Memórias da Guerra Colonial

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Agostinho Machado Pacheco, Albino Ferreira Martins, Joaquim dos Santos Neto e João Pereira Machado são ex-combatentes e representam parte das memórias de alguns sobreviventes da denominada guerra do ultramar, durante o regime autocrático, em Portugal. A falta de sentidoda guerra, os traumas psicológico e a negligência do Estado para com os ex-combatentes são temas recorrentes.

O ano era 1961 e o terror e o medo batiam à porta dos jovens portugueses que tinham completado o serviço militar obrigatório. A Guerra Colonial Portuguesa, também designada por Guerra da Libertação ou Guerra da Independência, durou 13 anos, 2 meses e 3 semanas. Muitas vidas foram perdidas, muito sangue derramado e muitas histórias por contar.  

Joaquim dos Santos Neto, um dos primeiros a vivenciar a guerra, foi destacado para Goa, na Índia, em 1961. Não esperava ter de ir defender a pátria. Numa época em que a informação era escassa, o que ouvira era que a guerra era apenas para voluntários. “Mas não, eu fui obrigado a ir. Aquilo não era nosso”.

Joaquim lembra-se dos tempos que esteve lá como um “degredado”, apesar de não ver ninguém a morrer, conta que teve de ser muito forte, que os dias em que esteve preso, onde a cama era o pavimento duro não foram fáceis, a comida miserável que lhes davam causou problemas no estômago. “No ano em que voltei nem as nossas uvas pude provar.” Mas os momentos com os amigos fizeram com que os dois anos que lá esteve fossem mais fáceis.

Albino Ferreira Martins, ex-combatente português, serviu como telegrafista durante a Guerra Colonial em Moçambique entre 1973 e 1974. A sua história é um testemunho das dificuldades e dos traumas enfrentados pelos soldados portugueses enviados para lutar em uma guerra que muitos consideravam injustificada.

Os 16 meses que passou no mato, ficaram na sua memória como “os piores momentos que lá viveu”. Principalmente do dia 2 de abril de 1974, que se recorda como o dia que mais temeu pela sua vida, “foram duas horas debaixo de fogo intenso”.

Segundo o ex-combatente, a guerra não foi justificada. “Nós íamos para lá morrer, lutar, ficar feridos por uma coisa que não é nossa”. O impacto psicológico da guerra foi profundo. Albino descreve como a falta de apoio do estado agravou os problemas enfrentados pelos ex-combatentes. “Nós viemos de lá arruinados”, afirma, mencionando que, ao retornar, teve de “lidar com inúmeros problemas de saúde mental”.

A notícia da Revolução dos Cravos a 25 de abril de 1974 trouxe um misto de alegria e de alívio. Albino estava de plantão quando recebeu a mensagem sobre a queda do regime português. “Aquilo era uma festa aos tiros para o ar”, lembra ele, destacando a felicidade dos soldados.

Entre 1973 e 1974, João Pereira Machado vive uma das experiências mais marcantes da sua vida. Como soldado português em Angola, durante a guerra colonial, lembra-se da sua estadia lá como boa e má.

João Machado, Angola 1974 – 1975

Recorda-se dos seis meses que esteve a dar proteção a um convento de freiras, como um bom momento que lá passou. A escassez de alimentos nessa altura não era algo com o que se tinha de preocupar, assim como as vezes que tinha de ir para o mato. “Na mata não havia fome. Angola era um país muito rico em fruta”, afirma.

A distância de casa, a intensidade do conflito e a dificuldade de comunicação fizeram com que só soubessem da Revolução dos Cravos passado 15 dias depois do ocorrido. Apesar de ser um acontecimento que, em Portugal, começou logo a gerar mudança, lá só foi sentido passado um ano.

A guerra trouxe consigo a perda de muitos dos seus colegas, João recorda-se disso com tristeza. “Vi colegas a morrer.” Lembra-se disso até aos dias de hoje. A falta de apoio por parte do estado português é uma queixa que ressoa nas suas palavras. “Faltou ajuda por parte do estado, ainda hoje falta”, lamenta o ex-combatente.

No seu regresso a Portugal, confessa que conseguiu refazer a sua vida normalmente, mas admite que os efeitos da guerra foram profundos. “A guerra não era nossa, por isso não fazia sentido”, explica, indicando a desilusão e a falta de propósito que muitos soldados sentiram em relação ao conflito.

Em 1975, Agostinho Machado Pacheco vai para Angola. “Nós fomos escoar os retornados e trazê-los para Portugal.” A revolução de 25 de abril de 1974, em Portugal tinha derrubado o antigo regime e precipitado a descolonização. O caos que se seguiu é descrito como “avassalador” e “mal gerido”. Agostinho, um atirador, lembra-se dos dias em “tive de chupar as raízes das árvores para matar a sede”, mas, além disso, recorda-se com ânimo das amizades que lá fez.

A guerra afetou o soldado profundamente. “Quando regressei, queria matar a minha mulher. Queria esmagá-la enquanto sonhava”, ele confessa que os primeiros anos depois de regressar não foram fáceis, além de ser acompanhado no hospital militar, revela que não chegava. “Deram 6 contos para nos alimentar”, lembra ele, refletindo a negligencia do estado para com os soldados.

A 13 agosto de 1975, Agostinho é capturado no comboio e desarmado, nunca sentirá medo até então. Quando estava preso e “eles diziam que iam comer churrasco à português”, acreditava que não iria mais sair de lá.

Hoje, Agostinho afirma que não tem traumas, mas que ainda recorda muitas vezes daqueles dias. Ele acredita que o estado deveria ajudar mais os incapacitados da guerra, uma divida de honra que Portugal ainda não pagou adequadamente.

Agostinho Pacheco, Angola 1975

Os testemunhos dos ex-combatentes Joaquim dos Santos Neto, Albino Ferreira Martins, João Pereira Machado e Agostinho Machado Pacheco revelam as profundas cicatrizes deixadas pela Guerra Colonial Portuguesa. A falta de sentido percebido na luta, o trauma psicológico e a negligência do Estado são temas recorrentes. Apesar dos desafios, cada um encontrou maneiras de seguir em frente, embora as memórias da guerra permaneçam. Há um consenso sobre a necessidade de maior apoio e reconhecimento por parte do Estado, uma dívida de honra que Portugal ainda não pagou adequadamente. A história desses homens é um lembrete poderoso dos custos humanos da guerra e da importância de cuidar daqueles que serviram.