerdo da mesa”, tal como a mãe ensinou Young Jung Lee a fazer antes de misturar tudo. Servido num prato fundo em tons claros, o Bibimbap deixa pela cozinha o rasto de um aroma oriental, complementado com vinho de arroz makgeolli. Uma bebida em tudo diferente com o vinho português, servida numa taça rasa com uma textura espessa e um sabor levemente adocicado e ácido. Na Coreia, o makgeolli era tradicionalmente consumido por camponeses. Em Portugal, serve para combater o picante de uma surpresa que nos serve.

Numa troca de ordens, chega à mesa com uma entrada reinventada. O Kimchi  “ajuda a abrir o apetite, é bastante picante faz com que se queira mais e mais comida”. A fermentação da acelga – uma espécie de couve tipicamente cultivada também em territórios chineses – contrasta com o picante temperado por Young Jung Lee. Um aperitivo confeccionado de formas diferentes, mas sobre o qual não quis partilhar a própria receita que vem desde a falecida avó.

Para além das demonstrações efetuadas, o restaurante contempla outras especialidades, como é o caso dos Mandu, uma espécie de bolinhos coreanos, “nos quais a massa é esticada e envolta em recheio de porco, tofu e dangmyeon, numa textura equilibrada”. Os Dangmyeon são noodles elaborados a partir do amido de batata-doce, com uma textura elástica são, normalmente, salteados com vegetais frescos, carne e molho de soja.

A educação Coreana

“Nasci na região sul, em Kwangiu”, conta entusiasmada Young Jung Lee que ainda se refere à sua cidade natal com o nome antigo. Kwangju, fundada em 57 a.c,, agora denominada de Gwangju significa província da luz, uma cidade que acolhe um milhão e quatrocentos mil habitantes, cinco vezes mais que o município que agora habita. No Porto, encontrou um “clima muito bom, com gente muito simpática e amável”. Embora os portugueses tenham menos capacidade económica, segundo Jung Lee, vivem satisfeitos com o seu estilo de vida: “Quando saio do restaurante, vejo os portuenses a beber álcool nas esplanadas. Nada disto acontece na Coreia do Sul, nascemos e vivemos pressionados com o tempo”.

Um dos outros motivos pelos quais rumou à invicta para abraçar o desafio Ondo Kondo Restaurant, tem que ver com a educação dos filhos. Não queria que tivessem a tradicional educação coreana, na qual é gasta “mais de metade do salário” que os coreanos auferem. “Todos os jovens são obrigados a estudar de forma exaustiva no meu país, mas eu não quero pressionar os meus filhos a fazê-lo”, mesmo que esta não seja uma mentalidade corroborada pelos amigos de Jung Lee.

No Porto, num colégio internacional, as crianças de Jung Lee brincam com tantas de outras nacionalidades. “Brincam muito mais. As aulas são inglês e vão aprendendo português. Já falam muito melhor que eu”, diz-nos entre risos. “Não trazem muitos trabalhos de casa, o que é ótimo porque permite-me passar tempo com eles com mais qualidade”. Lydia, como agora é conhecida pelas ruas do Porto, desconstrói ainda o estereótipo de que o povo asiático tem uma aptidão especial para a matemática. “O meu pai ainda quis que eu fosse para engenharia, mas não tinha jeito para aquilo por mais que ele insistisse”.

Young Jung Lee recorda que a disciplina rigorosa da infância em Gwangju, aplicava-se até na alimentação: “O meu avô era muito severo. Se eu não usasse corretamente os kuàiz, não podia jantar. Era como uma regra sagrada.” Conta que, para as crianças coreanas, aprender a comer com kuàiz é quase um ritual de passagem. “É preciso treino, é como um exercício. Não havia desculpas, ou aprendias, ou ficavas sem refeição.”

Ao longo da vida adulta, Young Lee já passou pela China, Japão e Vietname, mas encontrou no Porto o porto seguro para ver os filhos crescer. “Só falta o meu marido deixar Hanói para podermos viver juntos e felizes aqui no Porto”.