Das raízes de Punjab ao legado familiar em Campanhã

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Das raízes de Punjab ao legado familiar em Campanhã

Com apenas 18 anos, Armaanjot Singh ajuda a liderar o património gastronómico da família Singh em Campanhã. Do pioneiro Royal Restaurant Tandoori ao inovador Armaan, os sabores da Índia atravessam continentes e ganham vida em cada prato, num percurso onde tradição, ambição e identidade constroem um legado que não para de crescer

[Sofia Pereira e Mariana Devezas, texto e fotografias]

O relógio marca as 16h42. É maio com o sol escondido. Na Rua de Justino Teixeira, ainda tranquila, de Campanhã, o restaurante Armaan encontra-se temporariamente fechado. As portas estão semicerradas, sinal de pausa entre o almoço e o jantar. Mas na esplanada, há uma mesa que foge ao silêncio.

Sentados frente a frente, dois clientes habituais ocupam o lugar como se fizessem parte da mobília, confortáveis, descontraídos, em casa. Não há pratos servidos nem pressa nos gestos. Só uma conversa serena. 

Lá dentro, apesar do repouso, o espaço continua vivo, as paredes estão adornadas com quadros que remetem à Índia, numa decoração que está ligada diretamente à do Royal Restaurant Tandoori, o primeiro restaurante da família. 

Interior do Restaurante Armaan – Foto Sofia Pereira e Mariana Devezas

Uma nova vida em Portugal para a família Singh

Sukhwinder Singh tem 52 anos, emigrou para Portugal no ano de 2004, chegou primeiro a Lisboa vindo de Punjab, na Índia, só depois veio para o Porto. O seu filho, Armaanjot Singh, tem 18 anos e nasceu em Portugal no ano de 2006. Agora, no Porto, encontraram a sua segunda casa, sobretudo porque foi a cidade onde alcançaram melhores condições de habitação para a família reconstruir a vida. “Para ter uma melhor qualidade de vida, ou seja, melhorar a situação da família”, reconheceu Armaajot. “Na nossa cidade, Punjab, é uma família, como é que eu posso dizer, de menos qualidade de vida, ou seja, com mais dificuldades”, recorda com um olhar sereno. 

A adaptação a Portugal foi um desafio. A falta de familiaridade com a língua, o frio europeu e a solidão foram barreiras difíceis de transpor. “A pessoa tem de se enfrentar com toda a gente, ou seja, encontrar amigos novos, pessoas novas, são imensos desafios que a pessoa passa”, afirma. 

Em 2007, decidiu estabelecer-se no Porto, onde abriu o Royal Restaurant Tandoori, o primeiro restaurante indiano da cidade, encontrando na restauração uma oportunidade de negócio rentável e naquela altura, sem concorrência. “Aqui não havia nenhum restaurante no Porto, então nós decidimos abrir e era o único”, disse.

Armaanjot Singh – Foto Sofia Pereira e Mariana Devezas

A origem do Royal Chicken Tandoori

Um dos pratos exclusivos do Royal Restaurant Tandoori é o emblemático Royal Chicken Tandoori, uma criação original da casa. “Fui eu que o criei, e não existe em mais nenhum restaurante”, expressou com orgulho.

O prato Royal Chicken Tandoori, preparado com um tempero único que mistura a intensidade do tandoori com ingredientes secretos, é a especialidade da casa e um verdadeiro orgulho para o chef, que coloca a sua alma em cada receita. 

Uma nova identidade gastronómica

Depois do sucesso do Royal Restaurant Tandoori, o primeiro restaurante indiano de Campanhã, a família Singh decidiu aventurar-se numa nova jornada gastronómica. Em 2018 nasceu o Armaan, um restaurante italiano que, embora distante da cozinha tradicional da Índia, mantém uma ligação forte à história e ao legado da família.

