Flying Fox Vegan, novo espaço de intervenção cultural nasce no Porto

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Flying Fox Vegan, novo espaço de intervenção cultural nasce no Porto

O Flying Fox Vegan, um novo espaço cultural com restaurante e snack-bar 100% vegetariano, vai abrir muito brevemente no número 282 da Avenida de Rodrigues de Freitas, no Porto. O dia ainda não está marcado, os proprietários contam com a instantaneidade das redes digitais para anunciar o momento de abertura.

[Texto e Fotografia de Diana Loureiro]

Carlos “Zipp” Gomes, de 32 anos, e Jurgita Balciunaite, de 25 anos, conheceram-se em Londres e de lá trouxeram uma ideia que, depois da gestação na viagem, nasce na zona dos Poveiros, no Porto. O espaço, cuja abertura será anunciada no Facebook e no Instagram, vai estar aberto do meio dia até às 2h da manhã. “PLANT-BASED CARALH*” é o slogan deste novo espaço 100% vegetariano, mas os serviços vão para além dos de restaurante e de snack-bar. O Flying Fox Vegan prevê oferecer, também, uma vasta programação com atividades culturais com um objetivo certo: criar uma plataforma que “dê visibilidade a artistas menos conhecidos do circuito”. 

A zona de restaurante do Flying Fox Vegan | Fotografia: Diana Loureiro

A ementa fixa é apresentada ao estilo de um american diner, à base de hambúrgueres e petiscos, mas o menu vai-se transformar, diariamente, sob a forma de “meal deals”, à semelhança do regime de pratos diários, com um bónus, a sopa e a sobremesa estarão incluídos no preço. “Quero dar a provar a comida vegan às pessoas, com três pratos, mesmo que uma pessoa coma menos, experimenta de tudo”, explica Carlos. “Nos supermercados em Londres tens o meal deal, um bocado de tudo, porque não fazer isso em restaurantes também?”, questiona. 

Carlos e Jurgita têm o objetivo de propiciar uma boa experiência gastronómica e quebrar o mistério da comida vegetariana, por um valor abaixo dos dez euros. “Perdemos em tempo porque nos dá mais trabalho, mas, ao menos, damos a provar de tudo ao cliente, em porções mais pequenas, com tudo incluído”.

Mas como classificar então este espaço que não é apenas um restaurante? “É um vegan pub”, avança Carlos, “como se fosse um “tasco”, mas uma coisa mais limpa e maior, com atividades culturais”. Haverá noites de cinema às quartas-feiras, onde será possível visualizar curtas-metragens, vídeos de skate ou filmes de nicho. O espaço está também aberto a exposições intermedia, sejam elas de artes plásticas, instalação, ou até performance. Nesta casa, há também espaço para mini-mercados DIY, artesanato no espírito do it yourself (faz tu mesmo), e merchandise de bandas do circuito underground, como t-shirts, remendos, autocolantes e pins. Já no campo da quarta arte, poderemos, pontualmente, contar com música ao vivo até às 22h.

A decoração da parede de visitas | Fotografia: Diana Loureiro

Por entre a dinâmica cultural, nota-se também um toque de intervenção social. O Flying Fox Vegan terá, à disposição dos cliente, uma infoshop – um cantinho onde é possível encontrar cartazes, panfletos informativos, fanzines (pequenas revistas de sub e contra-cultura) – mas também livros provenientes de uma parceria com a Biblioteca Anarquista de Londres, que o cliente pode ler durante o tempo da sua visita ao espaço. O manifesto político não é evidente, enquanto proprietários, não querem estar associados a nenhum movimento, no entanto, pessoalmente a história é outra. “O que se passa aqui dentro não é totalmente do nosso controlo, temos as parcerias, os clientes podem pintar o que quiserem nas paredes, mas isso não quer dizer que nos represente a nós enquanto espaço”, salvaguarda Carlos. 

As semanas temáticas estão também dentro da programação da casa. Esperam-se futuramente parcerias com chefs de Londres, mas também uma semana temática de pizza com um chef italiano. “Estou a contar também ter uma parceria com o Lupin”, informa Carlos, referindo-se ao Lupin Snack Bar – Vegan à Moda do Porto, “poderá haver por exemplo uma semana em que troco com o chef do Lupin, eu vou para lá e ele vem para cá”.

