Vaca Atolada é a iguaria caipira, confecionada por uma carioca, em Campanhã
Pamela Oliveira, 37 anos , chegou ao Porto em 2019, vinda do Brasil, em busca de novas oportunidades. Hoje, seis anos depois, vive em Campanhã com o marido e o filho de três anos e valoriza o dia a dia no bairro, onde criou raízes e encontrou uma comunidade acolhedora.
Quando Pamela Oliveira tomou a decisão de deixar o Brasil, Rio de Janeiro, não foi por necessidade urgente, ou fuga de uma vida difícil. “Eu já estava com a vida organizada no Brasil”, conta. Natural do Rio de Janeiro, formada em pedagogia e com ampla experiência em educação infantil, Pamela vivia uma vida estável e com perspectivas profissionais. Foi uma conversa recorrente com uma amiga que plantou a semente de uma mudança profunda. “Ela falava muito sobre Portugal, sobre a qualidade de vida, a segurança, e aquilo foi despertando algo em mim”, afirma com um brilho no olhar

Foi com curiosidade e coragem que Pamela e o marido decidiram emigrar. Em 2019, com os planos bem desenhados e as malas prontas, partiram rumo a Portugal. A escolha pelo Porto veio após meses de pesquisa. “Queríamos um lugar que lembrasse o que já tínhamos: mar, cidade, natureza. E o Porto pareceu perfeito.”
Uma nova zona, uma nova vida
Instalaram-se primeiro na zona do Marquês, mas logo descobriram Campanhã, uma zona tradicional e multicultural. “Encontrámos na rua de Pinto Bessa um espaço com tudo o que precisávamos: mercado, talho, escola de condução, e bons acessos aos transportes públicos. Parecia que tudo estava ali à mão”, recorda.
A mudança de bairro trouxe, também, algo mais difícil de quantificar, mas essencial: o sentimento de pertença. “Fomos fazendo amizades, habituando-nos ao local. Era tudo novo, mas aos poucos fomos criando raízes.” Hoje, diz, com firmeza: “Campanhã é o nosso lugar.”
Além de portugueses, a zona abriga várias comunidades migrantes. Para Pamela, isso facilita muito a integração. “Conhecemos pessoas da Colômbia, e há uma loja aqui perto com produtos latino-americanos. O convívio entre imigrantes é natural, é como se fôssemos família fora de casa.”
A maternidade como projeto de vida
Quando chegou a Portugal, Pamela ainda pensava em retomar a carreira na área da infância. No entanto, a maternidade alterou o rumo. Com o nascimento do filho Noah, hoje com três anos, decidiu dedicar-se inteiramente à família. “Trabalhei muito tempo com desenvolvimento infantil no Brasil. Sei o quanto esta fase é importante e não quis delegar isso. Escolhi estar com ele.”
Juntos, ela e o filho exploram as ruas de Campanhã. “Vamos ao mercado, à piscina, ao parque. Ele adora o metro e já sabe o nome da nossa rua. É incrível ver como ele se sente em casa aqui.” A rotina é simples, mas cheia de descobertas e afetos. “Quero estar presente, aproveitar esta fase. Quando for a altura certa, ele irá para a pré-escola aqui perto, e aí sim pensarei em voltar ao mercado de trabalho.”

Raízes que atravessam o oceano
Mesmo vivendo uma nova fase noutro país, Pamela mantém viva a ligação com o Brasil, especialmente através da culinária.
Há algumas semanas, foi desafiada a preparar um prato típico de Minas Gerais. A escolha foi emocional: Vaca Atolada, uma receita típica mineira que aprendeu com a avó. “Ela é mineira e sempre foi uma grande referência para mim na cozinha. Cozinhar esse prato foi como tê-la por perto.”
RECEITA DE VACA ATOLADA Para preparar esta receita precisa de 5 porções de ingredientes. 1 kg de mandioca descascada e picada 3 colheres (sopa) de cebola desidratada 3 tabletes de caldo natural pimenta a gosto tempero a gosto 4 tomates Cheiro-verde desidratado à vontade 1 kg e ½ de costela de boi cozida 1 colher de sopa de colorau Modo de preparação : 50 min 1 – Refogue a mandioca e deixe cozinhar 2 – Quando já estiver macia, acrescente o tomate picado, a cebola, o caldo natural e deixe cozinhar mais um pouco. 3 – Acrescente a costela de boi, deixe apurar mais um pouco. 4 – Cozinhe por aproximadamente 40 minutos. 5 – Salpique o cheiro-verde e a pimenta da sua preferência. |

A experiência não terminou no prato principal. Para a sobremesa, Pamela preparou a tradicional canjica, cremosa e cheia de sabor. “Foi uma viagem afetiva. Cozinhar para vocês, partilhar a minha cultura.”
Mais do que um momento gastronómico, a iniciativa criou pontes entre culturas. “Ver a vossa curiosidade, querer saber mais sobre os ingredientes, sobre o modo de preparo. Senti-me acolhida, respeitada.”
RECEITA DE CANJICA Para preparar esta receita precisa de 10 porções de ingredientes. 500 g de canjica branca 1 copo de leite de coco 1 litro de leite canela em pó a gosto 1 lata de leite condensado 50 g de coco ralado úmido e adoçado 8 colheres (sopa) de açúcar Modo de preparação : 40 min 1 – Lavar a canjica em água corrente. 2 – Deixar de molho por aproximadamente 4 horas com o açúcar 3 – Cozinhar na panela de pressão com 2 litros de água por, aproximadamente, 20 minutos ou até que esteja macia. 4 – Coloque noutra panela se necessário maior, acrescente o leite, o leite de coco, o leite condensado e o coco ralado. 5 – Deixe ferver por 10 minutos mexendo sempre para não colar no fundo da panela. 6 – Desligue o fogo quando estiver bem cremosa. 7 – Polvilhe com a canela em pó. e Bom apetite |

Campanhã: entre passado e futuro
Hoje, Pamela vê Campanhã não como um ponto de passagem, mas como um espaço de construção de futuro, que deixou de ser apenas um endereço e tornou-se lar. “Aqui crio o meu filho, faço amigos, partilho a minha cultura. Estou a construir uma nova história, com novas raízes.”
A vida migrante não é sempre fácil — as saudades, as diferenças culturais e os desafios do quotidiano são reais. Mas esta imigrante carioca prefere focar-se no que tem conquistado. “Nem todos os dias são leves, mas estou feliz por termos escolhido este caminho. Aqui, temos segurança, temos comunidade e temos esperança.”
Pamela Oliveira representa tantas outras mulheres imigrantes que, longe do país natal, reinventam o quotidiano e constroem novos lares com amor e resiliência. Em Campanhã, entre o riso do filho, o cheiro do café pela manhã e os encontros casuais com vizinhos que já viraram amigos, ela planta raízes profundas num solo estrangeiro que agora sente como seu. A sua história é feita de pequenos gestos e grandes decisões — e continua a ser escrita todos os dias, com coragem, afeto e sabor a Brasil.