Olhares sobre o desencontro entre os jovens e o catolicismo: o panorama de uma comunidade milenar

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Olhares sobre o desencontro entre os jovens e o catolicismo: o panorama de uma comunidade milenar

Há jovens que persistem na fé, mas uma quantidade cada vez maior afasta-se da religião, mesmo quando conhece bem a comunidade paroquial. A forma como se encara a catequese, a igreja e as escrituras é, para estes jovens, uma questão de perspetiva.

Tocam as primeiras 11 badaladas de domingo, é hora de dar início à celebração. A veste branca que leva vestido deixa clara a sua função: Nuno Castro é acólito. Dos seus 25 anos de idade, há dez que exerce a função, na Paróquia de Grijó, uma vila localizada em Vila Nova de Gaia, a 20 quilómetros da cidade do Porto.

Na eucaristia, distingue-se dos demais. Não apenas pela indumentária que leva, mas particularmente pela aparência jovem, visto que a esmagadora maioria das pessoas presentes é visivelmente mais velha do que ele.

Este panorama é observado pelas várias camadas etárias da comunidade paroquial de Grijó, que conta já com 10 séculos, desde a fundação primitiva do mosteiro. Contudo, as perspetivas sobre as causas do envelhecimento substancial de crentes são variadas, de acordo com as experiências de cada pessoa.

Retrato de Nuno Castro, por Sara Silva

Por um lado, o acólito considera haver uma falta de interesse pelas questões de existência de algo superior, morte ou fé. “Estudei numa universidade católica e a capela estava sempre às moscas”, confidencia. Por outro lado, assume que “a culpa não pode ser atribuída a apenas um lado” e explica que nem sempre a catequese era cativante para as crianças, e isso era um dos grandes motivos para os seus colegas desistirem. “Tinha um caráter formalista”.  

Apesar de ter se tornado acólito por influência do irmão mais velho, o que o sustenta na atividade é a vontade de dar o seu contributo à paróquia e manter-se presente na comunidade: “a minha vivência tornou-se mais participativa”.

Como Nuno, Carolina Silva também conhece bem as paredes do mosteiro de Grijó, contudo já não as visita. Após 12 anos de catequese, em que ia à missa todas as semanas, rezava e participava nas atividades da comunidade, a jovem de 20 desprendeu-se do elo religioso.

A perceção que tem hoje é que a bondade e a maldade estão presentes em todas as pessoas. Por isso, não crê mais na religião, embora não se reveja como agnóstica ou ateia: “Simplesmente não acredito na existência de um Deus”.

Retrato de Carolina Silva, cedido pela entrevistada

Fruto de uma reflexão de cerca de 3 anos, os questionamentos sobre a sua fé tiveram início na época da adolescência, quando “colocava questões aos catequistas e eles não sabiam responder”. Hoje, considera que a religião católica move os cristãos através do medo e explica-o, dando o seu próprio exemplo: “Quando era criança, ao ver situações desastrosas que aconteciam no mundo, ficava revoltada com Eva por ter mordido a maçã, ou seja, associava o mal do mundo ao facto de Eva ter trincado a maçã. As pessoas baseiam-se na bíblia para tirar reflexões para a sua vida, mas para as crianças as parábolas são histórias verdadeiras.”

“O que é verdade hoje, não era há três mil anos atrás. Uma grande parte dos jovens já não se identifica com os princípios arcaicos que continuam a ser doutrinados, como por exemplo, a obrigação da mulher ser submissa ao homem.”

A ex-católica elabora a sua opinião relembrando dois momentos que foram marcantes no seu processo de questionamento sobre a religião: primeiro, após a morte de um ente querido, quando tinha 13 anos, que fê-la aperceber-se de que as pessoas se agarram à fé por mera vontade de acreditar que voltarão a encontrar o ente querido após a morte; o segundo momento, deu-se quando tinha 15 anos, após conhecer o professor de educação moral e religiosa católica (EMRC). “Ele era tão imparcial que, até hoje, eu não sei se ele era ou não crente”. Com ele, aprendeu sobre diversas religiões e teorias científicas.

Numa determinada aula, foram desafiados a interpretar a bíblia: “Os textos contradizem-se, literalmente. A razão está no facto de a bíblia ser um agregado de histórias escritas por várias pessoas, ao longo de vários anos. Foi um momento de viragem em que me apercebi que era tudo uma questão de interpretação”, declara.

