Bombeiros em Portugal: um trabalho para além da farda
- Mariana Venâncio
- 01/07/2022
- Portugal
Bombeiros Voluntários e Sapadores: Diferenças e Semelhanças
Uns dedicam 100% do seu tempo à profissão de bombeiro. Outros têm os seus trabalhos durante o dia. Rita Abreu e José Almeida são voluntários.
Em Portugal, a grande maioria é voluntária numa sociedade que se diz individualista. O país, atualmente, tem à disposição 26 mil 125 bombeiros, dos quais, em 2019 e segundo consta no relatório do Observatório Técnico Independente, 27 mil 529 eram voluntários e 2 mil 345 profissionais.
Rita e José na maioria das vezes não recebem salário, mas não se importam com isso. O que fazem, fazem por gosto. Por amor ao próximo.
José chegou mais cedo ao quartel. Como habitual, apareceu na corporação após o almoço, mesmo faltando seis horas para o seu piquete. Espera na sala do bombeiro com dois cães pequenos a fazerem-lhe companhia. De óculos pousados na mesa, conta que é de São Pedro do Sul, mas atualmente vive em Rio Tinto, junto da corporação que o acolheu. O bombeiro de 2ª quis ser voluntário pela experiência de “poder ajudar os outros.” Experimentou uma vez e ao final de 15 anos de serviço, o “bichinho” continua a ser alimentado.
No concelho vizinho está Rita Abreu, pronta também para cumprir o piquete. Já noite cerrada, a voluntária em Valongo aguarda por ocorrências. Mesmo trabalhando cedo no dia seguinte, cumpre o seu dever na noite de Páscoa. Rita tem poucos anos de casa. É bombeira há três anos, o que significa “fazer o bem sem olhar a meios.” Não sente a necessidade de receber nada pelo facto de estar a ajudar os indivíduos que necessitam. Foi este espírito que a incentivou a tornar-se bombeira de 3ª.
Para eles, a escala é do tipo militar. À semelhança das corporações profissionalizadas, estão escalados por equipas. Marcam presença de seis em seis noites. Ao final de um ano têm de cumprir 160 horas de atividade e 40 horas de formação, mas acabam por fazer muitas mais.
Ambos estão treinados para fazer tudo e ser voluntários não é um impedimento para ajudar quem precisa. A verdade é que uma corporação que tenha a “responsabilidade de 90 mil habitantes”, se “vivesse exclusivamente do voluntariado arriscava-se a ter períodos do dia em que não tinha cobertura possível”, diz João Nunes, comandante. Eles “não conseguem estar 365 dias na corporação, enquanto os profissionais estão cá todos os dias, durante várias horas.” Em comum consideram que nem sempre é fácil conciliar os dois mundos, pelo contrário. Rita confessa que “há dias em que sai às quatro da manhã e tem de acordar cedo nesse mesmo dia.” Essa parte “não é tão divertida, mas estão sujeitos a tudo”, garante.
É em pós-laboral que fazem as formações, “não é a mesma coisa” que o homem que “está diariamente a trabalhar na sua forma física, que conhece os veículos e as situações como ninguém.” À semelhança de um ginásio, “quem trabalha nisto de forma consecutiva ganha mais experiência e adquire mais “caule”, declara João Nunes.
“Um profissional tem uma resposta mais séria e com mais conhecimento. O voluntário já não tem este tipo de resposta.”
Vítor Machado
Como têm trabalho para cumprir, o corpo de bombeiros tem poucos homens e mulheres durante o dia. Às vezes “não saem, não têm meios e, por isso, não podem dizer que asseguram o município quando não conseguem dar resposta”, considera o sapador.
