Entre Fios e Tradições

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De uma pequena loja em Árvore às feiras de artesanato, um casal revive uma tradição antiga com as mãos de hoje — e enfrenta os desafios de manter viva uma arte quase esquecida.

Foi na freguesia de Árvore no concelho de Vila do Conde, onde as fachadas guardam memórias de fábricas e de pesca, que nasceu o ArteSave. “Iniciou comigo, iniciou com o meu companheiro, Armindo, já há muitos anos”, conta a artesã Celeste Carvalho, 59 anos. Ali, onde em tempos se fizeram as primeiras camisolas de pescador, nasceu a vontade de recuperar uma tradição quase extinta.

Celeste Carvalho, cortesã do ArteSave

Armindo Santos começou com uma lojinha pequena, ela juntou-se lhe. As primeiras peças eram simples, de cores neutras, fiéis à tradição. “Inicialmente era feito tudo à mão, com quatro agulhas, com duas, em crochê, tricô… agora já usamos tributosas, aquelas maquinetas manuais, mas continua a ser tudo feito por pessoas”, explica. A maioria dos colaboradores trabalha a partir de casa. O casal fornece o fio, e cada peça nasce das mãos de quem conhece a técnica e respeita o passado.

Com o tempo, vieram as feiras. “Começámos a participar em feiras de artesanato. A de Vila do Conde foi uma das primeiras”, recorda. O contacto com o público foi moldando o negócio. As camisolas, inspiradas nos modelos antigos, ganharam cor. “Este modelo era liso. Agora já apostamos em outras cores, inovamos um bocadinho”, diz, apontando para as bancas montadas na feira onde hoje vende.

Os desenhos, garante, são quase todos tradicionais. Alguns têm 50 ou 60 anos. “Os modelos, os desenhos com os animais, os bordados mantêm-se. Mas o público é diferente, então adaptámos aqui e ali.”

Apesar das inovações, vender não é fácil. “Já se vendeu mais. Aqui em Portugal está um bocadinho em desuso. Mas ainda há turistas que apreciam muito.” São, muitas vezes, esses turistas que mantêm vivo o negócio — e que aparecem nas feiras de propósito. Há clientes fiéis, que compram todos os anos, e há outros que descobrem por acaso. A curiosidade é alimentada pela originalidade das peças: “Nunca faço com as mesmas cores. Gosto de experimentar.”

Entre gorros, cachecóis, camisolas e meias, as vendas vão sendo feitas ao sabor das estações e das festas populares. O pico da atividade acontece entre junho e setembro. “Agora, com esta feira (Refere-se à Feira de Artes e Ofícios realizada na cidade do Porto) quatro vezes por ano, vendemos mais um bocadinho, até na Páscoa. Mas normalmente só começávamos em junho, com a Feira da Maia.”.

Hoje, o negócio é praticamente a sua única fonte de rendimento. Já não têm loja — “tivemos, mas não funcionou” — e concentram-se nas feiras e em pequenas encomendas por internet. “Temos pessoas a trabalhar connosco, e outras que fazem as peças em casa. Mas já não somos muitos. É quase familiar.”

As dificuldades não se ficam pelas vendas. As obras no centro do Porto, que se arrastam há anos, têm afugentado turistas e cortado rotas. “Isto já está assim há uns três anos. Os turistas dizem-nos que evitam o Porto, porque leêm em fóruns que está tudo em obras.” Essa perceção pesa nas visitas e nas vendas. “Há menos gente a passar, e os que vêm já estão à espera de confusão.”

Apesar disso, a banca da artesã continua ali. Entre fios, agulhas e conversas, há sempre alguém que pára para perguntar, para elogiar, para comprar — ou apenas para ouvir a história das camisolas de pescador que voltaram à vida. E enquanto houver mãos que as façam e pessoas que as vistam, a tradição resiste. Mesmo que em silêncio, mesmo que contra o tempo.