Turismo? Travão a fundo
(Por: Allan Almeida; João Vieira; Miguel Oliveira)
Turismo. Economia. Associativismo. Restauração. Tudo parou bruscamente.
Nenhuma parte do mundo ficou imune à Covid-19. Santa Maria da Feira, Penafiel e São João da Madeira não foram exceções.
Qual o impacto da pandemia nestes concelhos?
“Uma cidade sem reinado”
Por: João Vieira
Uma das mais esperadas Viagens Medievais da Europa fora adiada para 2021. Que consequências teve no concelho? E nas associações? Com testemunhos inéditos de Emídio Sousa, Presidente da Câmara Municipal da Feira e de Filipe Dias, Vice- Presidente do CIRAC, falam-nos, em primeira mão, acerca da não realização de uma das mais emblemáticas recriações históricas de Portugal.
Santa Maria da Feira
Santa Maria da Feira é uma cidade, do concelho de Aveiro, com 31 freguesias, que ao longo dos anos foi-se desenvolvendo em torno do mítico castelo com base numa feira com invocação à virgem Santa Maria, onde eram vendidas colheitas, ferramentas e tecidos. Esta feira era extremamente importante para a cidade, logo adotou esse mesmo nome de Feira, nome este pelo qual ainda hoje é conhecida a região.
Santa Maria da Feira conta com uma vasta oferta turística que se traduz em produtos turísticos estratégicos, desde já, os principais recursos turísticos da cidade são:
– Castelo de Santa Maria da Feira,
– Museu Convento dos Loios,
– Museu do Papel Terras de Santa Maria,
– Museu de Santa Maria de Lamas,
-Termas de São Jorge,
– Castro de Romariz,
– Zoo de Lourosa – Parque Ornitológico,
– Visionarium – Centro de Ciência
– Europarque.
Sob ponto de vista cultural, trata-se de um concelho com um enorme ímpeto, dada a elevada dinamização de eventos, como é o caso do Imaginarius – Festival Internacional de Teatro de Rua, do Perlim – Maior parque temático de Natal de Portugal e da Viagem Medieval em Terras de Santa Maria.
Viagem Medieval em Terras de Santa Maria
Desde os artesãos e às regateiras, a arrogância dos cavaleiros que demonstram a sua bravura em intensos e brilhantes combates, a alegoria das personagens que vagueiam pelo recinto, o incessante espírito medieval apresentando as suas músicas alegres e coreografias únicas, tornam uma viagem mágica, levando qualquer visitante a entrar no encanto da época medieval.
A Viagem Medieval em Terras de Santa Maria é um evento de recriação e história viva que, durante 12 dias mostra aos visitantes a magia da era medieval. Já conta com 24 anos de existência, logo que em 2021, será a 25º edição.
Em 2020, o contexto histórico debruçava-se sobre:
“A primeira crise dinástica do jovem Portugal surge logo após a morte de D. Fernando em 1383, ficando a Rainha D. Leonor como regente e defensora do reino, enquanto sua filha D. Beatriz, mulher de João I de Castela, não tivesse filhos com idade para governar.
Com este pretexto e na possibilidade de se perder a independência portuguesa, começam a aparecer grupos de fidalgos que se insurgem contra a Regente e o seu conselheiro, o Conde Andeiro. O Mestre de Avis, meio irmão de D. Fernando, Rui Pereira e outros fidalgos, são os principais protagonistas deste enredo que se inicia com a morte do Conde e termina com o Mestre a ser aclamado, pelas gentes de Lisboa, como Regedor e Defensor do Reino.”
Este evento tem uma vertente extremamente forte de movimento associativo-cultural, sendo que para além disso é um evento constituído por um conjunto de atividades que se realizam no centro histórico e comercial de Santa Maria da Feira, bem como em toda a área envolvente do castelo da cidade.
Trata-se de uma iniciativa desenvolvida pelo Município de Santa Maria da Feira em conjunto com a Federação das Coletividades de Cultura e Recreio do Concelho e da empresa municipal Feira Viva.
Como tudo começou
A primeira edição da Viagem Medieval realizou-se em 1996, projeto que consistia em realizar uma feira medieval nas imediações no castelo e alargar essa iniciativa a 12 regiões, Santa Maria da Feira, Albergaria-a-Velha, Arouca, Castelo de Paiva, Espinho, Estarreja, Vila Nova de Gaia, Oliveira de Azeméis, Ovar, Sever do Vouga e Vale de Cambra, São João da Madeira. Nesta primeira edição do evento, a Viagem Medieval realizou-se dentro das muralhas do castelo com a presença de diferentes associações que estavam representadas na venda de produtos, de artesanato local e divulgação da cultura.
A empresa Feira viva controla todo o projeto, financia e trabalha em parceria com a Federação na vertente associativa desde 2000, o modelo do Conselho Executivo da Viagem Medieval que inclui elementos das três entidades (Feira viva, Câmara Municipal e Federação). Desde o seu início até à data, as entidades estrangeiras têm diminuído e a participação das entidades locais têm aumentado.
