Pedagogia Emocional. “Não consigo entender a profissão como alguém que ensina um conjunto de conteúdos programáticos e mais nada.”

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Pedagogia Emocional. “Não consigo entender a profissão como alguém que ensina um conjunto de conteúdos programáticos e mais nada.”

Isabel Silva é professora de português, do ensino secundário, há quase quatro décadas e atualmente exerce a sua profissão na Escola Secundária Alcaides de Faria, em Barcelos, de onde é natural. Para esta professora torna-se difícil praticar a sua profissão sem afetos.

A caminho de completar 40 anos de carreira, Isabel Silva procura ver sempre o lado dos alunos, arranjando estratégias para que haja um bom funcionamento dentro da sala de aula. Foram temporadas de aprendizagem e esta professora de português diz que “é fundamental um professor também aprender com o aluno”, caso contrário a sociedade nunca vai sair da mentalidade quadrada. “Eu vejo apresentações de alunos e penso para mim: ‘eu não faria isto, nem melhor”, confidencia.

Isabel Silva usa como estratégia de aproximação aos seus alunos o olhar. “Olhar com atenção e ver quais são suas necessidades é fundamental”, diz Isabel Silva. “Eu tive uma aluna que me disse: ‘Obrigada por ter reparado em mim’; vieram-me logo as lágrimas aos olhos.”

Na perspetiva desta professora natural de Barcelos o insucesso dos alunos deve-se muito aos professores e ao desprezo que têm pelos alunos. Estão cada vez mais “preocupados em vomitar a matéria”, do que prestar atenção aos seres humanos que têm à sua frente. “A verdade é que é o professor que faz a turma e, se aprendermos e prestarmos atenção à linguagem deles, tudo é mais fácil.”

Ela reconhece que, se o professor se colocar no lugar do aluno e pedir-lhe desculpa quando erra, é também uma forma de educar. Os alunos não estão habituados a que um professor reconheça o seu erro e lhes dê razão. “Peço-lhes desculpa quando me engano e nota-se que eles não estão habituados. Ficam bastante admirados”, reflete.

A cinco anos da reforma, Isabel Silva refere que estes anos que lhe restam a exercer a profissão serão um verdadeiro teste à sua resiliência onde o seu maior receio será mesmo não atender às necessidades dos seus alunos. “Até que ponto eu vou conseguir não envelhecer a ponto de não reconhecer a juventude?”

A professora de português reconhece que deve muito a todos os seus alunos que passam pelas suas mãos e agradece ter aprendido bastante com eles todos. “Foram os miúdos que me ensinaram a fazer tudo”, orgulha-se.

“O reforço positivo faz muita falta”, nota, ao recordar-se da importância em validar a aprendizagem dos estudantes quando eles dão sinais exemplares. Por exemplo, reconhecer os alunos quando eles realizam algo de bem – uma atividade, um exercício, um comentário em aula, por exemplo – é uma das estratégias que Isabel Silva também usa para incentivar os seus alunos, pois nota que existe uma tendência para falta de autoestima principalmente naqueles que lhe chegaram durante e após a pandemia.

Ser professor em tempos de pandemia

O contexto pandémico por Covid-19 alterou o modo de lecionar entre 2020 e 2021, obrigando ao recurso de aulas online. Para os professores que gostam de manter uma certa proximidade com os estudantes essa modalidade foi desafiante e tornou-se um verdadeiro pesadelo. “Ficou muito complicado ter que impor respeito à distância.” Recorda ainda que ver alunos ainda de pijama, sentados na cama, era “verdadeiramente humilhante”. 

Para Isabel, ensinar é sinónimo olhar nos olhos, afeto, e em tempos de pandemia, ter um “computador a fazer de barreira” tornou-se muito difícil manter essa proximidade. Contudo, entre ter um computador à sua frente, ou ter todos os seus alunos de máscara e ter que manter o distanciamento, Isabel confessa que não sabe onde é que sofreu mais. “Tive uma turma que nunca os vi sem máscara”. Para a professora de português foram tempos verdadeiramente difíceis. “No final do ano letivo pedi-lhes para irmos até ao recreio para tirarmos uma fotografia sem máscara e para eu os poder ‘ver’ pela primeira vez”. 

Arquivo Pessoal

A família na pedagogia emocional

Isabel criou o hábito de indicar sempre aos seus alunos o que se festeja em cada feriado, pois sente que os alunos cada vez mais veem e leem menos notícias, e essa falta de informação preocupa-a bastante, pois acha que esse papel deveria ser o das famílias. “Eu acho que cada vez mais a família está tão desgastada, que se torna um sítio onde se juntam pessoas que dormem e comem, mas não falam umas com as outras.”

Uma das frases que ela mais costuma ouvir, diz, é: “A professora é da idade da minha avó e tem essa mentalidade.” Isabel Silva entende que é necessário que os professores tragam para as suas aulas temas atuais, de cidadania, de afetos. Não é necessário cumprir o programa da disciplina à risca. Importante é sair um bocadinho da bolha de ensino onde um professor chega à sala de aula e “despeja” a matéria nos alunos e vai-se embora após 90 minutos de aula. “Eu consigo cumprir o programa e eu gasto muito do meu tempo em aula a falar de temas que não tem nada a ver com a matéria e não vejo que os alunos saem prejudicados. Pelo contrário.” Isabel nota que conversar com os alunos no contexto de sala de aula, de temas que nada tem a ver com os conteúdos programáticos, enriquece-os enquanto pessoas e acabam por aprender muitas outras coisas importantes para a vida. “Tenho alunos que foram meus há 20 anos e quando passam por mim agradecem por tudo o que aprenderam comigo.”

Liberdade dos alunos

Para esta experiente professora, para além do vasto leque de aprendizagens que foi retirando junto dos seus alunos, Isabel reconhece que a prática de ensino como lhe foi constituída já não faz sentido para a atual geração. Já não lhe cabe a ideia de chegar à sala de aula e ensinar apenas os conteúdos programáticos como lhe foram incutidos na universidade “Uma sala de aula é muito mais que isso.” 

A “liberdade de pensamento dentro das balizas de cada autor” é o lema para as aulas de português desta professora minhota. Escritores como Fernando Pessoa que apresentam um grau de complexidade elevado de interpretação, é um bom exemplo para demonstrar que a professora Isabel não cinge os seus alunos ao pensamento redutor de lhes ensinar somente aquilo que ela aprendeu na universidade. “Dou-lhes, acima de tudo, liberdade para que eles possam sentir o texto à sua maneira.” E se as aulas levarem esse rumo “vamos promover os valores de liberdade e de espírito crítico.”

Aposta em outras áreas de formação

Para fugir ao estereótipo de que o professor chega a uma sala de aula e “desbobina” toda a matéria sem ter noção de que à frente dele também existem seres humanos, com emoções e com problemas, Isabel sugere que era importante que os professores tivessem algum tipo de formação na área emocional e da psicologia.

“É redutor continuarmos a pensar que a escola é um sítio de transmissão de pensamentos e conhecimentos. A escola é muito mais que isso.”

Isabel Silva