“O nome Armaan veio do meu próprio nome, foi uma forma do meu pai me homenagear por todo o apoio que lhe dou desde que tinha 11 anos,” explica Armaanjot, visivelmente orgulhoso desta homenagem familiar. Desde muito jovem, tem sido parte integrante dos negócios da família, ajudando na cozinha e no atendimento, o que reforça o sentimento de pertença e responsabilidade.

A decisão de abrir um restaurante italiano surgiu da experiência prévia do pai na Itália, onde trabalhou antes de emigrar para Portugal. Depois de estabilizarem o Royal Restaurant Tandoori, a família decidiu arriscar num conceito diferente. “Quisemos explorar outras culturas gastronómicas. O meu pai não tinha experiência para abrir um restaurante português, mas tinha de um italiano, por isso decidimos investir nesse caminho”, revela.

Mas nem por isso as raízes indianas ficaram para trás. No Armaan, há pratos italianos com alma indiana. “Temos, por exemplo, um risotto que leva caril e temperos indianos”, referiu. 

No entanto, a abertura do Armaan não foi isenta de desafios. Inicialmente, os clientes mostraram desconfiança em relação à autenticidade da cozinha italiana, surpreendidos por um restaurante italiano gerido por uma família indiana. “As pessoas não sabiam que o dono também sabia fazer comida italiana. Depois, quando descobriram que eu fazia parte do Royal e que as comidas eram boas, a confiança cresceu e o Armaan passou a ser reconhecido,” conta.

Os ingredientes que atravessam fronteiras da Índia

A autenticidade da cozinha do Royal Restaurant Tandoori e do Armaan não reside apenas nas receitas, mas sobretudo nos ingredientes que lhes dão vida. Para preservar o sabor original e respeitar as tradições, a família Singh importa diretamente da Índia as especiarias e produtos-base que utiliza. “Fazemos tudo com o carinho que aprendemos desde sempre, com as especiarias de lá, não são as especiarias daqui. Tudo vem da Índia”, proferiu.

Este compromisso com a autenticidade obriga a uma logística exigente e planeada. “Normalmente mandamos vir por transporte aéreo, porque é mais rápido. Os navios demoram muito, às vezes três ou quatro meses até o produto chegar aos mercados”, constatou. 

Apesar dos custos mais elevados associados ao transporte aéreo, a opção compensa pela frescura e rapidez na entrega dos ingredientes essenciais, como o caril, o garam masala ou o ghee.

Ao garantir que tudo “é mesmo à base da Índia”, a família Singh reforça o valor cultural da sua gastronomia, uma fusão de memória, identidade e sabor que atravessa continentes para chegar intacta à mesa dos clientes.

Os planos da família Singh

A vontade de crescer continua bem viva no seio da família Singh. Depois de consolidarem o Royal Restaurant Tandoori como referência da cozinha indiana no Porto e de apostarem na inovação com o Armaan, o próximo passo já está delineado, abrir um novo restaurante indiano na zona de Ermesinde. “Queremos levar a nossa cultura e a nossa comida a outras regiões, mas sempre com o mesmo carinho e autenticidade,” declara, sublinhando a importância da identidade cultural como alicerce dos negócios familiares

Paralelamente à restauração, Armaanjot não descura o lado académico. Com uma média de 19 valores, planeia ingressar no ensino superior em bioquímica, conciliando os estudos com a responsabilidade crescente de ajudar a gerir os negócios da família. “Apesar de ter tido uma média alta, sinto-me mais realizado aqui. Gosto de estar com os clientes, de cozinhar, de ver o restaurante crescer,” admite.

Desde os 11 anos que trabalha com o pai, um percurso que, mais do que uma obrigação, se tornou uma vocação. Inspirado pela figura paterna, Armaanjot sonha não só seguir os passos do pai como vendedor e empresário, mas também motivar outros jovens imigrantes a perseguirem os seus sonhos. “Quero que os jovens imigrantes sigam os seus próprios sonhos e nunca desistam. Se desistirem, acabam por fazer algo que não querem, algo que nunca os vai motivar verdadeiramente”, confessa.