Em entrevista ao Porto Canal, Paulo Sérgio Pais, presidente da Feira Viva e diretor-geral do evento , admite que “se torna evidente, organizar um evento desta envergadura implica, acima de tudo, organização e orientação, pelo que, a divisão escrupulosa de tarefas é uma das chaves para o sucesso e para os níveis de satisfação que pretendemos atingir”.
O objetivo da Viagem é ser autossustentável, daí a introdução da entrada paga seguindo o conceito de festivais de música em que a aquisição de uma pulseira permite o acesso ao recinto todos os dias e as vezes que desejar, como forma de incentivar o consumo. Os restaurantes são explorados pelas associações locais e pressupõe um regulamento, candidatura e seleção.
Após vários contactos de modo a agendar uma entrevista, estive à conversa com Emídio Sousa, presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, que nos fala acerca do número de visitantes que, anualmente visita a Viagem Medieval, tal como o impacto que, sem estes, se irá fazer sentir no turismo, na restauração, na economia e tudo o que envolve a participação dos visitantes:
O Presidente da Câmara da Feira realça também o impacto que irá ter nas associações, pois tiravam uma grande parcela das receitas na Viagem:
“De facto, o associativismo assume um lugar de cada vez maior destaque, contando com o envolvimento das associações culturais e recreativas do concelho, já que, por exemplo, só estas podem concorrer às tabernas, e ocupam um papel preponderante na animação âncora do evento “, admite Paulo Pais em entrevista ao Porto Canal.
Numa bela tarde de domingo, estive à conversa com Filipe Dias, Vice-Presidente do Círculo de Recreio, Arte e Cultura de Paços de Brandão – CIRAC, uma associação cultural e recreativa, fundada em outubro de 1976, fruto da ambição de um grupo pequeno de jovens.
Filipe conta que que começou como um grupo de amigos a cantar e a fazer teatro, crescendo até hoje sendo já uma associação com cerca de 40 anos de história, com diversas áreas culturais e com mais de 1000 associados. Hoje em dia a associação atua nas áreas da cultura, música, teatro, recreio e comunicação, disponibilizando as mais variadas atividades e, ainda um vasto conjunto de eventos culturais e associativos.
A Viagem Medieval em Terra de Santa Maria é um evento de presença obrigatória para o CiRAC. Permite à associação mostrar as suas mais variadas vertentes (Saltimbancos de Santa Maria, Coro do CiRAC, Teatro, etc). Filipe Dias revela que a Viagem Medieval é muito importante para a associação, não só na componente artística, como financeira:
Em relação a receitas de edições anteriores, o vice-presidente do CiRAC declara que, em 2019, obtiveram lucro, mas que este depende de outros fatores, tal como a localização da taberna e de espetáculos realizados:
Filipe Dias destaca também o impacto que terá na associação a não realização da Viagem Medieval, admitindo que “é uma boa fatia de bolo que sai”, pois já estavam a contar com estas contas. Afirma que todos os feirenses saem lesados uma vez que era um momento de convívio e um ponto de encontro de vários amigos:
E de que forma se irão reestruturar? Já que este ano, uma boa parte da receita de várias associações, trabalhadores independentes, artesanato e restauração, não irá obter estes lucros.
Emídio Sousa reconhece que irá ser um ano difícil, mas garante que irá haver apoio, pois já está em andamento vários programas de apoio para tentar minimizar os prejuízos:
Já o CiRAC, de modo a colmatar a “fatia de bolo” que irá sair, está a reformular-se com várias atividades e espetáculos, colocando algumas “apostas de risco” que tinham, fora do baralho. Filipe Dias declara também que, já se candidataram a vários fundos de apoio a associações e que, a prioridade é ter “uma atitude responsável”:
Em suma, o que é que a Viagem Medieval traz, que este ano não irá trazer?
Artesanato local, pois as artes e os ofícios constituem uma grande atração turística (souvenirs).
Herança cultural, uma vez que o interesse dos turistas pela cultura local, contribuirá para que os residentes valorizem a sua arte, teatro, música e gastronomia. O simples facto de os turistas filmarem e fotografarem os elementos culturais de Santa Maria da Feira contribuirá para uma continuidade de determinados eventos e motivar outras pessoas a ir ao local.
Turismo, Hotelaria e Associativismo, pois sem a Viagem Medieval, as habituais reservas de hóteis, sem os “comes e bebes” nas tabernas e na periferia do evento e sem as associações lucrarem com espetáculos ou gastronomia, existirá uma decadência nas contas destes/as.
Feirenses, com o cancelamento de um dos eventos mais queridos e importantes da cidade, estes não poderão, como é habitual, conviver e encarnar o espírito medieval.
Um dos mais esperados eventos de recriação histórica em Portugal voltará em 2021.
Mas em 2020, Santa Maria da Feira, será uma cidade… sem reinado.