Nos dias de hoje “não pode haver só voluntários”, diz Ângela Matos Gomes, Presidente da Assembleia Geral da Associação Humanitária de Vale de Cambra. Daí a necessidade de colocar Equipas de Intervenção Permanente (EIP), financiadas pelo estado, nos quartéis voluntários. Inicialmente, o conceito das EIP surgiu para que “pudessem prestar o serviço em horário útil, das 9h00 às 17h”, mas “talvez 90% dos grandes incêndios ocorram durante a noite”, admite o sapador. Nuno Silva é bombeiro na corporação de Valongo, faz parte das EIP. A nível nacional “existe uma a três equipas pelos corpos de bombeiros”, diz. O objetivo é assegurar a primeira intervenção. Em caso de incêndio “somos os primeiros a intervir.” Mesmo fazendo parte dessas equipas, não se livra de fazer o serviço de voluntariado.
Em Portugal, a “perceção da realidade no que diz respeito ao socorro é péssima”, diz Nuno. “90% da atividade do INEM é feita por bombeiros”, tomando conta de “80% das ocorrências de incêndios, mas recebem menos de metade do que recebem as outras forças”, diz Miguel Aguiar Soares, Presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Aveiro. São o principal agente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, mas não se sentem valorizados por quem tem a “obrigação de criar melhores condições.”
“Os bombeiros são a face mais visível da Proteção Civil e aquela que faz a maior parte do serviço. A maior parte destacadamente”
Miguel Aguiar Soares
O Presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Aveiro crê que ser bombeiro em Portugal é “um ato de muita coragem.” Os corpos sentem-se “descartados e desprotegidos” porque o governo só se interessa em determinadas alturas do ano. Um exemplo da falta de valorização e apoio é na altura do verão durante a campanha florestal. Existem equipas voluntárias que se inscrevem para fazer esse serviço. Trabalham 24 horas sob 24 horas. A entidade dá uma compensação que equivale a 1,82 euro por hora. Um total de 57 euros. José declara que esse valor “é uma ninharia”, são “preços ridículos, pois é preciso comer desse dinheiro.” O comandante da corporação voluntária em Valongo, Bruno Oliveira, considera que os sapadores e os voluntários fazem o mesmo, só “não ganham o que fazem.” Os operacionais reivindicam um aumento de valor que nunca acontece. Sacrificam-se. Fazem 12 horas de serviço seguida e não há reconhecimento.
Em 2021, as remunerações mínimas mensais dos bombeiros sapadores era de 952.4 euros, enquanto o valor máximo mensalmente era de 2.374.8 euros. Já o funcionário de uma corporação voluntário acaba por “receber o salário mínimo”, diz o Presidente da Associação Humanitária de Vale de Cambra. Fonte: PORDATA |
José Almeida põe as cartas em cima da mesa quanto há possibilidade de fazer desta a sua profissão: “nunca se pode comparar ordenados entre bombeiros”, dado que “não existe profissionalização” neste âmbito. Almeida é técnico de informática e, apesar de “trabalhar numa entidade pública”, não tem a liberdade de “deixar de trabalhar para fazer voluntariado”, revela. “Há patrões que facilitam, outros não.”
“São soldados de uns senhores que estão sentados a brincar à gestão dos incêndios”
Miguel Aguiar Soares
A “guerra” entre os operacionais não é de agora e nela existe opiniões que não coincidem. Apesar disso, zelam que a missão é a mesma.
A sociedade sem os Agentes de Proteção Civil “não anda” e os bombeiros colaboram juntos em certas ocorrências. Numa situação em que os voluntários cheguem primeiro ao terreno, os sapadores têm o dever de assumir a responsabilidade perante o Teatro de Operações (TO). Existe um diálogo. Percebe-se a estratégia. Passa-se para a ação. Se os profissionais concordarem “continuam a estratégia”, caso contrário “fazem uma alteração.”
A “intervenção de risco, a intervenção musculada” pertence aos sapadores e os voluntários concordam totalmente, acrescentando que sem eles [voluntários] em vários concelhos “não havia ninguém que pudesse ajudar.”
Mariana Venâncio, 20 anos. Com muitos sonhos por realizar. Hoje, estou a concretizar mais um, estar no curso de Ciências da Comunicação. Ainda com sonhos pela frente, mas cada vez mais próxima de os realizar. Acreditar. Sempre! Gosto de sonhar. Faço parte da editoria de Saúde e é por lá que me quero aventurar!