“A culinária traz memórias através do nosso paladar”

Na pequena cozinha onde o aroma do limão toma conta do ar, Ana Karolina Conceição prepara uma das sobremesas mais afetivas da sua infância: a mousse de limão. Entre panelas, memórias e superação, a jovem brasileira mostra como a pastelaria se tornou o caminho para a estabilidade e felicidade em Portugal
O sol brilhava e a temperatura era amena. Era sábado e estávamos reunidas na casa de Ana Karolina, 26 anos, empresária pasteleira está um pouco nervosa e intimidada com o facto de ter de falar para uma câmera. Mas essa timidez desaparece assim que começa a preparar a sua receita de mousse de limão.
Ela tem pele morena, cabelo preto encaracolado, é magra, mas robusta, usa óculos de armação preta que combinam com os seus olhos castanhos-escuros. Ana Karolina veio de uma cidade chamada Guapimirim, no Rio de Janeiro.

Ela tem pele morena, cabelo preto encaracolado, é magra, mas robusta, usa óculos de armação preta que combinam com os seus olhos castanhos-escuros. Ana Karolina veio de uma cidade chamada Guapimirim, no Rio de Janeiro.
Ela confessa, rindo, que muito pouca gente sabe onde fica. Antes de se mudar para Portugal, vivia com os pais. Mas, como muitos outros brasileiros, ela veio para Portugal à procura de uma melhor qualidade de vida. Agora, já vive no país há 3 anos.
Ana Karolina conta um pouco sobre a receita que irá preparar. Chama-se mousse de limão. “Para além de ser fácil, é uma receita que se come todos os anos no Natal”. Esta receita traz-lhe uma memória afetiva.
Da crise à criatividade: como Ana Karolina transformou a adversidade em oportunidade.
Ana Karolina é uma empreendedora. Tem uma loja de doces que se chama “O Doce e Petisco”. Enquanto esteve no Brasil, trabalhou com bijuteria e roupas. Na época, a habilidade para cozinhar e fazer doces não era muito boa, mas, devido à pandemia por covid-19, e como consequência ter ficado desempregada, decidiu arriscar e começou a fazer sobremesas para vender.
Como tinha de pagar um apartamento e as contas, esta cidadã brasileira decidiu gastar os últimos 400 reais (61,56 euros) que tinha na conta para comprar ingredientes para fazer um doce que estava muito na moda.
Ana Karolina começou a perceber que havia uma nova receita para partilhar no “Dia dos Namorados”. Por isso, decidiu fazê-lo. Era um doce composto por 4 pequenos compartimentos que continham ganache, recheio, e frutas, como morango e uva, “porque eram as frutas mais baratas na altura”, recorda.
Além de guloseimas, como bolachas e marshmallows. Depois de ter tudo pronto, começou a fazer publicidade no Facebook para divulgar a sua nova experiência.
“Eu comecei a anunciar no Facebook, no Whatsapp, alguns colegas também começaram a me ajudar compartilhando”, conta, se esforçando para lembrar de todos os detalhes desta história.

Depois de alguns dias, os seus produtos começaram a ser requisitados e amigos passaram a palavra a outros amigos e, de repente, Ana Karolina recebe tantas encomendas que chega a triplicar os 400 reais que tinha na conta. Cinquenta pedidos foi o seu máximo de pedidos num dia. Mais do que isso não conseguia fazer.
Depois de alguns dias, os seus produtos começaram a ser requisitados e os amigos passaram a palavra aos amigos e, de repente, Ana Karolina recebeu tantas encomendas que chega a triplicar os 400 reais que tinha na conta. “Cinquenta pedidos” foi o seu máximo num dia. Mais do que isso não conseguia fazer. Não tinha mais espaço para tantas encomendas.
Depois do “Dia dos Namorados”, ela viu as suas encomendas a decrescer de dia para dia. O doce que ela estava a criar deixou de ser tendência e, se queria continuar com o negócio, tinha de aprender a fazer novas receitas.
Como no Brasil Ana não tinha tido muita prática na confecção de doces, a sua primeira reação foi ir ao supermercado comprar um preparado para bolo instantâneo. Quando chegou a casa, cozinhou a massa, fez um recheio de chocolate branco e serviu-o. No entanto, ela achava que faltava alguma coisa. Faltava aquela sensação de bolo caseiro acabado de sair do forno.
“O bolo ficou bom, mas não estava com aquele gosto caseiro. Eu sentia dentro de mim que eu precisava melhorar. Foi aí que comecei a buscar por conhecimento”, relembra o começo de tudo.
Para ultrapassar esta sua dificuldade, decidiu investir o seu dinheiro em aulas para aprender como fazer doces e sobremesas com os melhores pasteleiros.
“Eu tive dinheiro para poder investir nos cursos e fiz algumas consultorias”, conta Ana Karolina. Com isso, conseguiu aumentar a variedade de doces que vendia.
Após dois anos a aprender a fazer bolos, conseguiu abrir uma loja física. Nessa loja, criou vários laços e memórias com os seus clientes. Para Ana Karolina, essa conexão que criou com as pessoas é o melhor de ter o seu próprio espaço.
“Eu consegui comprar tudo. Tive dinheiro para investir, para estudar e para montar a minha loja. Eu já tinha os meus clientes fixos, e essas pessoas iam ter comigo e ficavam muito felizes. (…) Essa é a importância de criar momentos e laços com essas pessoas”, diz.

Sabores da infância: as raízes culinárias de Ana Karolina
Parte das suas memórias dos paladares que herdou vêm da infância. As suas duas avós “cozinhavam imenso”. A especialidade da avó materna era o cozido de galinha no fogão a lenha. Já a paterna fazia canjas, sobremesas de banana frita.
“Toda vez que como banana frita, me traz uma memória afetiva muito boa. Esse é o lado bom da culinária, porque traz memórias através do nosso paladar”, se emociona.
No entanto, Ana Karolina não aprendeu a cozinhar com ninguém propriamente da sua família. Como a sua mãe trabalhava e estudava ao mesmo tempo, ela não tinha tempo para a ensinar a cozinhar, por isso, quem a ensinou foi a sua cuidadora, Neia.
“Sendo irmã mais velha, eu tive que aprender a me virar na cozinha muito cedo. A minha mãe trabalhava muito e estudava. (…) Nós tínhamos a nossa cuidadora, a Neia, e ela começou a me direcionar, como por exemplo, fazer arroz, fritar um ovo, a fazer miojo”, conta, rindo, ao lembrar do momento que errou o ponto do miojo.

As suas comidas e sobremesas preferidas são “brownie, cookie e lasanha”. Mesmo a sua receita de brownie sendo a “melhor”, como ela mesma diz, o que mais gosta de cozinhar é o brigadeiro. O carro-chefe do “Doce Petisco”.
Ana Karolina confessou-nos que a pastelaria mudou a sua forma de ver a vida e a sua forma de ver as coisas. Ela encontrou-se outra vez na pastelaria e na nova criação de doces todos os dias.
“Eu não me vejo sem ser a ‘doceira da Ana, do Doce Petisco’”, diz, sem se arrepender de nada do que já aconteceu, e orgulhosa do que já alcançou até hoje, seja em laços, experiências e afeto.
Ana Karolina mostrou como fazer mousse de limão. Para isso necessitou de quatro limões, gelatina incolor (este ingrediente pode ser usado ou não, depende da preferencia do cozinheiro), uma lata de leite condensado e uma nata. No vídeo abaixo poderão ver a confecção desta sobremesa brasileira.