A máquina de bolas de brinde pintada por Jurgita Balciunaite | Fotografia: Diana Loureiro

“Eu sou do tempo dos jogos”, afirma Carlos em tom de brincadeira. O proprietário do espaço está a tentar negociar uma máquina de jogos de Arcade para colocar no estabelecimento, “também quero ter uma máquina de flippers e temos aquela máquina das bolas”, referindo-se a uma máquina de brindes., “Foi a Jurgita que a pintou, o cliente coloca a moeda e sai sempre um shot de bagaço e um brinde extra, como por exemplo um cupão de desconto para utilizar com tatuadores com quem temos parceria.”

Carlos Gomes no Flying Fox Vegan com o telefone de casa da avó | Fotografia: Diana Loureiro

O material do espaço é quase todo reaproveitado, o telefone antigo ao estilo retro veio de casa da avó, os sofás antigos foram reabilitados e as almofadas costuradas por Jurgita, num estilo upcycle que foge ao rústico das paletes como na maioria dos outros espaços.

Jurgita Balciunaite costura as capas para as cadeiras do espaço | Fotografia: Diana Loureiro

O sistema de som quadrifónico é proveniente de um bar de São João da Madeira e foi montado por um técnico de som, José Paiva. A ele, coube-lhe montar e calibrar o sistema, e organizar a cabelagem de forma a não criar problemas para as pessoas que irão operar o sistema futuramente. Responsável não só pelo sistema de som, mas também pelas telecomunicações, energia elétrica e alarmes, José Paiva afirma que o que fez no espaço não difere em nada de uma sala de espetáculos e eventos, o importante é haver energia em tudo o que é digital. 

Em vez de um livro de visitas, o Flying Fox Vegan tem uma parede. Nela, as pessoas podem pintar e escrever o que quiserem, assinar o seu nome, e até mesmo colocar a fotografia do seu animal de estimação. “O objetivo é mesmo encher esta parede com as coisas mais aleatórias”, conta o proprietário, “tenho uma impressora no escritório e o cliente pode imprimir a fotografia do animal de estimação e colocar na parede na hora”. Assim, todas as pessoas que passarem pela casa poderão deixar a sua marca no Flying Fox Vegan, como um organismo em constante crescimento.

Da pele para a parede: tatuadores trocam de tela

O Flying Fox Vegan tem, no que toca ao seu espaço físico, outra particularidade que se destaca à vista: as paredes são ilustradas por tatuadores, numa espécie de exposição permanente.

Com a realização do projeto, Carlos afirma já ter arranjado novas oportunidades de trabalho a três pessoas, o arrendador do espaço gostou tanto das pinturas que quer ilustrações como estas nos seus outros estabelecimentos. “Era isso que queria fazer também”, conta o responsável pelo projeto, “criar novas dinâmicas, é o give and take, não é só em coisas materiais, mas em tudo na vida”.

Logótipo do Flying Fox Vegan, criado e pintado na parede do espaço por johnny corvo | Fotografia: Diana Loureiro
johnny corvo (“Tudo em minúsculas, isso é importante!”, afirma o próprio) tatua há dez anos, atualmente no Porto, no estúdio Porta Inferi. O seu estilo de tatuagem em ilustração foi mudando ao longo dos anos, à medida que foi aprendendo e as tecnologias evoluíram. Neste momento, define o que faz como uma mistura de “idiotismo”, realismo e grafismo preto.

No mundo do grafitti desde tenra idade, essa influência acabou por ter peso na maneira como desenha e tatua. Nos últimos dez anos, dedica-se mais à tatuagem e é a tatuagem que influencia mais a maneira como pinta. Responsável pelo logótipo do projeto e da sua pintura na parede, escolheu pintar tudo a preto e branco, e manter visível o órgão genital do morcego “porque é estúpido e divertido”. A construção do desenho tem influência musical também, daí a posterização, que é bastante comum em álbuns e posters de concertos de música de nicho como o crust, grindcore, sludge, doom e stoner.

Mural pintado por Miguel “Mike” Serra no Flying Fox Vegan | Fotografia: Diana Loureiro
Miguel “Mike” Serra tem 26 anos e trabalha recentemente no estúdio Porta Inferi. Na bagagem, traz cinco anos de experiência no que toca à prática de indução de tinta na pele humana. O seu estilo de ilustração tem como base maioritariamente a tinta preta e a branca, com jogos de sombras, contrastes e brilhos, numa pintura “suja e ruidosa, mórbida e obscura”. Vai buscar toda essa adjetivação através de influências de música extrema, mas também aos horrores do cinema, ao misticismo e ao erotismo.