Embora tenham seguido caminhos distintos, ambos os jovens têm em comum uma crença que foi desenvolvida através da reflexão pessoal.

Todavia, existe um grupo, dentro da mesma comunidade, que rompe com este quadro. O grupo de jovens surgiu há três anos, fruto de uma confraternidade gerada a partir do grupo catequético a que pertenciam.

A expressão “formalista”, que o acólito Nuno usara anteriormente sobre a sua própria experiência na catequese, não se encaixa no vocabulário deste grupo.

“Estou muito branca”, ao que alguém responde: “é o caminho para a santidade!”.

Além da boa disposição, o termo chave deste grupo de jovens é reflexão.

“Sabemos que a nossa experiência na catequese era diferente das outras pessoas, mesmo dentro da comunidade”, esclarece Ana Moreira, uma das integrantes do grupo.

“O problema dos jovens é que não conseguem transportar os ensinamentos da catequese para a vida quotidiana, e é por isso que veem a catequese como algo entediante”.

A diferença assenta claramente na noção de haver uma necessidade de experiência. Um dos catequistas, Tiago Guedes, destaca que o seu objetivo sempre foi “mostrar que a igreja não é estar fechado numa sala, mas sim ter um conjunto de experiências com os outros, sempre de partilha.”

A declaração comprova-se à vista, pois rapidamente várias participantes referem as atividades preferidas do grupo: a organização do magusto, a participação no Banco alimentar, a realização de atividades plásticas, as caminhadas com outros grupos, a discussão sobre a atualidade…etc. “Este grupo é um lugar de grandes reflexões. Aqui ninguém é forçado a gostar de uma atividade.”.

Mas não é só o catequista Tiago a ter esta visão sobre a igreja. Susana Nunes confessa que chegou a desistir da catequese, por não ser motivante. Quando voltou, trouxe consigo a vontade de querer mudar essa perspetiva para os seus catequisandos.

Nessa noite de terça-feira, o tema da sessão foi o “sim”. “O que é para vocês um sim?” Esta simples questão lançada pela Susana, à primeira vista abstrata, gerou uma reflexão entre os jovens. Com o apoio da leitura do evangelho e de uma música, aos poucos fomos percebendo que o sim, que passou a ser o sim de Maria, era uma analogia sobre a importância do compromisso do cristão para com a sua comunidade.

As conclusões não deixaram espaço para dúvidas no que concerne à entrega dos jovens à fé que partilham: “Às vezes distraímo-nos do nosso caminho e o compromisso fica esquecido. Fazer com que o sim seja permanente é uma das coisas mais importantes neste grupo”, assegura a jovem Catarina Teixeira.

Mas as reflexões não ficam por aqui. Os jovens levam consigo um conjunto de questões que os acompanharão durante toda a semana para que as possam partilhar na próxima sessão. É chamado o “Momento Interroga-te”. Uma das questões da sessão dessa noite foi: Maria é uma influencer para ti? Uma questão que evoca uma união entre o contemporâneo e a fé e que revela muito do que é a essência do grupo de jovens.

Apesar do sucesso deste grupo, o padre António Coelho, que também esteve presente na sessão de terça-feira, ressalta que este caso se trata de uma exceção na comunidade.

Retrato do padre António Coelho, por Sara Silva

Também lembra que já existiram outros grupos de jovens, porém, que desapareceram devido a que “deixaram de ser jovens”, e não houve quem desse continuidade ao grupo.

“A tendência é que após o crisma, os jovens abandonem um pouco a prática religiosa, por várias razões, e normalmente regressam na altura do casamento e quando têm filhos que batizam e colocam na catequese.”, explica, ressalvando a compreensão deste ciclo.

Para além da participação nos grupos de jovens ou escuteiros, o sacerdote salienta a importância da participação dos jovens na eucaristia, pois é lá o ponto de encontro de toda a comunidade: “Procuramos que os jovens participem na eucaristia com orações, símbolos ou o coro dos pequenos cantores.” Porém, a presença é escassa.

O padre, que está na paróquia há já 25 anos, considera que a principal razão do afastamento dos jovens da religião católica se deve a uma grande desassociação entre o crer e o pertencer, isto é, ser crente sem pertencer propriamente a uma comunidade religiosa. “São cristãos que se gerem autonomamente sem ter uma participação ativa na vida da igreja.”, clarifica.

