Ser analista de desempenho é a profissão do futuro no futebol, mas a falta de investimento impede a sua evolução.
- Diogo Azevedo
- 02/01/2022
- Atualidade Desporto Portugal
O papel do analista de desempenho é cada vez mais relevante no futebol. Nesta “nova era da estratégia” esta profissão é fundamental para as equipas técnicas, porém a falta de investimento por parte dos clubes é um entrave à sua evolução.
[Texto de Diogo Azevedo]
A função do analista tem vindo a sobressair no mundo do futebol e, cada vez mais, o seu trabalho é importante para uma equipa técnica. O seu encargo é fundamental e preponderante para esta “nova era da estratégia” segundo diz João André Costa analista e também treinador adjunto do Brito Sport Clube, equipa que compete na Série B do Pró-Nacional da Associação de Futebol de Braga, mas a falta de investimento dos clubes, principalmente por razões monetárias, impede o seu crescimento.
O papel do analista de desempenho da equipa pode ser classificado de várias formas. Há aquele que analisa os treinos, os jogos e comunica com a equipa técnica. Depois, há o analista de adversários que observa as equipas que vão ser os futuros opositores dessas respetivas equipas, fazem a observação individual e coletiva daquilo que são as rotinas, as virtudes e as debilidades dos jogadores. E o analista/ scout de jogadores que faz observação para uma possível contratação futura da equipa que representa. Em comum, têm todos um elemento que é um “vasto conhecimento do jogo, aliado a uma enorme paixão pelo mesmo”, tal como refere Diogo Sousa, analista da equipa dos Sub-23 do Vitória Sport Clube, que atua atualmente na Liga Revelação.
O trabalho do analista é algo que obriga a total dedicação deste ao desporto, seja em situação de treino, de jogo, ou fora.. João André Costa considera que “é quem faz o pior trabalho”. “Quem trabalha no ramo sabe que são muitas horas de sono perdidas (…) porque não se consegue ver comportamentos de uma equipa apenas com um jogo”, comenta. “Temos que ver dois ou três jogos e muitas vezes, mais do que uma vez. Tudo isso leva muito tempo e a função do analista é basicamente perceber os momentos de jogo da equipa adversária, encontrar padrões desses mesmo” e “em relação à própria equipa, perceber se está a jogar conforme o modelo do treinador principal”.
A comunicação entre analista e treinador é algo que deve ser constante, e a colaboração entre estes elementos é essencial para o sucesso de um clube. Essa cooperação depende das equipas técnicas.. No caso de Diogo Sousa, este comunica de forma direta com o treinador principal do Vitória SC sub-23 existindo momentos específicos para a apresentação das análises realizadas. O analista refere que: “O facto de existir esta relação direta, permite que exista uma partilha e discussão constante sobre diferentes componentes do processo de treino/jogo da equipa.”
Óscar Botelho, comentador e analista na Eleven Sports e no Real Fever, com passagem por vários clubes em Portugal, e pela seleção de Cabo Verde, refere que há diferentes formas de comunicação entre equipas técnicas. Em diversos casos, o analista entrega o seu relatório ao treinador e a partir daí o próprio trabalha-o e apresenta aos jogadores. Noutros casos, o analista também pode comunicar com o treinador-adjunto e este informa o treinador principal, ou também, é o próprio analista que expõe o seu trabalho aos atletas. Acima de tudo, o analista deve “enquadrar o trabalho para quem o vai receber ” e “filtrar, resumir e principalmente deve ir em conta com o que a pessoa (treinador) pretende”, refere Óscar.
“Um analista é o braço direito do treinador”, indica Miguel Castro treinador adjunto do Centro Cultural Desportivo de Santa Eulália de Vizela , equipa que joga na Série B do Pró-nacional da AF Braga.
Este papel do analista tem vindo a ganhar cada vez mais relevância no mundo do futebol, e canais desportivos em Portugal como o Canal 11, ou a Eleven Sports, têm promovido o trabalho deste setor e o melhor entendimento do jogo, como por exemplo com a dedicação de um espaço dentro do programa “Futebol Total” para a análise de jogos, no caso do canal 11, e mais recentemente na Eleven Sports, com a inclusão do programa TikiTática Eleven.
João André Costa defende que estamos numa “nova era da estratégia” e que treinadores como Pep Guardiola do Manchester City Football Club e finalista a melhor treinador do mundo em 2021, privilegiam cada vez mais o jogo tático de uma forma perfeccionista. “Tem-se vindo a perceber que cada vez mais é importante ter um conhecimento sobre o adversário, ter um conhecimento sobre a própria equipa e para com isso conseguirmos evoluir em termos do modelo de jogo, ideia de jogo”, diz João.
Também Óscar Botelho defende que esta importância do analista se deve a cada vez mais terem a noção da importância que o trabalho tem. “Basta ver o número de elementos da equipa técnica”, constata, acrescentando que quando trabalhou no Clube Desportivo Santa Clara eram apenas dois. “Hoje em dia, isso é só impensável.”