“As pinturas na parede do restaurante Flying Fox Vegan retratam isso mesmo”, explica, referindo-se à sua inspiração nos logótipos de bandas de death metal e na crítica política e social do punk, punk hardcore, grindcore, crust e sludge. “Sendo um espaço alternativo e de promoção à liberdade e expressividade do artista, penso que resulta muito bem, brincando com a temática do estabelecimento e a sua infraestrutura”, remata o tatuador.

Sweevil e o seu mural no Flying Fox Vegan | Fotografia: Diana Loureiro
“O meu trabalho é ilustrativo e bastante figurativo”, clarifica Sweevil (nome artístico), de 29 anos. Tatua desde 2013 e vai tatuando desde aí em vários lugares de diferentes países. Neste momento, o seu trabalho está dividido entre Ovar, onde tem o seu próprio estúdio, e Paris, como artista regular, no estúdio Zon Zon. “Tenho tendência a representar objetos ou personagens num contexto que defina a minha perspetiva do que é a experiência de vida, mais propriamente a consciência e a própria manifestação”, declara a tatuadora, “tento expressar de alguma forma a preciosidade que é o momento do agora e, por isso, tenho vindo a representar a maçã como símbolo de tentação dos sentidos, de liberdade que temos nas nossas escolhas diárias”, referindo-se ao símbolo de amor e imortalidade da alma.

Na parede do Flying Fox Vegan, junto à zona do bar, pintou uma maçã com asas de morcego a pairar no ar, e a forma do “V” de “Vegan” no lugar do ranco. Do terceiro olho da maçã é projetado um “líquido precioso” que enche um cálice, “é a sabedoria e conhecimento que vamos bebendo e consumindo ao longo das experiências da nossa vida”, explica Sweevil.

Adriano Costa com o seu mural no Flying Fox Vegan | Fotografia: Diana Loureiro
Adriano Costa, de 28 anos, trabalha em tatuagem desde 2018, e é neste momento tatuador residente no estúdio Lusco-Fusco, desde 2020. “O que se destaca nos meus desenhos é a transformação de elementos do dia a dia em personagens animadas”, esclarece o tatuador, “o uso de texturas, construções com um toque surrealista e algumas ilustrações com cariz mais político e ativista, como é o caso da ilustração que está na parede do Flying Fox”. “Let´s all be friends” é a mensagem, disposta nas listas negras de uma zebra. A inspiração para esta ilustração é uma música da banda de punk hardcore inglesa Doom, “A means to an end”, e a adaptação do desenho a um espaço vegan complementa esta ideia de que “podíamos ser todos amigos se quisermos chegar a algum lado juntos”.

Mural pintado por Ruca Do Mato no Flying Fox Vegan | Fotografia: Diana Loureiro
Ruca Do Mato (nome artístico), de 27 anos, conta que a sua primeira experiência a tatuar alguém foi há cerca de nove anos, mas oficialmente tatua há cinco. “O meu estilo de tatuagem destaca-se pelo uso exagerado de preto, de forma a criar um efeito monocromático de alto contraste”, afirma o tatuador, “na maioria dos meus trabalhos uso apenas preto sólido, mas noutras ocasiões quando quero fazer sombras ou tons mais claros, uso a técnica de whipshading (técnica de sombreado feita com agulha de linhas)”. A ilustração que fez no Flying Fox Vegan é uma abordagem mais “primitiva e minimalista” dos trabalhos de H.R. Giger, adaptado ao seu estilo de tatuagem.

Mural pintado por Celina Moutinho no Flying Fox Vegan | Fotografia: Diana Loureiro
Celina Moutinho, também conhecida como Whiterabbit, tem 35 anos e tatua há três anos num estúdio privado. O seu trabalho é baseado em ilustrações botânicas e animais, em preto e cinza. “No caso específico desta ilustração no Flying Fox, os donos pediram-me para fazer uma homenagem à sua cadela chamada Paprika”, explica, “assim sendo, e tendo em conta o meu trabalho, fiz uma ilustração de uma planta de paprika”.