Esta explicação para o fenómeno em questão já foi inclusive alvo de estudos científicos: Segundo o artigo “A visibilidade e a invisibilidade das pessoas «sem religião» na sociedade portuguesa”, lançado pelo Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa, “não há a mínima dúvida de que as pessoas «sem religião» ganharam, nos últimos anos, uma impressionante visibilidade quantitativa.” Até se conhece “que este grupo é constituído, maioritariamente, por jovens masculinos da classe média ou média-alta com um elevado grau de educação, mas ainda há um lado bastante invisível: ainda sabemos relativamente pouco sobre o vasto número de mundividências ou posições éticas que podem esconder-se atrás da designação «sem religião».”

Os dados dos últimos três Recenseamentos Gerais da População mostram Portugal como um país maioritariamente católico. Nos Censos de 1991 e 2001 a percentagem de pessoas que se declaravam católicas era superior a 90%, registando-se entre as três décadas uma diminuição de 7 pontos percentuais, assumindo em 2011 os católicos apenas 88% da população residente.

Para além da perda de crentes, verifica-se também que tem vindo a diminuir o número de pessoas que recusam responder à pergunta, o que revela um cenário de maior abertura sobre o tema.

Atualmente, na paróquia São Salvador de Grijó, o afastamento dos jovens tem se agravado devido ao contexto pandémico. O sacerdote revela que a catequese está a ser dada através dos meios digitais, o que não está a ser fácil, e acredita que a pandemia irá trazer mudanças significativas para a igreja.

Apesar disso, assume que é difícil conseguir captar a atenção de toda a gente, passados 20 séculos da igreja católica, contudo “o importante é manter o essencial”.

Também o grupo de jovens tem sofrido alterações devido ao vírus. Embora Susana considere que a dinâmica não é a mesma, os jovens não têm outra opção senão contentarem-se com as chamadas de vídeo.

Enquanto isso, preparam-se para as jornadas mundiais da juventude, que terão lugar em Lisboa, em 2023. Trata-se de um evento religioso criado pelo Papa João Paulo II que reúne milhões de católicos de todo o mundo, sobretudo jovens. Com duração de cerca de uma semana, promove eventos da Igreja Católica para os jovens. Cada ano tem um conjunto de 9 catequeses que servem de preparação para as jornadas. Rise up (levanta-te e anda) é o tema principal das jornadas 2023.

As jornadas da juventude em Lisboa iam decorrer em 2022, porém foram adiadas devido à pandemia.

As últimas jornadas aconteceram em 2019, no Panamá. O grupo não esteve presente no país estrangeiro, porém isso não foi um obstáculo. Quando os grupos não têm a possibilidade de se deslocar para os outros países no decorrer das jornadas, os grupos locais juntam-se para acompanhar o evento em conjunto. Nesse ano, decorreu no pavilhão multiusos de Gondomar, onde passaram o fim e semana. Lá decorreu uma virgília presidida pelo bispo do Porto, com representações do circo durante a celebração.

“Eu nunca me tinha sentido da maneira que me senti naquele fim de semana, é uma união entre os jovens muito bonita de se ver”, admite a jovem Lia.

Bons momentos são também recordados por Carolina Silva, na comunidade paroquial. Apesar da sua perspetiva atual, se voltasse atrás e tivesse a oportunidade de escolher, conscientemente, o seu caminho, não faria de outra forma. “é algo tão enraizado em mim, que, apesar de já não me rever na religião católica eu faria o mesmo percurso.”, confessa.

Apesar de olhar positivamente para o seu percurso, a jovem estudante assume que num futuro em que tenha filhos, fará uma escolha diferente. “Vou deixar que eles decidam quando forem mais velhos”.

Já Nuno Castro, apesar de assumir que é difícil perceber a religião quando se é criança, continua a ver a educação eclesiástica como o percurso ideal: “as crianças também são colocadas na escola sem terem consciência da sua importância. Para além disso, quando se começa a ganhar mais consciência, com a idade, começam-se a discutir questões importantes.”, o que considera ter sido determinante para que se tornasse na pessoa que é hoje.

O maior ensinamento que retira da sua experiência dentro da comunidade é que estar ligado à religião “ensina-nos a ajudar o próximo sem querer nada em troca”.

Por baixo da veste branca existe um jovem estudante, que para onde quer que vá, leva a sua fé consigo. “Deus é um ente superlativo que me ajuda e guia o meu caminho a ultrapassar barreiras e construir felicidade, tomando o seu exemplo de amor pelo próximo.”