O medo de infetar e a missão de salvar
- Diana Ferreira
- 29/06/2020
- #Social Atualidade oanoemqueomundoparou
Filomena Silva tem 38 anos, é natural de Lordelo, Paredes e exerce a profissão enquanto enfermeira no Hospital de Penafiel, especificamente na área das urgências.

A vida da enfermeira não tem sido fácil nos últimos meses, uma vez que se encontra na linha da frente, enfrentando todos os medos que a assolam. A atividade que exerce obriga-a a ter cuidados redobrados, não só no local de trabalho, como também durante o convívio, em família.
Como enfermeira, Filomena enumera os procedimentos a serem tomados pelos doentes a partir do momento em que colocam em dúvida os sintomas que têm e, em caso positivo, com quem devem falar e até onde são encaminhados.
“Inicialmente quando tinhas sintomatologia, tinhas febre, tinhas tosse, tinhas dores de garganta […] as pessoas ligavam para a saúde 24 a dizer que tinham uma tosse e febre, ou que esteve em Lousada, ou que foi a Itália, ou que foi a França. E essas pessoas eram direcionadas para o Hospital.”
A par desses casos, Filomena narra que a profissão que exerce é de risco, sendo que deve estar preparada para todo o tipo de casos que surgem.
“Tu vais trabalhar, é uma profissão de risco, tens que utilizar todas as medidas e equipamento de proteção individual adequado. Para tua proteção e também para proteção do doente. E a gestão familiar sofre uma mudança radical.”
A enfermeira conta, igualmente, de que forma lida com a família, uma vez que é mãe e tem de cuidar do Afonso, o filho. Além disso, tem de ter em conta a situação dos pais, que já têm alguma idade, e em especial o pai, que se encontra em fase de quimioterapia, ou seja, com as defesas debilitadas.
As formas de convivência tornam-se diferentes, assim como as necessidades básicas, nomeadamente ao nível da alimentação, lavagem de roupas, o não usufruto da mesma casa de banho e cuidados especiais aquando interação com os demais membros familiares – a utilização de máscara.
“Eu fico em espaços diferentes. Tenho um quarto para mim, uma casa de banho para mim e uma cozinha para mim. E o contacto com ele [pai] é com máscara, com a minha mãe também e com o Afonso.”
Viver assim não é fácil, muito menos para quem está na linha da frente e acompanha não só os casos urgentes habituais, como também entra em contacto, devidamente prevenida, com os casos de infeção. O dia a dia é, de facto, vivido com medo. Medo de ser infetada, medo de infetar o próximo, medo de infetar a família. Um constante pensamento de prevenção do pior.
“Tens medo. Tens medo porque apesar de cumprires todas as regras e todos os protocolos, há um risco de seres contaminada.”
Enquanto permanece em casa, devido aos turnos alternados, Filomena conta que os únicos tipos de entretenimento que utiliza variam entre os livros, a televisão e as chamadas com os amigos. O sentimento de positivismo deve estar sempre em primeiro lugar, apesar de todos os constrangimentos pelos quais ultrapassa na profissão onde se encontra.
“Eu sinto falta de sair, de estar com os meus amigos, de ir jantar fora, tomar um pequeno almoço, de ir ao cinema, de ir ao shopping. De fazer desporto ao ar livre.”, e acrescenta que não era dado o devido valor à importância que isso tem e que, agora, isso tem muita importância.
Uma das reflexões que Filomena faz ao longo do seu testemunho é precisamente “Neste momento o enfermeiro caminha entre os pingos da chuva, porque há um risco tão grande de seres contaminado com o Coronavírus. E parece que tens a perceção que isto é um… chegar ao final de algum tempo e nunca teres sintomatologia, num teres feito um teste que dê positivo é uma sorte.”
Apesar de tudo o que enfrenta, a enfermeira mantém o pensamento positivo, ansiando o dia em que voltará a conviver com os seus, sem se preocupar com a possibilidade de os infetar.
“É complicado pelos pais e pelo Afonso. O Afonso tem 8 anos e quer brincar, quer colinho, quer… precisa da mãe, e depois tu vê-te limitada. Não podes dar um abraço, não podes dar um beijinho, tens que explicar porque é que tens de estar ao pé dele com uma máscara. […] E estar de máscara não é fácil.”
Um dia de cada vez, esperançando que todos cumpram com os seus deveres, respeitem o trabalho dos profissionais de saúde e sejam corajosos para ultrapassar a fase pandémica que o mundo enfrenta.
Ouça o testemunho completo, na primeira pessoa, aqui.