Atualmente, as equipas técnicas têm muitos mais elementos, e as funções precisam de ser delegadas entre eles. “ Há cada vez mais essa noção de que o treinador tem uma equipa técnica”, conclui o comentador.
Mas apesar deste crescimento na área, o papel do analista ainda é pouco conhecido pela maioria das pessoas e até mesmo por muitos adeptos de futebol. Tanto Óscar Botelho como João André Costa concordam que uma das principais causas para tal fenómeno, é a falta de conhecimento do trabalho que dá ser analista, e as horas de sono que lhe são retiradas. Apontam ambos para uma falta de conhecimento e de cultura desportiva do adepto português. Óscar refere mesmo que: “É aquele trabalho muitas vezes invisível, ou seja, como isso não aparece, como costumo dizer, nos highlights/resumos, acaba por muitas vezes também ser um trabalho de espionagem.” Já João acrescenta que “com o passar do tempo, isso tem vindo a ser valorizado e, ainda bem para nós analistas.”
Nas principais divisões do futebol mundial, e do futebol português, o analista é indispensável nos clubes, e atualmente todos estes possuem pelo menos um. Também na liga Revelação, onde trabalha Diogo Sousa, todos os clubes têm um analista, porém nos campeonatos distritais de futebol, tal não acontece.
Na série B, do Pró-Nacional da Associação de Futebol de Braga, sete equipas não têm um analista a efetuar esse cargo, o que equivale a 50% das formações do campeonato inserido. Quando perguntados sobre o porquê deste acontecimento, os entrevistados concluíram que se devia sobretudo a questões monetárias, ou seja, a maioria dos clubes desta divisão, não tem condições para despender um salário nos analistas .
João André Costa, que treina no Brito SC desta Série B, não tem qualquer dúvida que qualquer clube desta divisão gostaria de ter um analista na sua equipa, “porém também há treinadores que preferem, consoante o que os clubes conseguem oferecer, ter um preparador físico em vez de um analista”.
Outro dos problemas referidos por João é a “falta de abertura do pessoal mais novo que está a entrar no ramo” que, segundo ele, “não devem estar em busca do dinheiro”. Aponta ainda que um dos fatores da falta de analistas nestas divisões é o facto destes virem de clubes grandes dos seus estágios e por isso há uma dificuldade em trabalhar nestes patamares e “é perfeitamente normal que que as pessoas optem por outros caminhos.” Miguel Castro partilha da mesma opinião que os analistas querem muitas vezes começar por cima, e menciona que “ o analista quer sempre entrar lá em cima e muitas vezes é preciso viver algumas vivências em outros patamares” e “alguns não estão preparados para determinados patamares”.
Tal como o treinador Miguel refere, ser analista “é um processo demoroso” e outro entrave à evolução da profissão é também não receberem vencimento por muitos anos, no início das suas carreiras e nem todos estão sujeitos a tal.
Recentemente a Federação Portuguesa de Futebol lançou um curso da Football School relacionado com a área da Observação e Análise e Scouting. Ademais desta formação, não existe, atualmente, um curso específico para o analista de desempenho.
A Quest, a Sportrail e a Sapienta Sports, disponibilizam várias formações para melhor conhecimento do jogo.
“Em Portugal há muita falta de noção que o trabalho do analista deve ser um investimento e não um custo”
Óscar Botelho
As diferenças relativamente ao estrangeiro
Quando comparado com outros países na Europa, Portugal ainda está atrasado em relação a esse campo, e segundo Óscar Botelho, que já trabalhou numa empresa que agenciava jogadores em mais de 20 países, há nações que “já estão muito mais avançadas e adiantadas, pois já perceberam da importância do analista há muitos anos”. Aponta também para o facto de esses países aprenderem de outras modalidades, em que se extrai muito da observação e dessa forma aproveitam para evoluir.
Ainda em relação ao contexto nacional diz que “é uma estrada que ainda tem poucos quilómetros, que tem que se fazer”. “Em Portugal, a nível das pessoas que trabalham nessa área há muita gente muito competente ao nível mundial, mas o que falta claramente é o investimento nessa mesma área.”
Óscar Botelho acrescenta ainda que “os clubes portugueses têm de perceber que o trabalho do analista é essencial para o presente e para o futuro desses clubes, a nível daquilo que pode dar rendimento desportivo e principalmente também económico.”
No futebol profissional, onde cada vez mais o analista tem um papel ativo, onde o seu trabalho é de facto algo que pode fazer a diferença num jogo, seja num pequeno detalhe, seja numa bola parada, ou qualquer minúcia onde o analista tenha interferência e consiga passar uma mensagem, o seu trabalho pode refletir-se depois num ponto ganho, ou até mesmo num ponto perdido e é por isso cada vez mais crucial e fundamental a sua função.
Sou o Diogo Azevedo, tenho 20 anos e estudo ciências de comunicação no ramo do jornalismo. Apaixonado pelo desporto e por futebol, pretendo trabalhar um dia nessa área aproveitando o trabalho realizado ao longo destes anos dentro e fora da universidade.